1. IRMÃOS GÉMEOS

 

Rebeca era uma santa mulher. Mas, como a sua falecida sogra Sara, que não chegara a conhecer, também ela era estéril. O marido Isaac pedia constantemente a Deus que a protegesse e sobretudo a graça de terem um filho para perpetuarem o nome. Na antiguidade, e sobretudo no Oriente, não ter filhos era uma autêntica maldição. Isaac vivia feliz com a sua mulher, mas não ter descendência trazia-o triste.

 

No entanto, o Senhor ouviu as suas preces. Com efeito, depois de vários anos de casamento, Rebeca concebeu e deu-lhe, não um mas dois filhos: Esaú e Jacob. Esaú era mais velho só pelo facto de ter nascido primeiro. Esaú significa à letra «ruivo» e Jacob significa «suplantar». E, de facto, a história confirmará que Jacob acabou por suplantar o seu irmão em tudo...

 

Esaú e Jacob não conheceram o avô Abraão e muito menos a avó Sara. Mas o pai Isaac passava horas e horas a contar-lhes factos da vida dos avós. Esaú gostava destas histórias. Jacob é que parece que não ligava muito a isso. E lá tinha as suas razões, porque, segundo o costume, era ao irmão mais velho que iria tocar tudo, quando fosse grande. E a experiência mostrava-lhe também que era sempre o mais velho que conseguia todos os favores do pai. E era verdade: por ser o primeiro, Esaú era o filho predilecto de Isaac. Todavia, não há bela sem senão, como se costuma dizer. É que a mãe Rebeca gostava mais de Jacob. Até porque, não sendo caçador como o seu irmão, ficava mais tempo em casa junto da mãe. E até aprendeu a cozinhar às mil maravilhas.

 

acob não gostava nada de ver o irmão chegar a casa e devorar o que ele preparava. Lá em casa, Esaú nem sequer mexia palha. Acontece que, um dia, depois duma caça um pouco mais demorada, Esaú regressou a casa mais morto que vivo. Quando entrou em casa, sentiu logo o cheiro dum prato de que gostava muito. Era Jacob que estava a preparar um prato de deliciosas lentilhas. E Esaú não resistiu. Foi logo à cozinha levantar a tampa da panela. Jacob deu-lhe para trás, claro! E, entretanto, foi-lhe dizendo que isso não estava certo, até porque, como irmão mais velho que era, tinha obrigação de ser ele a tratar dessas coisas...

 

Esaú não quis saber. Aliás, não gostou muito da insistência do irmão. Que lhe importava a ele se era mais velho ou não, quando estava para ali a morrer de fome? Mas para que é que Jacob estava a insistir nesse ponto?! O que era preciso nesse momento era mas é comer qualquer coisa. O resto pouco interessava e, por isso, disse-lhe: «Olha, concordo com tudo o que quiseres, desde que me dês um pouco desse prato!». Foi então que Jacob lhe disse afoitamente: «Está bem! Como não te interessa nada ser ou não ser o mais velho, vamos fazer uma coisa: eu dou-te de comer deste prato se tu jurares que, de hoje em diante, serei eu a ser tratado por mais velho!». «Se é assim que queres, dá-me cá esse prato e fica tudo resolvido!».

 

Entretanto, o pai deles ficou cego e foi ficando velho. Um dia, chamou o filho mais velho e disse-lhe: «Olha, filho, o que te vou dizer é um segredo. Só posso contá-lo uma vez e a uma única pessoa: ao meu filho mais velho. Mas, antes disso, quero que vás à caça e me tragas um pedaço de carne bem saborosa!». Esaú saiu. Mas Rebeca ouvira toda a conversa. Então foi chamar Jacob e disse-lhe: «Tenho uma ideia: vamos preparar um bom pedaço de ovelha, preparamos um molho forte de ervas, como o teu pai gosta. Depois vais-te pentear como Esaú e cobres os braços com umas peles para te pareceres com o teu irmão que é peludo». Jacob vestiu umas roupas de Esaú e foi ter com o velho Isaac com o prato que tinham preparado...

 

Ao sentir o cheiro do prato, Isaac disse: «És tu, meu filho Esaú?». «Sim, sou eu, meu pai!» – como que grunhiu com voz grave e rouca Jacob, pondo o prato de carne bem perto do pai. «Mas como foi isso, meu filho? Foste e vieste muito depressa»! «Com a ajuda de Deus, consegui arranjar tudo depressa, meu pai»! O que não conseguia disfarçar muito era a voz. Tanto que Isaac começou a desconfiar um pouco e quis certificar-se. Mas acontece que, por vezes, a voz não basta para tirar todas as dúvidas. Por outro lado, o pai Isaac não estava ao corrente do juramento que tinha havido entre Esaú e Jacob. E a mãe Rebeca, que gostava mais de Jacob, também ajudava à missa, como se costuma dizer...

 

Ainda um tanto desconfiado, Isaac disse ao filho que estava à sua frente: «Olha, vem aqui para o pé de mim e senta-te»! Isaac pôs o braço ao redor do pescoço do filho e sentiu o cabelo igual ao cabelo de Esaú. Também as roupas tinham o cheiro das roupas de Esaú. Foi nessa altura que Isaac se convenceu que estava realmente perante o filho mais velho. Então, pondo-lhe a mão na cabeça, abençoou-o dizendo: «O Deus de Abraão e o Deus de Isaac prometeu uma boa terra e fértil. Deus te proteja contra as pessoas que te quiserem fazer mal. Sê o senhor de todos os teus irmãos». E, a partir desse momento, Jacob recebeu do seu pai todo o poder para chefiar a casa e o direito de perpetuar o nome da família.

 

Algum tempo depois, chegou Esaú da caça. Parecia que estava a cair de cansaço, mas trazia uma caça selecta. Foi ter com o pai para lhe dar a notícia, mas Isaac recusou a comida: «Não há muito que comi». «Não há muito... como? se eu acabo de voltar agora mesmo?! Como é que pode ser»? Mas o pai nem sequer lhe respondeu. «Um momento» – começou Esaú a pensar – «Jacob teria sido capaz»! Esaú percebeu logo o que tinha acontecido. Jacob sempre quisera ter os direitos do filho mais velho. E agora, durante a sua ausência, tinha conseguido o que queria. Esaú ainda implorou ao pai que o abençoasse também a ele, mas Isaac muito peremptório respondeu-lhe: «Como te disse, eu só posso falar da promessa uma vez. E isto já o fiz ao teu irmão. Agora não há nada a fazer. Mas digo-te uma coisa: terás que lutar sempre para sobreviver, porque tudo o que é meu vai pertencer a Jacob, mas tu vais poder continuar a ser livre». E mais não disse.

 

Esaú levantou-se como um raio, tal era a raiva que se lhe desenhava no rosto. E foi logo à procura de Jacob. Mas Jacob já estava a léguas de distância. A mãe Rebeca tinha previsto tudo e já lhe tinha dito para fugir e para ir para junto do seu tio Labão, enquanto Esaú não se esquecesse e tudo passasse. Era natural que a mãe lhe sugerisse um lugar seguro. Ele tinha usurpado o direito do irmão mais velho, mas teria que pagar bem caro por isso... E realmente teve que passar catorze anos fora da terra antes de regressar para tomar posse das suas coisas.

 

Labão, que era tio de Jacob, algum tempo depois de a sua irmã ter casado com Isaac, tinha casado também e tinha duas filhas. Ao chegar a casa dele, Jacob gostou da mais nova, até porque a mais velha não era nada bonita. Mas, para casar com qualquer delas, Jacob teria que servir pelo menos sete anos. Só que, segundo os usos e costumes da região e da época, a filha mais velha tinha que casar primeiro. E então Labão arranjou um estratagema e enganou Jacob, que acabou por casar com Lia, a filha mais velha. Se quisesse casar com Raquel, a filha mais nova, teria que trabalhar para ele outros sete anos. Jacob não teve outro remédio. E, de facto, só depois de outros sete anos pôde regressar definitivamente à sua terra.