Temas de fundo |
XIX DOMINGO COMUM - B 1ª leitura (1Re 19,4-8): Elias andou pelo deserto um dia de caminho. Depois disso, sentou-se à sombra de um junípero e ansiou pela morte: «Basta, Senhor! Tira-me a vida, já que não sou melhor do que os meus pais!». Depois, deitou-se por terra e adormeceu à sombra do junípero. Mas eis que um anjo lhe tocou dizendo: «Levanta-te e come». Olhou e viu um pão cozido sob a cinza e uma bilha de água à sua cabeceira. Comeu e bebeu e voltou a deitar-se. Então o anjo do Senhor tocou-lhe outra vez e disse: «Levanta-te e come, pois ainda tens muito caminho a fazer». Elias levantou-se, comeu e bebeu. Reconfortado com aquela comida, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus.
* Tens muito caminho a fazer. A vida do profeta Elias está cheia de episódios curiosos. Este é um deles. Mas isso não quer dizer que o objetivo dos autores bíblicos seja entreter-nos com estas coisas. É muito mais proveitoso refletir, por exemplo, sobre o facto de que o grande Elias sentiu as fraquezas de todo o ser humano, como o cansaço e sobretudo o desânimo. Com efeito, ele sente-se pessimista no que se refere aos resultados do seu ministério, sobretudo devido à perseguição que Jezabel lhe moveu após a matança dos sacerdotes do deus Baal. Como consequência, foge e fica mesmo à espera da morte. Ora bem, parece que é precisamente na altura em que o homem reconhece as suas limitações e fraquezas que intervém a força de Deus (cf., por exemplo, 2Cor 12,5.9). A partir desse momento, embora talvez contrariado, Elias recobra forças e ânimo e dispõe-se a prosseguir a missão que lhe estava destinada. A sua caminhada de quarenta dias e quarenta noites não é senão uma imagem dessa sua nova determinação. Em qualquer dos casos, ao ser escolhida para este domingo, esta leitura vale pelo aceno ao pão e à água com que o profeta recobra as forças. É esse, por assim dizer, o elo de ligação com o texto evangélico deste domingo, o qual fala do alimento que, por Jesus Cristo, Deus nos dá, para assim prosseguirmos a nossa caminhada rumo a Ele.
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2ª leitura (Ef 4,30-5,2): Não entristeçais o Espírito Santo de Deus, pois o Espírito é o selo com o qual fostes marcados para o dia em que sereis salvos. Evitai toda a espécie de azedume, raiva, ira, gritaria e injúria, bem como toda a maldade. Sede, antes, bondosos e carinhosos uns com os outros. Perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou a vós em Cristo. Já que sois filhos de Deus, deveis procurar ser como Ele. A vossa vida deve ser guiada pelo amor, à maneira de Cristo, que nos amou e se entregou a Deus por nós como oferta e sacrifício de agradável odor.
* A vossa vida deve ser guiada pelo amor. Como segunda leitura, continuamos a seguir, como nos últimos domingos, a Carta aos Efésios, particularmente, a segunda parte. As exortações de Paulo vão até ao ponto de indicar aos cristãos o que devem evitar e o que devem fazer. Tudo isto tem como base a forma como Cristo procedeu, entregando-se a Deus totalmente. À primeira vista, poderá parecer que se está a lidar com linguagem complicada, mas não me parece o caso. Eu diria que o problema não está tanto em entender as palavras quanto em pô-las em prática. Quando Paulo nos aconselha - o mesmo há a dizer do que encontramos no texto evangélico - a evitar o azedume, a raiva, a ira, a gritaria, a injúria, bem como toda a maldade, se calhar, procuramos sempre encontrar maneira de acomodar o texto, de limar as arestas, pensando que, enfim, de vez em quando, também temos o «direito à indignação». Ou seja, a pergunta é simples: o texto admite exceções ou admite, em «certas circunstâncias», algumas correções? Bem, expressões como «sede bondosos e carinhosos» ou então «perdoai-vos uns aos outros» querem dizer isso mesmo e é inútil atenuar o seu significado.
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Evangelho (Jo 6,41-52): Os judeus puseram-se a murmurar contra Ele por ter dito: «Eu sou o pão que desceu do céu». E diziam: «Este homem é Jesus, o filho de José, não é? Nós conhecemos bem o seu pai e a sua mãe. Como é que então se atreve agora a dizer: "Eu desci do céu"»? Jesus respondeu-lhes: «Deixai de murmurar entre vós. Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não atrair. E Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Os profetas escreveram que todos serão ensinados por Deus. Pois bem, todo o que escuta e entende o ensinamento do Pai vem a mim. Isto não quer dizer que alguém tenha visto o Pai, porque só aquele que tem a sua origem em Deus é que viu o Pai. Mas eu digo-vos a verdade: aquele que crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida... Se alguém comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, para que o mundo tenha a vida».
* Eu sou o pão descido do céu. O texto evangélico - nem é preciso repeti-lo - faz parte do Discurso do Pão do Céu e é esse o conteúdo essencial que interessa relevar. Seja como for, pode-se dizer que há também, na mente do evangelista S. João, uma mensagem subliminar, se assim se pode dizer, e tão subtil que não se pode esquecer esse dado. Com efeito, as palavras que Jesus pronuncia a seguir às murmurações dos judeus, são a «prova» de que aqui se está a lidar com um «assunto» que não é possível abarcar apenas com as capacidades (de resto, sempre limitadas) da inteligência humana. Exige-se, por assim dizer, uma outra espécie de padrão de conhecimento para vislumbrar a realidade a que Jesus se quer referir. Podemos utilizar o nome que quisermos, mas o termo que descreve melhor este facto é o de fé. Esta é condição sine qua non para entender que o único que pode dar a vida que conta, ou seja, a vida eterna, é Aquele que vem do Pai. Também só quem é capaz de «raciocinar» com a fé é que aceita sem dificuldade que é possível comer a carne e beber o sangue do Filho do Homem, porque não tem dificuldade em entender que isso não se confunde com o comer e o beber simplesmente materiais. Só quem come daquele pão descido do céu é que não morre.
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* Com a força do alimento, Elias caminhou até ao monte de Deus.
* Caminhai na caridade, como Cristo.
* Eu sou o pão descido do céu. |
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SE ALGUÉM COMER DESTE PÃO VIVERÁ PARA SEMPRE.
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Jesus é o pão descido do céu
Durante a travessia do deserto, os sinais da presença de Deus no meio do seu povo a caminho da terra prometida foram dois em particular: o pão vindo do céu (maná, sem excluir, claro, também a «chuva» de codornizes) e a água que brotou da rocha do deserto. São precisamente estes também os sinais através dos quais Deus se revela e se faz presente ao seu profeta Elias que, perseguido pela perversa Jezabel, mulher do rei Acab, se vê obrigado a fugir para o Monte Horeb, depois de ter feito passar à espada todos os profetas do deus Baal (cf. 1Re 19,1).
Mas, quando ele já pensava que tinha terminado a sua missão e que tinha chegado ao fim dos seus dias, é alimentado com pão, aparecido ali milagrosamente, e com água. Não é difícil entender hoje, como em todos os tempos, o simbolismo destes dois elementos da natureza. Não admira, pois, que Jesus utilize o simbolismo natural do pão para propor um conceito parecido, embora de outra ordem: o do alimento espiritual. Deus, que do nada faz tudo, Deus que, por amor do homem, se faz Ele próprio homem, também pode alimentar - e alimenta de facto - espiritualmente o homem a partir dos elementos da natureza.
Não se trata apenas, como é evidente, de uma referência ao alimento material, mas sim ao alimento espiritual. Jesus, sacramento vivo do Pai através do pão, deixa um sinal da sua presença, um sinal que, para além do simbolismo, é igualmente (e com mais força ainda) um sinal eficaz. Ou seja, esse pão que se transforma no próprio Jesus Cristo é capaz não só de significar a vida espiritual, mas também de a transmitir.
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A plenitude da vida do homem
No capítulo 6 de S. João, é possível distinguir uma dupla perspetiva: a dos ouvintes diretos de Jesus, para os quais o seu discurso se refere sobretudo à fé e ao acolhimento que devem fazer da sua pessoa; e a dos contemporâneos do evangelista, para os quais o discurso de Jesus tem um transparente significado eucarístico.
Como é do conhecimento geral, S. João escreve o seu Evangelho depois de ter vivido largos anos a primeira experiência das comunidades cristãs; portanto, depois que o costume de os cristãos se reunirem para celebrar a Ceia Eucarística se tinha já estabelecido em toda a parte. A sua perspetiva é, pois, já um reflexo duma práxis sacramental em uso. Por conseguinte, é evidente que as palavras e os factos da existência de Jesus são lidos com uma plenitude e uma riqueza de perspetivas que não eram possíveis no dia em que os apóstolos ouviram falar pela primeira vez do «pão da vida». Na narração de João, a fé em Jesus está sempre em primeiro plano, mas está relacionada com os sinais através dos quais se torna visível. Fé e sacramentos da fé são já inseparáveis (quando João escreve). A fé exige o sacramento e o sacramento é incompreensível fora duma visão de fé.
No centro do Discurso do Pão do Céu, está o tema da «vida», ou seja, o tema da realização plena do homem. Cristo veio realizar esta vida. E trata-se da mesma vida que tem o seu Pai, ou seja, a vida eterna, a vida sem fim. O homem é um ser que a procura, mas não consegue encontrá-la. Ou encontra-a só provisoriamente. Até ao dia em que Jesus Cristo consegue matar totalmente essa fome, porque «este é o pão que desceu do céu» e «quem come dele não morre para sempre».
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Um pão estranho que é carne
Será que o pão eucarístico será um pão tão estranho como o subtítulo dá a entender? Quer dizer, o pão eucarístico, de alguma forma, segue as mesmas leis do pão normal, que se serve em casa. O pão tem um significado, porque há alguém que o cozinhou, porque há alguém que o ganhou e, por fim, alguém que o come. Tendo como exemplo o caso familiar, os pais procuram ganhar o pão, o alimento, os vestidos, com o próprio esforço e trabalho. Os pais são pão de vida para os seus filhos, não só porque através deles lhes é dada a vida, mas também porque, de alguma forma, são continuamente «consumidos» pelos filhos; porque, com efeito, dando-lhes o pão, que é fruto do seu trabalho, o pai e a mãe podem em certa medida dizer: «Este pão é a minha carne e o meu sangue dados pelos meus filhos».
Se é possível aos pais e aos filhos dar ao pão um sentido tão profundo, porque é que Jesus não podia também dar ao pão um significado novo, a nível de profundidade de todo o seu ser e assim fazer deles participantes, através dele, da vida do Pai e sinal eficaz da sua íntima presença e comunhão daqueles que acreditam nele?
A experiência serena e quotidiana da refeição familiar, bem como a descoberta do profundo significado humano que há nas expressões e gestos que a família utiliza quando se reúne à volta da mesa são o caminho mais simples e, a nível de aprendizagem catequética, o mais válido para introduzir numa compreensão rica e autêntica da Eucaristia. Um volume intitulado «Resumo da Doutrina Católica» di-lo melhor do que eu: «No vértice desta acção educativa (catequética), está a preocupação de dispor os fiéis a fazer do mistério eucarístico a fonte e ponto alto de toda a vida cristã. Todo o bem espiritual da Igreja está encerrado na Eucaristia, onde Cristo, nossa Páscoa, está presente e dá vida aos homens, convidando-os e convencendo-os a oferecerem-se a si mesmos com Ele e em sua memória, para a salvação do mundo» (RDC, 46).
TEMA 19. A Eucaristia (I)
A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a actualização do seu único sacrifício, na liturgia da Igreja.
A Eucaristia (I) 1. Natureza sacramental da Santíssima Eucaristia
1.1. O que é a Eucaristia? A Eucaristia é o sacramento que torna presente, na celebração litúrgica da Igreja, a Pessoa de Jesus Cristo (Cristo total: Corpo, Sangue, Alma e Divindade) e o seu sacrifício redentor, na plenitude do Mistério Pascal, da sua paixão, morte e ressurreição. Esta presença não é estática ou passiva (como a de um objecto num lugar), mas activa, porque o Senhor Se torna presente com o dinamismo do seu amor salvador: na Eucaristia Ele convida-nos a acolher a salvação que nos oferece e a receber o dom do seu Corpo e do seu Sangue como alimento de vida eterna, permitindo-nos entrar em comunhão com Ele – com a sua Pessoa e o seu sacrifício – e em comunhão com todos os membros do seu Corpo Místico que é a Igreja. Com efeito, como afirma o Concílio Vaticano II, «O nosso Salvador instituiu na última Ceia, na noite em que foi entregue, o Sacrifício eucarístico do seu Corpo e do seu Sangue para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até Ele voltar, o Sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é concedido o penhor da glória futura» [1].
1.2. Os nomes com que se designa este sacramento A Eucaristia é denominada, tanto pela Sagrada Escritura como pela Tradição da Igreja, com diversos nomes, que reflectem os múltiplos aspectos deste sacramento e expressam a sua incomensurável riqueza, mas nenhum esgota o seu sentido. Vejamos os mais significativos: a) Alguns nomes recordam a origem do rito: Eucaristia [2], Fracção do Pão, Memorial da paixão, morte e ressurreição do senhor, Ceia do Senhor. b) Outros sublinham o carácter sacrificial da Eucaristia: Santo Sacrifício, Santo Sacrifício da Missa, Sacramento do Altar, Hóstia (=Vítima imolada). c) Outros tentam expressar a realidade da presença de Cristo sob as espécies consagradas: Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo, Pão do Céu (cf. Jo 6, 32-35; Jo 6, 51-58), Santíssimo Sacramento (porque contém o Santo dos Santos, a própria santidade de Deus encarnado). d) Outros referem-se aos efeitos causados pela Eucaristia em cada fiel e em toda a Igreja: Pão da Vida, Pão dos Filhos, Cálice de Salvação, Viático (para que não desfaleçamos no caminho para Casa), Comunhão. Este último nome indica que mediante a Eucaristia nos unimos a Cristo (comunhão pessoal com Cristo) e a todos os membros do seu Corpo Místico (comunhão eclesial em Jesus Cristo). e) Outros designam toda a celebração eucarística com o termo que indica, no rito latino, a despedida dos fiéis depois da comunhão: Missa, Santa Missa. 2 Entre todos estes nomes o termo Eucaristia é o que tem prevalecido cada vez mais na Igreja do Ocidente, até se tornar a expressão comum com que se designa tanto a acção litúrgica da Igreja, que celebra o memorial do Senhor, como o sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo. No Oriente a celebração eucarística, sobretudo a partir do século X, é designada habitualmente pela expressão Santa e Divina Liturgia.
1.3. A Eucaristia na ordem sacramental da Igreja «O amor da Trindade pelos homens faz com que, da presença de Cristo na Eucaristia, nasçam para a Igreja e para a humanidade todas as graças» [3]. A Eucaristia é o sacramento mais excelso, porque nele «está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e vivificadora pelo Espírito Santo» [4]. Os outros sacramentos, embora possuam uma virtude santificadora que provém de Cristo, não são como a Eucaristia, que torna verdadeiramente presente, real e substancialmente a própria Pessoa de Cristo – o Filho encarnado e glorificado do Pai Eterno –, com a potência salvífica do seu amor redentor, para que os homens possam entrar em comunhão com Ele e vivam por Ele e n’Ele (cf. Jo 6, 56, 57). Além disso, a Eucaristia constitui o cume para o qual convergem todos os outros sacramentos em ordem ao crescimento espiritual de cada um dos crentes e de toda a Igreja. Neste sentido, o Concílio Vaticano II afirma que a Eucaristia é «fonte e centro de toda a vida cristã», o centro da vida da Igreja [5]. Todos os outros sacramentos e todas as obras da Igreja ordenam-se à Eucaristia porque o seu fim é conduzir os fiéis à união com Cristo, presente neste sacramento (cf. Catecismo, 1324). Embora contenha Cristo, fonte através da qual a vida divina chega à humanidade, e ainda sendo o fim para o qual se ordenam os outros sacramentos, a Eucaristia não substitui nenhum deles (nem o Baptismo, nem a Confirmação, nem a Penitência, nem a Unção dos Doentes), e só pode ser consagrada por um ministro validamente ordenado. Cada sacramento tem o sue papel no conjunto sacramental e na vida da própria Igreja. Neste sentido, a Eucaristia considera-se o terceiro sacramento da iniciação cristã. Desde os primeiros séculos do cristianismo que o Baptismo e a Confirmação foram considerados como preparação para a participação na Eucaristia, como disposições para se poder entrar em comunhão sacramental com o Corpo de Cristo e o seu sacrifício, e para inserir-se mais vitalmente no mistério de Cristo e da sua Igreja.
2. A promessa da Eucaristia e a sua instituição por Jesus Cristo
2.1. A promessa O Senhor anunciou a Eucaristia durante a sua vida pública, na Sinagoga de Cafarnaum, perante aqueles que O tinham seguido depois de serem testemunhas do milagre da multiplicação dos pães, com que saciou a multidão (cf. Jo 6, 1-13). Jesus aproveitou aquele sinal para revelar a sua identidade e a sua missão, e para prometer a Eucaristia: «”Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu, mas é o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do Céu, pois o pão de Deus é aquele que desce do Céu e dá a vida ao mundo.” Disseram-lhe então: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” Respondeu-lhes Jesus: “Eu sou o pão da vida… Eu sou o pão vivo, o que desceu do Céu: se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, pela vida do mundo… Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu hei-de ressuscitá-lo no último dia, porque a minha carne é uma verdadeira comida e o meu sangue, uma verdadeira bebida. Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele. Assim como o Pai que me enviou vive e Eu vivo pelo Pai, também quem de verdade me come viverá por mim”» (cf. Jo 6, 32-35, 51, 54-57).
2.2. A instituição e o seu contexto pascal 3 Jesus Cristo instituiu este sacramento na Última Ceia. Os três Evangelhos sinópticos (cf. Mt 26,17-30; Mc 14,12-26; Lc 22,7-20) e S. Paulo (cf. 1 Cor 11,23-26) transmitiram-nos o relato da sua instituição. Eis aqui a síntese da narração que o Catecismo da Igreja Católica nos oferece: «Veio o dia dos Ázimos, em que devia imolar-se a Páscoa. [Jesus] enviou então a Pedro e a João, dizendo: "Ide preparar-nos a Páscoa, para que a possamos comer" [...]. Partiram pois, [...] e prepararam a Páscoa. Ao chegar a hora, Jesus tomou lugar à mesa, e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes então: "Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer. Pois vos digo que não voltarei a comê-la, até que ela se realize plenamente no Reino de Deus". [...] Depois, tomou o pão e, dando graças, partiu-o, deu-lho e disse-lhes: "Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim". No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice e disse: "Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós"» (Catecismo, 1339). Jesus celebrou pois a Última Ceia no contexto da Páscoa judaica, mas a Ceia do Senhor possui uma novidade absoluta: no centro não se encontra o cordeiro da Antiga Páscoa, mas o próprio Cristo, o seu Corpo entregue (oferecido em sacrifício ao Pai, a favor dos homens)… e o seu Sangue derramado por muitos para a remissão dos pecados (cf. Catecismo, 1339). Podemos pois dizer que Jesus, mais do que celebrar a Antiga Páscoa, anunciou e realizou – antecipando-a sacramentalmente – a Nova Páscoa.
2.3. Significado e conteúdo do mandato do Senhor O preceito explícito de Jesus: «fazei isto em memória de mim» [como meu memorial] (Lc 22, 19; 1Cor 11, 24-25), evidencia o carácter propriamente institucional da Última Ceia. Com este mandato, pede-nos que correspondamos ao seu dom e que o representemos sacramentalmente (que o voltemos a realizar, que reiteremos a sua presença: a presença do seu Corpo entregue e do seu Sangue derramado, ou seja, do seu sacrifício em remissão dos nossos pecados). «Fazei isto». Deste modo designou aqueles que poderiam celebrar a Eucaristia (os Apóstolos e os seus sucessores no sacerdócio), confiou-lhes a potestade de a celebrar e determinou os elementos fundamentais do rito: os mesmos que Ele empregou. Assim, na celebração da Eucaristia é necessária a presença do pão e do vinho, da oração de acção de graças e de bênção, da consagração dos dons no Corpo e Sangue do Senhor, da distribuição e comunhão deste Santíssimo Sacramento. «Em memória de mim» [como meu memorial]. Deste modo, Cristo ordenou aos Apóstolos (e neles aos seus sucessores no sacerdócio), que celebrassem um novo “memorial”, que substituísse o da Antiga Páscoa. Este rito memorial tem uma particular eficácia: não só ajuda a “recordar” à comunidade crente o amor redentor de Cristo, as suas palavras e gestos durante a Última Ceia, mas que, além disso, como sacramento da Nova Lei, torna objectivamente presente a realidade significada: Cristo “Nossa Páscoa” (1 Cor 5, 7), e o seu sacrifício redentor.
3. A celebração litúrgica da Eucaristia A Igreja, obediente ao mandato do Senhor, celebrou a seguir a Eucaristia em Jerusalém (cf. Act 2,42-48), em Tróade (cf. Act 20,7-11) em Corinto (cf. 1 Cor 10,14,21; 1 Cor 11, 20-34), e em todos os lugares onde haveria de chegar o cristianismo. «Era sobretudo “no primeiro dia da semana”, isto é, no dia de domingo, dia da ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam “para partir o pão” (Act 20, 7). Desde esses tempos até aos nossos dias, a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de maneira que hoje a encontramos em toda a parte na Igreja com a mesma estrutura fundamental» (Catecismo, 1343).
3.1. A estrutura fundamental da celebração Fiel ao mandato de Jesus, a Igreja, guiada pelo «Espírito de Verdade» (Jo 16, 13), que é o Espírito Santo, quando celebra a Eucaristia não faz outra coisa senão conformar-se com o rito realizado pelo Senhor na 4 Última Ceia. Os elementos essenciais das sucessivas celebrações eucarísticas não podem ser outros senão os da Eucaristia originária, ou seja:
a) A assembleia dos discípulos de Cristo, por Ele convocada e reunida à sua volta.
b) A realização do novo rito memorial. A assembleia eucarística Logo nos começos da vida da Igreja, a assembleia cristã que celebra a Eucaristia manifesta-se hierarquicamente estruturada: normalmente é constituída pelo bispo ou por um presbítero (que preside sacerdotalmente à celebração eucarística e actua in persona Christi Capitis Ecclesiae), pelo diácono, por outros ministros e pelos fiéis, unidos pelo vínculo da fé e do baptismo. Todos os membros desta assembleia são chamados a participar consciente, devota e activamente na liturgia eucarística, cada um segundo o seu modo próprio: o sacerdote celebrante, o diácono, os leitores, «os que trazem as oferendas, os que distribuem a comunhão e todo o povo cujo Ámen manifesta a participação» (Catecismo, 1348). Assim, cada um deverá cumprir o que é próprio do seu ministério, sem que haja confusão entre o sacerdócio ministerial, o sacerdócio comum dos fiéis, o ministério do diácono e de outros possíveis ministros. O papel do sacerdócio ministerial na celebração da Eucaristia é essencial. Só o sacerdote validamente ordenado pode consagrar a Santíssima Eucaristia, pronunciando in in persona Christi (quer dizer, na identificação específica sacramental com o Sumo e Eterno Sacerdote, Jesus Cristo), as palavras da consagração (cf. Catecismo, 1369). Por outro lado, nenhuma comunidade cristã tem capacidade para se atribuir por si só o ministério ordenado. «Este é um dom que ela recebe através da sucessão episcopal que remonta aos Apóstolos. É o Bispo que constitui, pelo sacramento da Ordem, um novo presbítero, conferindo-lhe o poder de consagrar a Eucaristia» [6]. O desenrolar da celebração A acção do rito memorial desenrola-se, desde as origens da Igreja, em dois grandes momentos, que formam um só acto de culto: a “Liturgia da Palavra” (que compreende a proclamação e a escutaacolhimento da Palavra de Deus) e a “Liturgia Eucarística” (que compreende a apresentação do pão e do vinho, a anáfora ou oração eucarística – com as palavras da consagração – e a comunhão. Estas duas partes principais estão delimitadas pelos ritos de introdução e de conclusão (cf. Catecismo, 1349-1355). Ninguém pode tirar ou acrescentar a seu bel-prazer nada do que foi estabelecido pela Igreja na Liturgia da Santa Missa [7]. A constituição do signo sacramental Os elementos essenciais e necessários para constituir o signo sacramental da Eucaristia são: por um lado, o pão de farinha de trigo [8] e o vinho [9] de uvas; e, por outro lado, as palavras consecratórias, que o celebrante pronuncia in persona Christi, no contexto da «Oração Eucarística». Graças à virtude das palavras do Senhor e à potência do Espírito Santo, o pão e o vinho convertem-se em signos eficazes, com plenitude ontológica e não apenas de significado, da presença do “Corpo entregue” e do “Sangue derramado” de Cristo, ou seja, da sua Pessoa e do seu sacrifício redentor (cf. Catecismo, 1333 e 1375). Ángel Garcia Ibáñez Bibliografia Básica Catecismo da Igreja Católica, 1322-1355. João Paulo II II, Enc. Ecclesia de Eucharistia, 17-IV-2003, nn. 11-20; 47-52. 5 Bento XVI, Ex. ap. Sacramentum Caritatis, 22-II-2007, nn. 6-13; 16-29; 34-65. Congregação para o Culto Divino e a disciplina dos Sacramentos, Instrução Redemptionis Sacramentum, 25-III-2004, nn. 48-79. Notas [1] Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 47. [2] O termo eucaristia significa acção de graças, e remete para as palavras de Jesus Cristo na Última Ceia: «Tomou, então, o pão e, depois de dar graças [quer dizer, pronunciou uma oração eucarística e de louvor a Deus Pai], partiu-o e distribuiu-o por eles, dizendo…» (Lc 22, 19; cf. 1 Cor 11, 24). [3] S. Josemaria, Cristo que Passa, 86. [4] Concílio Vaticano II, Presbyterorum Ordinis, 5. [5] Cf. Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, 11. [6] João Paulo II, Enc. Ecclesia Eucharistia, 29. [7] Cf. Concílio Vaticano II, Const. Sacrosanctum Concilium, 22; Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Instrução Redemptionis Sacramentum, 14-18. [8] Cf. Missal Romano, Instituto generalis, n. 320. No rito latino deve ser pão ázimo, isto é, não fermentado; cf. Ibidem. [9] Cf. Missal Romano, Instituto generalis, n. 319. Na Igreja latina, ao vinho acrescenta-se um pouco de água; cf. Ibidem. As palavras que o sacerdote pronuncia ao deitar água no vinho, manifestam o sentido deste rito: «Pelo mistério desta água e deste vinho sejamos participantes da divindade d’Aquele que assumiu a nossa humanidade» (missal Romano, Ofertório). Para os Padres da Igreja este rito significa também a união da Igreja com Cristo no sacrifício eucarístico; cf. S. Cipriano, Ep. 63, 13: CSEL 3, 711.