1. DO CALABOIÇO AO PALÁCIO

 

José foi levado como escravo para o Egipto. Aí foi vendido a um senhor chamado Putifar, que era oficial do rei do Egipto. Em casa do seu amo, José começou por ser ajudante de cozinha. Mas fazia as coisas tão bem que depressa foi nomeado chefe da criadagem. Com o tempo, o patrão foi-o encarregando de outras coisas e, por fim, quando tinha que sair, o dono passou a confiar-lhe praticamente tudo. O patrão andava quase sempre dum lado para o outro em contínuas viagens.

Acontece que, além das suas qualidades intelectuais e morais, José era também giro. Isso não passou despercebido à mulher do patrão. Então, um dia, quando o patrão foi para mais uma viagem, a mulher chamou José e convidou-o a tomar uma bebida. José adivinhou imediatamente o que ela queria e respondeu-lhe: «A senhora sabe muito bem que o patrão não me pede contas de nada. Mas isso é uma coisa muito séria. E, além disso, o meu Deus não mo permite. De maneira nenhuma»! Por ser a primeira vez, a coisa ainda passou, mas, em outras ocasiões, a senhora voltou a insistir.

 

E, de facto, uma vez, quando não estava ninguém em casa, ela tentou novamente. Desta vez, estava mesmo decidida a levar a sua avante. E não se ficou só em palavras. Puxou José para o pé de si. Este então largou a capa e escapou a correr dali para fora. Ela bem lhe dizia que ela é que era a patroa e, portanto, tinha que obedecer em tudo. Mas José tinha outros princípios. Vendo que nada tinha conseguido, a patroa chamou a criadagem e disse-lhes mentindo: «Ora vejam o desavergonhado! Então vem para aqui um hebreu, o meu marido dá-lhe toda a confiança e agora quis abusar desta confiança, abusando de mim!»...

 

Quando chegou o patrão, ela contou-lhe a mesma história. E soube pintar o quadro de tal maneira que começou a soluçar desalmadamente. De maneira que Putifar lhe perguntou: «Mas, que é que foi, mulher»? E ela chorou ainda com mais convulsão para impressionar o marido: «Foi este malcriado do hebreu, esse tal José, a quem confiaste tudo. Sim, esse, a quem tu nomeaste mordomo da casa, esse cara-sem-vergonha... é um atrevido de primeira. Vê lá tu que tentou abusar de mim na tua ausência! Que vergonha que sinto, meu Deus! Olha para isto: até tirou a capa na minha frente! Agarrou-me e quis-me atacar violentamente. Ah, mas este sem-vergonha tem que as pagar! Tens que o expulsar de casa o mais depressa possível»! «Claro, claro!», respondeu Putifar, se calhar pouco convencido...

 

Afinal de contas, José não passava dum escravo. E o patrão mandou prendê-lo. Foi encerrado imediatamente numa prisão, onde havia outros prisioneiros do rei. Sendo escravo, José dificilmente teria escapado à morte, se realmente o seu patrão estivesse convencido dum crime desses. Ao chamar os guardas da prisão, teve, pois, o cuidado de os informar que ele estava na prisão por ter roubado. Não fez referência nenhuma àquilo de que a mulher o acusava. Putifar conhecia bem a mulher e sabia que José não era homem para fazer uma coisa dessas. Sabia que era inocente. Por isso, optou por dizer apenas que José estava ali por ter roubado...

 

Na prisão, os outros presos descobriram logo que ele era um homem diferente. Mas, não havia remédio. Apesar de tudo, não passava realmente de um escravo e, por isso, teve que ficar lá na prisão. E aí ficou durante algum tempo. Entretanto, e como era normal, alguns dias depois, vieram parar à cadeia outras pessoas; e também o copeiro-mor e o padeiro mor do faraó. Alguma teriam feito! Mas a verdade é que também não era preciso muito para as pessoas irem parar à cadeia. Bastava que, por exemplo, no caso deles, deixassem queimar a comida ou que o pão não estivesse bem cozido.

 

Ora bem, passados alguns meses, os novos prisioneiros tiveram um sonho esquisito. E ficaram extremamente preocupados, porque ninguém sabia interpretar o sonho. «Contem-me lá o sonho!» – disse-lhes José. Então o copeiro contou o sonho seguinte: «No meu sonho, vi uma videira diante de mim. Tinha três ramos. Deu uvas logo depois de florir. Eu tinha na mão a taça do rei, colhi as uvas, esmaguei-as numa taça e apresentei a taça ao rei... que é que isto significa?». José respondeu-lhe: «É muito simples: as três vides ou ramos são três dias. Daqui a três dias, o faraó dá-te a liberdade e irás ocupar novamente o teu lugar... Olha, a propósito, quando lá estiveres, não te esqueças de mim»!

 

Vendo que José tinha dado uma interpretação favorável ao copeiro, o padeiro encheu-se de coragem e contou-lhe também o seu sonho: «Eu sonhei que tinha três cestos de pães. No cesto havia também alguns manjares destinados ao rei. Mas vieram umas aves que comeram tudo o que estava no cesto»! José respondeu: «Olha, a explicação do teu sonho já é diferente: os três cestos também são três dias. Mas, daqui a três dias, o faraó vai mandar cortar-te a cabeça, suspendendo-a depois duma árvore e então virão as aves comer a tua carne»! E assim aconteceu de facto. Três dias depois, o padeiro foi decapitado. Por seu lado, o copeiro foi reintegrado ao serviço do rei.

 

Mas o copeiro bem depressa se esqueceu de José... Entretanto, alguns meses depois, também o rei teve um sonho. Só que nenhum mago, adivinho ou sábio do reino sabia explicar. O sonho era assim: «Sonhei que estava de pé junto da margem do rio Nilo. E vi que do rio saíram sete belas vacas que se puseram a pastar. De repente, saíram do rio outras sete, mas estas enfezadas e magras. Estas pararam em frente das vacas gordas e devoraram-nas... Depois, tive mais um sonho: vi sete espigas gradas e belas e depois vi outras sete espigas ruins e ressequidas que engoliram as sete espigas gradas e belas... O sonho era fundamentalmente isto, mas ninguém o sabia interpretar...

 

Foi então que o copeiro se lembrou de José, que tinha conhecido na prisão. E então falou dele ao rei. O faraó mandou tirar imediatamente José da prisão e chamou-o ao palácio: «Ouvi dizer que tu sabes interpretar os sonhos!». José compreendeu logo o sonho do rei e disse-lhe: «Meu rei, os dois sonhos que teve são uma e a mesma coisa. Vossa Majestade anda preocupado com o seu povo. Agora, o povo vive em paz e abundância. E vai continuar a ser assim durante sete anos. Mas virão depois sete anos de seca e de fome. É o que significam as sete vacas gordas e as sete espigas gradas e as sete vacas magras e as sete espigas ressequidas... Vossa Majestade poderá prevenir-se contra a seca e a fome mandando construir enormes celeiro para guardar o que sobrar dos anos de fartura...

 

O rei achou razoável a interpretação dada por José e pensou que, se ele tinha sido o único a saber interpretar o sonho, também teria inteligência suficiente para dirigir todos os trabalhos de guardar os bens que sobrassem dos anos de abundância. E, se bem o pensou, melhor o fez. Por isso, disse-lhe: «Vais ser o homem mais importante do reino, depois de mim... Visto que Deus te revelou tudo isto, então tu mesmo serás o chefe da minha casa. Todo o povo será governado por ti. Eis que te ponho à frente de todo o país».

 

E, como prova do que estava a dizer, tirou o seu anel e pô-lo no dedo de José. Depois, mandou que lhe vestissem roupas a condizer e que lhe pusessem ao pescoço um colar de oiro... E assim, começou uma nova etapa na vida de José.