Temas

de

fundo

1ª leitura (Is 55,10-11):  Assim como a chuva e a neve que caem do céu não voltam mais para lá sem terem irrigado a terra, sem a terem fecundado e feito germinar, para que dê semente ao semeador e pão para comer, assim é com a palavra que sai da minha boca – diz o Senhor: não voltará para mim sem ter produzido efeito, sem ter realizado a minha vontade e sem ter cumprido aquilo para que Eu a mandei.


* A Palavra não volta ao Senhor sem produzir efeito. Tanto esta leitura tirada de Isaías como o trecho evangélico têm por tema a eficácia da palavra de Deus na nossa vida. O Segundo Isaías (cc. 40-55) é uma espécie de poeta que enche as suas páginas de imagens para que a mensagem fique bem clara. No caso concreto, ele diz, sem margem para dúvidas, que a natureza da Palavra de Deus é produzir efeito. Esta é uma «Boa Nova», se bem que nem sempre nos dêmos conta disso. Mas há uma condição para que essa eficácia surta efeito: é preciso acolher essa Palavra, como a terra acolhe a chuva e a neve. Se o nosso coração não estiver lá para a acolher, perde-se, como se perde a semente lançada à beira do caminho. Ora, o que acontece é que o coração nem sempre está lá: ou para a ouvir ou para a ler. Perdemos, por exemplo, tanto tempo com leituras que não têm utilidade nenhuma (e sobretudo utilidade para entender a vida autêntica) e somos tão negligentes quando se trata de pormos em dia as leituras que contêm a Palavra de Deus, fonte de vida eterna! Sabemos o nome dos desportistas e dos actores das telenovelas de trás para a frente e de frente para trás e, no que se refere à Palavra de Deus, tantas vezes a nossa ignorância é deveras confrangedora. A verdade é que, com a leitura da Palavra de Deus, pode acontecer o mesmo que acontece com qualquer outra leitura: quanto mais lermos, mais gostamos de ler e mais claros se nos tornam os planos de Deus a nosso respeito.

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2ª leitura (Rm 8,18-23):  Estou convencido que os sofrimentos do tempo presente não têm comparação com a glória futura que nos será revelada. A criação inteira vive em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus. De facto, a criação foi sujeita à caducidade – não por vontade própria, mas por decisão daquele que a sujeitou – mas também ela espera ser libertada da escravidão da corrupção, para chegar à liberdade na glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos perfeitamente que toda a criação geme e como que sofre as dores de parto até ao presente. E não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito; nós próprios gememos no nosso íntimo, aguardando a adopção como filhos, a libertação do nosso corpo.


* A criação espera a revelação de Deus. Eis um texto que é também uma «boa notícia» reconfortante. É certo que o sofrimento é uma herança da nossa caducidade. No entanto, vamos, por causa disso, cair no desânimo, no desespero e na derrota? Com certeza que não - garante-nos um optimista S. Paulo - pois os sofrimentos por que passamos na vida presente não se comparam com a glória que teremos um dia por sermos filhos de Deus. Saberá porventura um pouco a exagero dizer que toda a criação como que experimenta as dores de parto, mas essa é apenas uma imagem para nos dizer que, perante o futuro que Deus nos prepara, de nada valem todos os sofrimentos a que possamos estar sujeitos. O trecho é muito claro. O que nos falta é aplicá-lo à nossa vida. Eu diria até que o melhor comentário o podemos ler, na mesma Carta aos Romanos, um pouco mais à frente: «Sabemos que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus». A dificuldade está em descobrir essa vertente do sofrimento e das dificuldades que tecem a vida de todos os dias. Mas quem está, em termos vivenciais, convencido da relatividade do sofrimento, chega mesmo ao ponto de desejar ver-se livre dos grilhões do próprio corpo para poder assim estar mais livre e perto de Deus.

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Evangelho (Mt 13,1-23):  ... Jesus falou-lhes de muitas coisas em parábolas. «O semeador foi semear a sua semente. Enquanto semeava, parte das sementes caiu à beira da estrada e vieram as aves e comeram-na. Outra caiu em sítio pedregoso. Como a terra não era muito profunda, as sementes brotaram logo, mas, quando despontou o sol, ficaram queimadas e, como não tinham raízes, secaram. Outras sementes caíram entre espinhos que cresceram e as sufocaram. E, finalmente, outras caíram em terra boa e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; e outras, trinta. Aquele que tiver ouvidos, oiça!» (segue-se toda a explicação da parábola que me dispenso de copiar) ......


* A SEMENTE QUE CAI NA TERRA É A PALAVRA DE DEUS. Começa com o Evangelho de hoje uma série de domingos cujo tema principal é constituído pelas parábolas. Dispenso-me de dizer que a semente é a Palavra de Deus, porque isso está claro na explicação que Jesus dá da mesma a pedido dos apóstolos. O núcleo essencial do trecho evangélico de hoje, à semelhança da primeira leitura, é a eficácia da Palavra de Deus, se bem que sujeita às condições de aceitação por parte de quem a ouve. Por outras palavras, os «protagonistas» desta Parábola são a semente e o terreno em que ela cai. No que ao semeador diz respeito, sabe-se que o seu papel é importante, na medida em que tem obrigação de lançar a semente à terra, mas a verdade é que a semente tem em si todas as potencialidades para se multiplicar, a partir do momento em que encontre terra onde possa desabrochar e produzir. Até os níveis de produtividade não são essenciais, porque a semente será eficaz mesmo quando não produz a cem por um, mas apenas a trinta por um. Não se poderá concluir daí que a Palavra de Deus, semeada no coração das pessoas, é eficaz mesmo quando produz apenas o mínimo? Seja como for, neste caso, um pormenor é importante: a semente só produz quando cai em boa terra. Neste aspecto, faz todo o sentido examinarmo-nos para saber se tudo fazemos para que o nosso coração não seja um caminho árido, para retirar as pedras que há na nossa vida, para arrancar os espinhos e as preocupações que sufocam a Palavra de Deus.

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*A Palavra não volta ao Senhor sem produzir efeito.

 *A criação espera a revelação de Deus.  

 *O semeador saiu a semear a sua semente.

A SEMENTE 

QUE CAI 

NA TERRA 

É A PALAVRA 

DE DEUS.

  

Mateus reúne no capítulo 13 as parábolas que falam do Reino de Deus. Como é óbvio, as parábolas são comparações e, por isso, não devem ser interpretadas senão como comparações. O que interessa, pois, não são os pormenores em si, mas a mensagem essencial ou, como se costuma dizer, a lição.

  • A importância da Palavra 

    Pode parecer quase uma ofensa informar o leitor que o tema geral da liturgia da palavra de hoje é a própria «Palavra de Deus», tal é a evidência do asserto, dedutível das leituras em si. Por um lado, pelo que se refere ao «papel» de Deus, a palavra é eficaz: opera sempre e, nesse sentido, não há nada que a possa tornar infecunda, por assim dizer. Esta é, no fundo, a mensagem da 1ª leitura, uma das mais belas páginas da segunda parte do livro do profeta Isaías.

     Mas, por outro lado, também não deixa de ser verdade que, se há alguém que respeita «religiosamente» a liberdade do homem, é Deus. E, por isso, não deixa de ser uma realidade o facto de que a Palavra de Deus, em atenção à liberdade do homem, pode ser rejeitada. Isso aconteceu durante toda a história do Povo de Deus e continua a suceder na história dos homens de hoje e de todos os tempos. Mas também pode acontecer - e acontece realmente - que, quando alguém não ouve a sua Palavra, Deus se dirija a outros que a façam frutificar abundantemente. Ela continua a ser eficaz, embora em outros «terrenos».

  • A Palavra é experiência de vida

   O Deus apresentado e representado na Bíblia não é um Deus inventado pelos filósofos, que devemos acolher vencidos pelo peso da razão. Pois bem: também a Palavra de Deus não é um conjunto de teorias filosóficas.

   Já no Antigo Testamento, a Palavra de Deus é, antes de mais, um facto, uma experiência de vida. Deus fala directamente a homens escolhidos e, por intermédio deles, a todo o povo, mas fala também no interior do coração. Com a sua Palavra (que, de alguma forma, é a exteriorização de si mesmo, ou seja, como que a revelação da sua essência), Deus vai formando um povo especial. Quando chegar a altura apropriada, Ele vai revelar-se ainda mais claramente, pois a sua Palavra irá tornar-se presente de maneira visível: «O Verbo (a Palavra) far-se-á carne», como dirá o evangelista S. João no Prólogo do seu evangelho (cf. Jo 1,14).

   Ainda no Antigo Testamento, esta Palavra é como que personificada na figura da Sabedoria. É uma palavra que actua, que opera, que se move com poder. É como uma espécie de personagem que se mete na vida das pessoas e só volta para a sua origem após ter cumprido a sua missão junto dos homens...

  • A força agregadora da Palavra 

    Na história do Povo de Israel, e também na história da Igreja, as épocas de renovação levaram sempre a um reencontro, digamos assim, com a escuta e com o confronto com a Palavra de Deus. Ou, melhor, a escuta dessa Palavra é que provoca essa renovação. É o que acontece também hoje. Também hoje, como no tempo dos profetas e como no tempo de Jesus, é a Palavra que convoca e reúne a Igreja à volta do Pai. E é pelo aprofundamento dessa mesma Palavra que os cristãos tomam consciência de que formam a família de Deus.

    Essa Palavra é eficaz. Mas é evidente que a sua eficácia não é automática. Prova disso temo-la na parábola do semeador contada por Jesus. E, bem vistas as coisas, esta é uma ideia que está também implícita no pequeno trecho da primeira leitura. O terreno tem que estar preparado para que a semente da Palavra produza frutos abundantes em nós. De resto, é isso que está implícito na frase de Jesus: «Felizes os que escutam a minha Palavra e a põem em prática» (cf. Lc 11,28).

  • Indiferença em relação à Palavra 

    A atitude de recusa da Palavra de Deus por parte das pessoas no tempo de Jesus tem termo de comparação nos tempos de hoje na atitude de indiferença por parte do homem moderno. Às vezes, os pastores, os pregadores e os missionários têm a impressão de estar a falar uma língua, senão estrangeira, pelo menos estranha. Dever-se-á à indiferença de quem os escuta? Sem dúvida, mas não me parece que seja só isso. Não quer dizer que a culpa seja necessariamente de quem escuta. Também é preciso aprimorar a arte de semear, para que se aproveite ao máximo a semente.

    Os próprios cristãos terão, por vezes, a impressão que há um fosso intransponível entre aquilo que é a realidade de todos os dias e aquilo que lhes parece o «anacronismo» que lhes é anunciado nas assembleias eucarísticas. Ou seja, a Palavra de Deus como que lhes parece demasiado ligada a esquemas do passado, sem relação nenhuma com as exigências da vida presente.

    Tratar-se-á de desculpas para justificar um certo tipo de atitude de recusa perante a Palavra? Certamente é isso que se verifica em muitos casos, mas também temos que reconhecer que há um certo desfasamento entre a forma como a Palavra é anunciada e a vida quotidiana. É culpa da Palavra de Deus? Ou é só devido ao facto de o homem de hoje ainda não ter encontrado a correcta frequência de onda? Talvez encontremos na parábola do semeador alguma resposta a estas perguntas.

    De qualquer forma, no curso dos séculos, houve sempre falhas de sintonização e problemas de desfasamento. Sempre se insistiu (e isso é certamente uma coisa boa), mas quase exclusivamente (e isso é um mal) sobre o facto de que a Palavra é um «dado» que é preciso transmitir fielmente, como se faz com um depósito precioso. Não se insistiu, porém, bastante no facto de que a Palavra tem que ser «enterrada» lá bem na interioridade das pessoas para produzir alguma coisa, tem que ser semeada, que tem que ser assimilada e que (o que também é importante) nem sempre produz cem por um. Não se pode esquecer que, mesmo quando produz apenas trinta por um (ou mesmo menos do que isso), a Palavra de Deus já está a cumprir a sua missão; e que, talvez na próxima colheita, já seja possível obter sessenta por um; e que depois, em determinadas circunstâncias, chegue mesmo a produzir cem por um.

  • Mais que fonema, a Palavra é sinal

    É sabido que a linguagem humana não se confina ao código linguístico propriamente dito. Ou, por outra, a linguagem humana não é composta apenas de fonemas. Da linguagem humana fazem parte todos os outros sinais não linguísticos, também chamados paralinguísticos, que levam a uma melhor compreensão daquilo que são os conceitos ou ideias que se querem transmitir. Sem entrar em questões complicadas de ordem semântica (que não vêm ao caso), baste-nos considerar que é possível a transmissão de mensagens (ou de pelo menos parte delas), mesmo quando o receptor não seja possuidor do código linguístico do emissor. Mas esse não é o ideal.

   Pois bem, também estas noções são aplicáveis à Palavra de Deus, na medida em que a Palavra de Deus é mensagem de Deus, mas transmitida em linguagem humana. E, de há uns tempos a esta parte, tem-se compreendido melhor esta realidade. Tem-se descoberto, pouco a pouco, que o Deus da fé não se descobre apenas através da Palavra, mas também através de todos os sinais da natureza e dos eventos da história. Dizem os teólogos que a revelação de Deus é uma revelação histórica. E têm razão, porque nós não temos outra hipótese de ouvir essa Palavra a não ser inseridos na história. A vida vivida do povo de Deus é também terreno fértil para a manifestação de Deus.

  • A Palavra passada à vida

    Na práxis pastoral e na catequese, a experiência vivencial do homem vem sendo tomada cada vez mais como o terreno privilegiado em que a Palavra de Deus manifesta toda a sua riqueza e poder. E, como sempre, é também a Palavra de Deus que se adapta ao homem, na medida em que o homem é incapaz de lhe captar o sentido profundo duma vez só.

    Por outras palavras, a «encarnação» da Palavra de Deus na vida do homem não é apenas um processo divino; é também um processo também humano e, por isso, leva o seu tempo; como, de resto, qualquer outro tipo de aprendizagem ou «encarnação». Um dos efeitos da Palavra é provocar uma mudança de mentalidade, uma mudança de perspectiva, uma mudança da forma de ver o mundo. Mas seria irrealístico esperar que isso acontecesse dum momento para o outro, no espaço de um minuto, como que por encanto.

    A mensagem de Cristo deve iluminar a existência, mas vai seguir os «trâmites» ou processos naturais. Quer dizer, vai acontecer segundo a maneira de crescer do homem e de cada homem em concreto. É a mensagem de Deus que vai conferir à existência o seu significado, mas isso vai ser um processo gradual. De resto, só assim essa Palavra ressoa profundamente no interior da experiência do homem; não por culpa ou incapacidade da Palavra em si, mas por incapacidade do receptor que é o homem.