DEUS TAMBÉM MORRE...

 

 

Depois de lida a sentença de morte, levam Jesus para uma pequena colina fora dos muros da cidade para aí o crucificarem. O lugar era conhecido por «lugar da caveira», que em hebraico se dizia «Gólgota». Era aí que pregavam e executavam os condenados à morte. Quando havia essas execuções, juntava-se logo uma grande multidão de pessoas. E, nessa altura, que era a Páscoa, mais gente se juntou ainda... Enquanto o conduzem para o calvário, lançam mão dum certo Simão, que era natural duma terra chamada Cirene e que voltava do campo. Obrigam-no a levar a cruz atrás de Jesus. Entre a multidão, há algumas mulheres que choram por ele. Com ele, vão também dois malfeitores que vão ter a mesma sorte que ele.

 

Para além de Jesus, os outros condenados deviam ser três. Mas um deles, de nome Barrabás, que era chefe dum bando de revolucionários políticos, tinha sido poupado por Pilatos. Efectivamente, por ocasião da Páscoa, era costume o governador ter este gesto de benevolência para com alguém que tivesse sido condenado à morte. Pilatos, que queria livrar a Jesus, tinha posto o problema ao povo nestes termos: «Quereis que vos solte Jesus ou Barrabás», esperando que o povo dissesse Jesus, pois Barrabás era odiado pelo povo. Mas enganou-se redondamente, porque o povo já tinha sido instigado a escolher Barrabás.

 

Chegados à colina fora dos muros da cidade, crucificam Jesus e os dois malfeitores. Mas algo de misterioso acontece. Nessa tarde, apesar do bom tempo, escurece de repente e desaba um temporal medonho sobre a cidade. As pessoas dispersam depressa. Os que assistem, sobretudo os conhecidos, amigos e parentes de Jesus ficam impressionados com a maneira como Jesus sofre a agonia.

 

Mesmo antes de Jesus morrer, Pilatos manda colocar um letreiro em cima da cruz. O letreiro diz: «Jesus de Nazaré, rei dos judeus». Mas os presentes lêem o letreiro e não gostam. Vão então contar tudo aos chefes do povo que, por sua vez, vão protestar perante Pilatos. Mas, desta vez, Pilatos não cede: «O que escrevi está escrito!».

 

Por volta das três da tarde, Jesus grita em alta voz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?». É a citação dum salmo da Bíblia. Então um dos presentes, ao ouvir gritar assim, vai a correr e embebe uma esponja em vinagre. Coloca-a numa cana e dá-lha a beber. Logo depois, soltando um grande brado, Jesus expira. E, no mesmo instante, o véu do templo rasga-se em duas partes, de alto a baixo. Ao ver isto, o centurião romano, que se encontra em frente de Jesus, exclama: «Realmente este era o Filho de Deus!».

 

Amigo ouvinte, para quem acredita... que Deus seja perfeito, não é nenhum segredo... que Deus seja imenso, não é nenhum segredo... que Deus esteja perto de nós, não é nenhum segredo. Então onde está o segredo? O segredo está nisto: Deus é um Deus crucificado. Deus é um Deus que se deixa vencer. Deus é um Deus que revela em quem é pobre e fraco. Deus é um Deus que nos lava os pés. Deus é o Jesus de Nazaré que se deixa crucificar. E a este Deus nós não estamos habituados...

 

Na nossa infância (e não só na infância), andamos à procura dum Deus poderoso, dum Deus que nos resolva os problemas, dum Deus que elimine o mal e os maus do mundo, dum Deus que vença os inimigos. E o que é que encontramos? Um Deus que se faz menino, um Deus que é operário, um Deus que gana o pão de cada dia com o suor do seu rosto, um Deus que não se alia aos poderosos para dominar os povos, um Deus que, quando chega a prova, não foge e nem sequer se deixa ajudar pelos seus anjos. Aceita um processo injusto, aceita a condenação, carrega com a cruz aos ombros, deixa-se cravar numa cruz, morre. Realmente, um Deus muito estranho...

 

Ninguém gosta de acreditar num Deus assim. Ninguém é capaz por si só de acreditar num Deus assim. Nem sequer os que viveram com Jesus durante a sua vida pública. Se calhar, até eles pensam no seu íntimo: «Enganou-nos a todos. Era um impostor. Era boa pessoa, mas era um impostor. Porque é impossível que o Messias morra! É impossível que o Filho de Deus morra!»...

 

Tinha que chegar primeiro a novidade do Espírito. Primeiro tinha que ser revelado o segredo escondido desde sempre. Ninguém estava habituado a pensar que o Messias tinha que acabar daquela maneira! Isso não cabia na cabeça de ninguém. Não, não cabe na cabeça de ninguém que Deus possa morrer cravado numa cruz. Nem os raciocínios de todos os teólogos juntos são capazes de nos convencer disso. Era necessária a revelação. Para isso, era necessário que viesse o Espírito. Mas, mesmo assim, não é nada fácil.

 

A nossa maneira de pensar hoje é ainda como a dos judeus do tempo de Jesus. Todos nós, mesmo os que dizemos que não acreditamos, imaginamos Deus à nossa maneira. Mas ele não é um Deus à nossa maneira. Por mais ilógico que pareça, ele é um Deus crucificado. É um Deus que, para demonstrar o seu amor e para salvar a sua criatura, paga com o sangue.

 

Quem imagina um Deus terrível e castigador, um Deus que condena por coisas de nada, apague esse desenho e ponha-se de joelhos a pedir-lhe perdão por lhe atribuir algo que não é dele, mas algo que é dos homens, ou seja, a vingança. Se ele disse: «amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam», como é que se pode imaginar que para connosco ele use outros critérios? A verdade é esta: para ele, as pessoas são tão importantes que Deus não duvidou sequer derramar o seu sangue por elas...

 

A um Deus assim não estávamos habituados. Não estávamos habituados, nem estamos. Não estamos habituados a um Deus que se faz homem para que nós o possamos ver e lhe possamos tocar. Ele quis assumir todas as fraquezas humanas para que nós não tivéssemos medo de estar ao pé dele. Porque ele sabe que, sozinhos, não somos capazes de nada.

 

Se Jesus tivesse triunfado sem morrer como morreu, talvez tivesse contribuído definitivamente para que os romanos fossem expulsos. Talvez tivesse semeado a morte à sua passagem. Talvez! Mas um reino fundado num monte de cadáveres pode alguma vez ser um Reino de Deus? Porventura Deus é alguém que quer a morte dos seus inimigos, como nós julgamos muitas vezes? Se ele quisesse a morte dos seus inimigos, quem nos diz que não seríamos nós os primeiros a morrer? Ele cumpriu até às últimas consequências o que disse: «Amai os vossos inimigos». Foi isso precisamente que ele fez em relação a nós...