Temas de fundo |
XVIII DOMINGO COMUM - B 1ª leitura (Ex 16,2-4.12-15): No deserto, toda a comunidade dos filhos de Israel começou a murmurar contra Moisés e Aarão: «Oxalá tivéssemos morrido às mãos do Senhor no Egito. Ao menos aí estávamos descansados junto das panelas de carne e podíamos comer com fartura! Mas tu trouxeste-nos para este deserto para fazer morrer de fome toda esta assembleia!». O Senhor disse a Moisés: «Eis que vou fazer chover do céu pão para vós. O povo sairá e recolherá em cada dia a porção desse dia. Assim, vou pô-lo à prova, para ver se anda ou não na minha Lei»... Quando os filhos de Israel a viram (substância fina e granulosa), não sabiam o que era e então perguntavam uns aos outros: «O que é isto?» (Man-hu)... Disse-lhes Moisés: «Isto é o pão que o Senhor vos deu para comer». * Eu farei chover pão do céu para vós. Não entro em discussões técnicas e exegéticas para explicar o aparecimento da «carne e do pão» no deserto. De resto, não é essa a minha tarefa e, por outro lado, a mensagem é de cariz religioso. Seja como for, estou consciente de que a intenção principal do autor sagrado não é de carácter técnico. Agora, o que ele certamente pretende é que os seus leitores sejam capazes de «ler» não apenas em chave material, mas sim em chave espiritual, um fenómeno extraordinário e excecional, embora provavelmente fosse natural (os peritos é que têm que decidir isso). Ora bem, então a forma simples de «verbalizar» essa mensagem talvez seja afirmar: tudo acaba por ser previsto e considerado como sinal da presença de Deus pelo povo, que murmura contra Moisés e Aarão. É certo que a tradição bíblica apresenta o «maná» como o alimento do dia a dia do povo de Deus no deserto. Mas nem por isso deixa de ser também, e com toda a propriedade, o «pão descido do céu» (cf. Sl 77,23-25; 104,40; Sb 16,20-21). Pois bem, é precisamente esta a tradição a que Jesus apela para lhe dar um sentido muito mais específico, como nos é explicado no «Discurso do pão do céu» do evangelista João (que estamos a ler nesta altura do ano lirúrgico).
2ª leitura (Ef 4,17.20-24): Exorto-vos no Senhor a que não volteis a proceder como procedem os gentios. Não foi isto que aprendestes sobre Cristo, partindo do suposto que dele ouvistes falar. Como seus seguidores, fostes instruídos sobre a verdade que está em Jesus. Por isso, no que se refere à conduta de outrora, deveis despir-vos do homem velho, corrompido por desejos enganadores. Deveis renovar a vossa mente e o vosso coração pela transformação do Espírito e revestir-vos do homem novo, criado à semelhança de Deus e revelado na justiça e na santidade .verdadeira * Revesti-vos do homem novo. Depois duma parte mais doutrinal (a 1ª), a Carta aos Efésios passa, por assim dizer, a assuntos mais concretos e empenhativos, pressupondo sempre que Jesus é a pedra angular sobre a qual assenta toda a fé cristã. Nestes poucos versículos, Paulo aponta para esta centralidade da figura de Cristo, jogando sobre a antítese «homem velho» e «homem novo». Os cristãos de Éfeso, como os de outras comunidades abandonaram as coisas antigas e escolheram a novidade, ou seja, uma vida apoiada na forma de pensar e viver segundo os ensinamentos de Cristo. Só assim se pode deixar de modo definitivo o «homem velho», ou seja, a vida pagã que tinham levado até então. Nas palavras de Paulo, há então o convite a uma mudança de vida que mantém a sua atualidade nos dias que correm. Confessar a pessoa de Cristo não é apenas mais uma «curiosidade» que se acrescenta à nossa vida de todos os dias, mas sim pautar a vida segundo o seu ensinamento e as suas exigências. Sem isso, não podemos dizer realmente que somos cristãos. Evangelho (Jo 6,24-35): ... «Digo-vos a verdade: vós procurais-me não por terdes visto sinais miraculosos, mas porque comestes dos pães e ficastes saciados. Trabalhai antes, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que dura para a vida eterna. Esse, sim, é o alimento que o Filho do Homem vos dará, pois a este é que Deus Pai pôs o selo da sua aprovação». Então perguntaram-lhe: «Que devemos nós fazer para pôr em prática as obras que Deus quer»? Jesus disse-lhes: «O que Deus quer é que acrediteis naquele que Ele enviou». Eles replicaram: «Mas que sinal é que Tu realizas para que nós, vendo, possamos acreditar em ti? Que obras é que Tu fazes? Os nossos antepassados comeram maná no deserto, como está escrito: "Ele deu-lhes a comer o pão vindo céu". Jesus respondeu-lhes: «Em verdade vos digo: o que Moisés vos deu não foi o pão do céu. É o meu Pai quem vos dá o verdadeiro pão do céu. E o pão de Deus é o que desce do céu e dá a vida ao mundo». Então eles disseram-lhe: «Senhor, dá-nos sempre desse pão!». Respondeu-lhes Jesus: «Eu é que sou o pão da vida. Quem vem a mim jamais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede». * Quem vem a mim nunca mais terá fome. EU SOU O PÃO DA VIDA. Como vimos no domingo passado, Jesus fez o «sinal» da multiplicação dos pães e dos peixes. E, como ficou dito também, esse sinal serve para introduzir o «Discurso do Pão da Vida». Como Jesus o atesta de maneira clara, a multidão que fora saciada não soube ir para além das suas necessidades materiais. Seja como for, a partir de agora, Jesus vai fazer uma proposta cujo centro de interesse é a sua própria pessoa, pois só assim as pessoas podem compreender quem Ele é. A principal conclusão a que os seus ouvintes - e através deles todos nós - têm de chegar é que devem ter necessidade dele pelo menos como têm necessidade dos bens materiais. Aqueles que escutam Jesus querem garantias e chegam mesmo a exigir um sinal. O mesmo tinham feito os seus antepassados, juntamente com o pão que Moisés lhes tinha dado no deserto. Jesus aproveita então a ocasião para lhes dizer que, à frente deles, está alguém que é mais que Moisés, pois é Ele o próprio dom de Deus, o pão que conta e que dá a garantia da vida que não tem fim. PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. |
* Eu farei chover pão do céu para vós.
* Revesti-vos do homem novo.
* Quem vem a mim nunca mais terá fome. |
|
EU SOU O PÃO DA VIDA, DISSE JESUS. |
-
Jesus é o pão da vida
Ainda se pode afirmar que, como regra, o homem de hoje, pelo menos no chamado mundo ocidental, aparenta as características de quem está saciado, embora infelizmente haja ainda muitas bolsas de pobreza e até de miséria. Hoje, no mundo ocidental, parece não haver nenhum alimento que ele não possa procurar facilmente. As grandes superfícies comerciais oferecem de tudo: produtos de estação ou de fora de estação, alimentos locais e alimentos exóticos, enfim, especialidades de todo o tipo. Mais do que preocupar-se por comer para viver, muitos ocidentais preocupam-se é pela escolha do que hão-de comer ou até do «grande problema» que é o de como limitar a quantidade de alimentação por motivos de saúde ou de estética.
E, no entanto, é precisamente esse homem assim aparentemente saciado que se queixa da náusea da sua própria opulência. Mas, talvez seja por isso que começa a dar-se conta de que há outras fomes. Talvez seja por isso que, pouco a pouco, pode começar a sentir melhor os apelos fundamentais que lhe são propostos pela Palavra de Deus. Não será precisamente porque está desiludido e muitas vezes enfastiado dos mitos do consumismo, que há indícios agora de que isso não é satisfatório? E não será isso estar em condição de compreender a obtusidade de Israel, que pretende vender o dom incomparável da liberdade pelas panelas cheias de carne e pelas cebolas do Egipto (cf. Nm 11,4)?
Tarefa da Igreja será a de propor continuamente, na sua pregação, a pedagogia de Jesus em relação às miragens e frustrações que o usufruto irracional dos bens da terra produz; ensinar como a multiplicidade das obras dos homens e da actividade consumista se torna em dispersão sem sentido, se o esforço do homem não se identificar com a «obra de Deus» por excelência: a identificação do homem na sua totalidade.
A Igreja deve levar o homem a ultrapassar a sua sede de sinais para ir ao encontro do Autor dos sinais, para descobrir, enfim, o grande «sinal» de Deus no mundo, a fome e a sede de infinito: «Quem vem a mim nunca mais terá fome e quem crê em mim jamais terá sede» (termina assim o texto evangélico de hoje).
-
Do terrestre ao celeste
Preocupados só com o problema do alimento (terreno), os hebreus no tempo de Moisés não compreendem os planos de Deus a seu respeito: fazer com que cheguem ao lugar que lhes está destinado em plena liberdade. Atraídos pela miragem duma alimentação fácil, segura e sem necessidade de trabalho (terreno), os ouvintes de Jesus talvez cheguem até a considerar-se privilegiados, na medida em que terão sido escolhidos para serem saciados sem sentirem necessidade de trabalhar pela comida. E, por isso, não chegam a compreender o significado da multiplicação dos pães e a finalidade do milagre.
Também nós, entusiasmados e tontos com o triunfo do bem-estar e desenvolvimento material, não compreendemos que nem um nem outro são fins, mas simplesmente meios, e tornamo-nos seus escravos. O homem é um ser feito de matéria, é verdade, mas também é espírito. É uma pessoa cujo olhar se deve elevar acima do solo que o nutre para contemplar os espaços infinitos, onde lhe é possível intuir e descortinar realidades misteriosas que se escondem para além das aparências dos sinais que cantam o Criador e revelam o mundo invisível.
Não é só a natureza material que está esfomeada, é também a natureza espiritual que anda esfomeada. O homem está ávido de conhecimento, de verdade, de liberdade, de justiça, de amor, de fraternidade, de unidade, de alegria, de plenitude, embora raramente o descubra; enfim, o homem está ávido de todos aqueles valores que são expressão da imagem divina que ele leva no mais profundo do ser. Mas quem poderá responder a esta fome dos mais altos valores que ultrapassam as capacidades humanas senão Aquele que é a fonte desses mesmos valores?
-
A religião: seguro social?
Até posso conceder que a concepção utilitarista da religião é talvez mais comum entre pessoas duma certa idade que não entre os jovens. Mas isso (comprovado ou a comprovar) não justifica nem uns nem outros. Os efeitos dos milagres de Jesus (no caso presente, a multiplicação dos pães) são a componente utilitarista daquele gesto. Todavia, os milagres em si são também um sinal. Ora, o sinal, por definição, deve apelar para a realidade significada e só nesse caso é que ele é funcional e eficaz.
Na pedagogia e bondade divina, os milagres são sinais do tempo messiânico (cf. Mt 11,2-6), comprovam a presença do Reino entre os homens (cf. Lc 11,20; Jo 2,11). E devem ser também um apelo para que o homem reconheça tal acontecimento e se decida a participar nele (cf. Jo 10,37-38; Mt 11,20). Ora bem, se nos contentarmos apenas com os efeitos imediatos do sinal externo (a multiplicação dos pães, por exemplo), caímos numa forma de religiosidade sacral, formal e utilitarista, porque, com efeito, se procura não o Reino de Deus, mas esta ou aquela graça, esta ou aquela cura. Assim, afinal, o que atrai não é tanto a santidade de vida quanto os factos prodigiosos que se espera se verifiquem. E, quando os prodígios ou milagres acabam, então talvez ouçamos de Jesus as mesmas palavras que Ele dirigiu aos apóstolos: «Também vós vos quereis ir embora?».
6 DE AGOSTO: TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
Leituras: Dan 7,9-10.13-14
2Pe 1,16-19
Mc 9,2-10
«Para os orientais, 6 de Agosto representa a Páscoa do Verão, em virtude da sua importância tipológico-bíblica do acontecimento recordado pelos Evangelhos (a teofania). Na transfiguração no Monte Tabor, Jesus manifesta-se aos seus discípulos (Pedro, Tiago e João) em todo o esplendor da vida divina que tem em si mesmo. Este esplendor é apenas uma antecipação do que O envolverá na noite de Páscoa e que nos comunicará a nós, tornando-nos filhos de Deus. A nossa vida cristã é, desde então, um processo de lenta transformação em Cristo, até à transfiguração na imagem de Cristo glorioso».
«A festa da transfiguração foi levada para o Ocidente em 1456 por Calisto II, como recordação da "gloriosa" vitória sobre o Islão» (Por razões sobejamente conhecidas, esta vertente não é objecto de muitas referências, e ainda bem, porque passaram os tempos do triunfalismo e das vitórias gloriosas, seja contra quem for. Convém mais que se construa um ambiente de desanuviamento e de diálogo, de resto na linha do amor cristão, que «impõe» esse amor sobretudo aos chamados «inimigos».
«A luz (a transfiguração é um fenómeno feito de luz) é a forma de comunhão mais perfeita. Permite o conhecimento recíproco e a compenetração mais absoluta. Por isso, é vista como o sinal mais expressivo da Eucaristia. S. João, escrevendo, "em código", o livro litúrgico por excelência, o Apocalipse, define Cristo como "a estrela radiosa da manhã" (Ap 2,28; 22,16)...».
«Também nós, em cada Missa, "vemos a luz" comungando com o Ressuscitado. Como Moisés na sarça ardente no Sinai; como o povo de Deus sob a nuvem luminosa. Elias, levado para o céu num carro de fogo; como Simeão no Templo de Jerusalém; como Pedro, Tiago e João no Tabor; como os Apóstolos com Maria no cenáculo no dia do Pentecostes. Como Paulo no caminho de Damasco... na expectativa de ser revelados como "filhos da luz", na Eucaristia celeste, quando Deus for "tudo em todos"».
(Messale dell'Assemblea Cristiana)