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Por ter sido impossível arranjar lugar onde passar a noite, Jesus e os seus amigos tiveram que ir dormir fora da cidade. Mas a festa da Páscoa levava-os a entrar novamente. Entretanto, fazia também parte da festa a chamada «ceia pascal». Por isso, Jesus disse a Simão Pedro: «Ouve! Vê se arranjas pão para hoje. À noite, vamos fazer uma ceia especial e eu não quero que falte o pão; já agora, nem o vinho». E, por isso, disse logo a seguir a João: «Vê lá se te encarregas de arranjar vinho. Eu quero festejar e sem vinho não podemos fazer a festa!»...
Os discípulos não perceberam bem o alcance destas palavras, mas, em todo o caso, não havia nada de estranho no elenco das coisas necessárias para os preparativos. O auge da festa estava apenas à distância de dois dias. Era a grande festa dos judeus, em que se comemorava, com solenidade, a saída do Egipto após cerca de 400 anos de cativeiro e escravatura. Já tinham passado uns 1250 anos desde esses acontecimentos, mas os judeus nunca se esqueciam de celebrar essa festa. E essa festa chamava-se Páscoa, que significa passagem, porque lembrava a travessia que os judeus tinham feito pelo Mar Vermelho para fugir dos egípcios que os perseguiam.
Jesus, nesse ano, quis celebrar a festa da Páscoa bem no centro da cidade de Jerusalém. Quer dizer, era um pouco arriscado, porque estava a ser seguido pelos que o queriam eliminar, mas tinha que correr esse risco. É verdade que, no Templo, ou então onde houvesse muita gente, não era fácil aos guardas romanos deitar-lhe a mão, porque as pessoas podiam reagir mal, pois Jesus tinha sido recebido triunfalmente em Jerusalém. Mas, em particular, já era mais fácil apanhá-lo. Por isso, todo o cuidado era pouco...
Então, com todas as cautelas, Jesus procurou preparar bem todas as coisas para o jantar dessa noite. Foi por isso que Ele mandou fazer tudo em segredo. E, por isso, depois de ter enviado Simão Pedro e João a comprar pão e vinho, disse assim a outros dois ou três dos seus discípulos: «Ide até à cidade. Aí haveis de encontrar um homem com um cântaro de água na mão. Vai estar ali parado ao lado esquerdo da Rua Direita. Quando ele vos vir, entra logo numa casa, sem sequer vos dirigir a palavra. Pois bem! Segui esse homem. Entrai na mesma casa onde ele entrar e perguntai apenas o seguinte: “Onde está a sala para podermos festejar a Páscoa?”. Então ele ficará logo a saber quem vós sois e mostrar-vos-á a tal sala».
Os amigos de Jesus seguiram as indicações que lhes tinham sido dadas e foram à cidade. Acharam o homem, seguiram-no e entraram na casa para onde ele tinha ido. E ele mostrou-lhes uma grande sala no primeiro andar. Arrumaram a sala e enfeitaram tudo a preceito para a festa. Voltaram depois para onde estavam os outros. E todos esperaram até à noite. E só nessa altura é que eles se reuniram para não serem notados por ninguém.
Durante a ceia, lembraram, como era costume, todos os acontecimentos do passado. E, no fim da ceia, quando já eram altas horas da noite, algo de especial se passou naquela sala. Jesus disse coisas e fez gestos que deixaram os discípulos perplexos. Muitas coisas terão sido ditas nessa altura. Mas nós vamos limitar-nos a citar apenas algumas frases: «A situação está difícil!» – disse-lhes Jesus – «Quem sabe se não acontecerá ainda algo de terrível em Jerusalém! Eu vou partir. Mas, para onde eu vou, vós ainda não podeis ir. Mas não vos preocupeis, porque ainda não é o fim. Vós acreditais em Deus, não é verdade? Pois então, acreditai também em mim. Eu vou à frente preparar-vos um lugar. Quando eu tiver ido e tiver preparado um lugar, então voltarei de novo e levar-vos-ei comigo. Assim, onde eu estiver, estareis vós também para sempre. Mas, enquanto isto não acontece, eu dou-vos um mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amei. Será por esse sinal que todos chegarão à conclusão que sois meus discípulos...».
Os discípulos olhavam uns para os outros. Jesus continuou: «Não tenhais medo! Não vos vou deixar órfãos. O Espírito que vos vou enviar ensinar-vos-á tudo o que é preciso e ajudar-vos-á a recordar tudo o que eu vos tenho dito durante estes anos. Claro que nem tudo vão ser rosas. Mas ficai a saber uma coisa: se o mundo vos odeia, deveis saber que isso é uma coisa natural, porque primeiro me odiou a mim. De resto, não podeis ter a pretensão de ser tratados melhor do que eu. Se me perseguiram a mim, também vos hão-de perseguir a vós. Todavia, por mais estranho que pareça, a verdade é que muitos ouviram a minha palavra e a puseram em prática. Pois bem, também muitos hão-de ouvir-vos a vós e pôr em prática as palavras que vós direis em meu nome»...
Os discípulos continuavam a não perceber nada. Mas Jesus insistiu: «Estou a dizer-vos todas estas coisas para que, quando chegarem as dificuldades, vos lembreis do que vos falei delas. Assim, não perdereis a coragem. Nem é caso para isso, porque deveis saber que Deus é mais forte do que tudo. O Espírito de Deus proteger-vos-á. E vós, com a sua ajuda, sabereis o que fazer quando chegar a altura...».
Depois de ter feito aos seus discípulos estas recomendações todas (e muitas mais que temos que omitir por falta de tempo), Jesus disse-lhes: «Há muito tempo que eu queria fazer esta refeição convosco. Tinha que o fazer antes de padecer. Será a minha última ceia convosco aqui na terra. Mas havemos de nos encontrar depois, quando se cumprir tudo o que acabei de vos dizer». E, logo a seguir, tomou o pão, deu graças a Deus, como se costumava fazer na Páscoa, partiu-o e distribuiu-o pelos discípulos e disse: «Tomai e comei todos. Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós». E os discípulos tomaram e comeram. Depois, tomou a taça de vinho e deu dela a todos dizendo: «Tomai e bebei. Este vinho é a nova aliança do meu sangue, que por vós vai ser derramado». E depois acrescentou: «Fazei isto em memória de mim». Os discípulos beberam.
Não sabemos se Jesus lhes terá explicado esse gesto inaudito. Mas é provável que sim, para os discípulos o repetirem não muito tempos depois da sua ressurreição. Seja como for, depois disso e depois de cantarem os salmos estabelecidos para essa ocasião, saíram de casa e foram, como era seu costume, para o Monte das Oliveiras... Quando chegaram ao local, Jesus disse-lhes: «Orai para não sucumbirdes à tentação!». Depois, afastou-se e pôs-se em oração: «Pai, se for possível, afasta de mim este cálice de tormentos. Mas, ó Pai, o que é que eu estou a dizer... faça-se a tua vontade, e não a minha». E a perspectiva do sofrimento era tão intensa que o suor se lhe tornou como grossas gotas de sangue...
Depois de ter orado, levantou-se e foi ter com os discípulos que encontrou a dormir. Então disse-lhes: «Então não fostes capazes de me fazer companhia? Pois bem! Chegou a hora. Eu vou ser entregue aos chefes do povo e aos pecadores. Levantai-vos. Vamos! Já está a chegar quem me vai entregar!».