1. FILHO PREDILECTO

 

Ao contrário do seu pai e do seu avô, Jacob teve muitos filhos. Ao todo doze. A maior parte eram da sua primeira esposa, que se chamava Lia. Os outros eram filhos de Raquel, que era a que ele amava de verdade e com a qual ele não tinha podido casar logo, por ser esse o costume. Ou seja, a irmã mais velha tinha que casar primeiro. Raquel só deu dois filhos a Jacob. E, como era Raquel aquela que ele amava realmente, era natural que amasse também mais os filhos que ela lhe deu. Mais concretamente, José e Benjamim...

 

É certo que Jacob amava todos os seus filhos, mas amava de maneira especial José e Benjamim. José parecia-se muito com a mãe Raquel. Era um carácter forte. Fazia planos mirabolantes. Tinha os olhos azuis como os da mãe e olhava para as coisas com um olhar de sonhador. José era o menino bonito do pai, que passeava com ele e lhe contava todas as aventuras que lhe tinham acontecido na vida. Como é natural, satisfazia-lhe também todos os caprichos e dava-lhe todos os mimos. E ele contava ao pai tudo o que os outros faziam. Ora, ao verem que o pai o amava mais do que a eles, os outros ganharam-lhe ódio e inveja. E chegou uma altura em que quase não o podiam ver.

 

Um dia, José viu uma túnica bonita lá numa loja e pediu-a ao pai. Jacob, como de costume, não resistiu e comprou-lha. Os irmãos, claro, encheram-se ainda mais de raiva. E até achavam ridícula uma túnica daquelas num garoto assim. Ainda se fosse num deles, que já eram crescidos! Mas José é que não era dessa opinião. Estava contentíssimo com o seu casaco vistoso. Tão contente que uma noite até sonhou com ele. E não só. Ele sonhava muito e recordava-se quase sempre de todos os sonhos...

 

Um dia, logo ao acordar, José veio a correr para contar o sonho que tinha tido nessa noite. «Ah, que história mais linda! Sonhei que eu era um feixe de trigo e vós também. Mas vós estáveis todos ao redor de mim. O meu feixe tinha as espigas mais lindas e vós inclináveis-vos diante de mim. E depois passámos a uma outra terra e eu transformei-me numa estrela e vós também. E o sol, e as outras estrelas prostraram-se diante de mim». «Ele não deve estar bom da cabeça!», refilou logo o mais velho, que se chamava Rúben. E um outro, o Levi, resmungou também: «Deixa lá, fica descansado, seu presunçoso, que qualquer dia nós é que te damos os sonhos»!

 

Um dia, os irmãos foram pastorear os rebanhos. Mandado pelo pai Jacob, José foi ter com eles à hora da sesta. «Olhem, olhem, lá vem o sonhador! E vejam o descarado! Tinha mesmo que vir com a túnica para este sítio. Presumido! Ah, mas hoje vai mesmo pagá-las! Vai aprender uma lição que nunca mais se esquece para o resto da sua vida! Olhem para o atrevido»! «Está bem, merece uma lição, mas vejam lá o que fazem; não façam mal ao rapaz!», atalhou o irmão mais velho. «Eu, como mais velho, tenho a responsabilidade e não aceito que lhe aconteça nada de grave»...

 

«Olá!» – saudou José – «trago-vos aqui de comer e de beber»! Os irmãos, que até estavam com fome e com sede, em vez de aceitarem o que José trazia, rejeitaram a sua oferta e até o trataram mal, chamando-lhe mimado e vaidoso. E as coisas aqueceram de tal maneira que lhe arrancaram a túnica do corpo. Isso foi motivo de discussão e as coisas puseram-se feias. José não aceitou ser tratado dessa maneira e reagiu. Os irmãos então não aguentaram mais. Já estavam cheios até ao pescoço e deixaram-se vencer pela irracionalidade. Foram-se a ele e deixaram-no em estado lamentável...

 

Como o poço que ali havia não tinha água, um dos irmãos de José lembrou-se de o deitar lá para dentro. Era uma brincadeira estúpida, mas era ele que as estava a pedir! Assim aprendia a lição duma vez para sempre. Nem que morresse ali à fome e ao frio, não o haviam de tirar de lá. José lá dentro gritava e ameaçava os irmãos de que ia contar tudo ao pai. Aí a ira dos irmãos chegou ao ponto mais alto, porque não podiam permitir de maneira nenhuma que o diabo do garoto fosse contar tudo ao pai. «O melhor, é desfazermo-nos mesmo dele!», sugeriu um dos irmãos. «Alto aí!» – gritou Rúben. Ele não podia aceitar essa solução e então procurou maneira de o safar da fúria e do ódio dos irmãos...

 

Entretanto, depois de vincar bem as suas ideias, Rúben foi dar uma volta. Ora, aconteceu que nesse momento passaram por ali uns comerciantes montados nos seus camelos. Iam a caminho do Egipto. Sabiam que por ali havia um poço e tinham vindo matar a sede; a deles e a dos animais. Mas água nem vê-la! O que encontraram no poço foi um garoto aos berros. Foi nesse altura que um dos irmãos de José, Judas, disse aos comerciantes: «Olhe, quanto a esse, podem ficar com ele. Bastam-nos bem sete moedas de prata!». E assim venderam José aos comerciantes que o levaram para o Egipto.

 

Rúben tinha ido dar uma vista de olhos às cabras. E agora voltava decidido a tirar o irmão dali, porque já chegava de brincadeiras. Mas o poço já estava vazio. Os irmãos não tiveram outro remédio senão contar-lhe o que tinha acontecido. «E agora como é que vou explicar tudo isto ao pai»? «Não precisas de lhe contar nada!» – atalhou Judá. «Olha, ainda aqui temos a maldita túnica de José. Vamos fazer o seguinte: rasgamo-la aos pedaços e tingimo-la de sangue. Depois, levamo-la assim para casa e dizemos ao pai simplesmente: “Encontrámos isto à beira do caminho. Se calhar, qualquer animal selvagem deu cabo de José!”». E, se bem o pensaram, melhor o fizeram.

 

O pai, Jacob, como é natural, ficou desesperado: «Mas porque é que Deus permitiu que me acontecesse uma coisa destas!? O filho que a minha Raquel me tinha dado! Meu filho, meu filho! Porque não morri eu em seu lugar»? E Jacob pôs luto prolongado. Os filhos, os parentes e até os vizinhos bem procuravam consolá-lo, mas eram tentativas inúteis. Ia viver com essa mágoa para o resto da vida.

 

Entretanto, os comerciantes, que eram ismaelitas, ou seja, descendentes de Ismael, tendo partido duma região chamada Madian, iam a caminho do Egipto. Ao chegarem lá, uma das primeiras coisas que procuraram fazer foi livrar-se de José. A eles não lhes servia para nada, até porque ainda não tinha idade para trabalhar naquele tipo de negócio. Quer dizer, ainda não estava pronto para trabalhar no duro.

 

Venderam-no então a um senhor lá no Egipto, que por acaso era um dos funcionários do rei daquele país. E, assim, Jacob perdeu o seu filho José, o filho que a sua querida Raquel lhe tinha dado quando já não tinha esperança nenhuma de vir a ter um filho dela. Jacob tinha perdido o seu filho por uma brincadeira de mau gosto e por maldade dos seus outros filhos.