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Naquela sombria e inesquecível sexta-feira, o drama acontecera. Para alguns (os fariseus, os chefes do povo e os sacerdotes do templo de Jerusalém) tinha sido como um canto de triunfo. Para outros (os amigos e discípulos de Jesus) aquele dia tinha tido o gosto amargo da derrota e da tragédia. Tinha sido o dia da vitória para quem se queria ver livre para sempre daquele nazareno que os incomodava. Para os amigos mais íntimos do supliciado numa cruz infame parecia o fim de todos os sonhos e de todas as expectativas...
Enquanto os discípulos de Jesus viam os seus planos e sonhos desfeitos como castelos de areia, os seus inimigos gargalhavam vitória; saboreavam a satisfação de se verem livres do que tinha sido um pesadelo. Uns tinham sonhado tantos projectos e a esperança estava agora desfeita, depois de três dias de silêncio e de tristeza. Outros festejavam, finalmente, a queda daquele líder importuno que subvertia a Lei e amotinava o povo simples e ingénuo. Esse pregador, que não lhes poupava críticas, mordera, finalmente, o pó da aniquilação total.
Tudo parecia definitivamente ultrapassado. O triunfo pertencia agora aos inimigos do pregador de Nazaré. Por seu lado, os discípulos dele regressavam para casa desiludidos. Voltavam para as suas tarefas ordinárias completamente desolados. E, no fundo, sentiam que tinham sido vergonhosamente derrotados. Sentiam-se completamente desfeitos. Choravam desconsolados a sorte ignominiosa do Mestre. E choravam também a covardia que eles próprios tinham demonstrado ao fugirem perante as ameaças duma multidão tresloucada e enraivecida.
A esperança tinha abandonado os amigos de Jesus. Afinal, tinham-se enganado. Paciência. Aqueles três anos passados com ele tinham sido uma coisa bonita, mas, afinal, agora não passavam dum sonho triste. O sepulcro que recolhera o corpo sem vida do seu amigo estava ali a representar o fim das suas ilusões e das suas aspirações de glória... Realmente, tudo parecia ter terminado em definitivo. Mas, a história ainda não tinha terminado. Esta história, afinal, está mal contada. Não, o grande drama ainda não tinha chegado ao fim. É certo que o Nazareno tinha sido levantado no Gólgota entre o céu e a terra por mãos ímpias. Quanto a isso não havia dúvidas. É certo também que, para se certificarem de que ele estava mesmo morto, lhe tinham atravessado o coração com uma lança. Eram sentimentos confusos e desoladores...
Mesmo, certificando-se de que estava bem morto, os adversários de Jesus ainda não tinham ficado satisfeitos. Por isso, à cautela, tinham mandado guardar o sepulcro. Não estariam ainda bem seguros de que o tinham eliminado duma vez para sempre? Que receio poderia provocar um homem morto? E, ainda por cima, morto daquela maneira?
Mas a verdade é que aquela tragédia suprema de sexta-feira era apenas um desfecho aparente. Aquelas cautelas todas eram um mistério. O mistério da redenção ainda não chegara ao fim. Aquele era apenas o momento que precedia a explosão da Páscoa. Uma explosão que, no domingo, sacudiu uns poucos. Uma explosão que, por incrível que pareça, perdura pelos séculos. Apesar dos guardas postados ali ao pé do sepulcro, ele tinha saído do sepulcro. Já não estava lá. Tinha ressuscitado. Tinha retomado a vida; para nunca mais a perder.
Aquele que bebera até à última gota o cálice do sofrimento e do abandono não estava na sepultura. E ninguém o tinha tirado de lá. Não estava morto. Estava vivo. Onde os homens tinham colocado o capítulo final da sua carreira, ele iniciou o novo capítulo da história da Humanidade. Foi a partir desse momento que a história começou realmente a ter um novo sentido. Foi a partir desse momento que os discípulos e amigos do Ressuscitado compreenderam, finalmente, que ele não era apenas um homem «que tinha passado a vida a fazer o bem».
Foi a partir desse momento que eles compreenderam que Jesus era muito mais que isso. Foi a partir desse momento que eles compreenderam que o Mestre era também o Filho de Deus. Ele tinha vencido a morte e o pecado. E agora começava a atrair a si homens de todas as nações e de todos os tempos.
A ressurreição não aconteceu só num passado longínquo. Ela continua a dar-se. Acontece hoje, como outrora. Aconteceu há cerca de dois mil anos duma maneira física, digamos assim, mas aconteceu também no coração discípulos. A vida não só não morreu nos seus corações, como rebentou com mais força e pujança. Continua a acontecer também hoje no íntimo do coração de todos os que acreditam nele. Dois discípulos de Emaús pela estrada, uma multidão de discípulos através dos séculos, você talvez, eu... É! Jesus continua a caminhar connosco e a explicar-nos o sentido das Escrituras...
Jesus ressuscitado continua a vir ao nosso encontro através do seu Espírito. Se calhar sem nós nos darmos conta disso; se calhar através dos acontecimentos mais banais; se calhar através dos sinais dos tempos; se calhar através das outras pessoas, sejam elas quais forem; se calhar através dos próprios projectos e planos humanos. O que temos a fazer é reconhecê-lo nesses momentos da nossa vida. E, para isso, por vezes, basta apenas repartir com ele o pão da esperança e da vida...
O Domingo de Páscoa não é apenas aquilo que aconteceu há cerca de dois mil anos. É também o que acontece hoje e agora, quando, embora atormentados por limitações, dúvidas atrozes e desilusões deprimentes, continuamos a sonhar com o Absoluto. Acontece Páscoa quando, de repente, o sonho deixa de ser simplesmente sonho e Alguém nos faz ver que a vida, afinal, tem um sentido.
Todos sonhamos com um futuro melhor. Todos sonhamos com uma vida melhor. E isso é bom e legítimo. Mas aquele que, embora sem ter visto, acredita que a Vida existe para além desta vida, não só sonha com uma vida melhor, mas acredita nela confiando na palavra de Deus. Não alimenta só sonhos de transformação, mas acredita que Jesus, ao vencer a morte e o pecado, lhe abriu o caminho da vida. O cristão crê realmente que Jesus voltou para o Pai para lhe preparar um lugar.
A morte não é o fim do drama. A vida não termina com a morte. Cristo espera-nos triunfante. É este raio de luz que a fé cristã projecta sobre a nossa peregrinação terrena. E é por isso que continuamos a propor o paradoxo da força dum Homem crucificado que triunfou, para que «todo aquele que acredita nele tenha a vida eterna» (cf. Jo 3,15).