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Comecemos por imaginar Jesus a sair de casa de Zaqueu, depois do jantar para que este o convidou. Quando Jesus entra em casa dum homem como este, há sempre pessoas que se escandalizam. Zaqueu era tido pelos seus conterrâneos como pecador público por ser cobrador de impostos. E, por isso, lá fora havia ainda alguns descontentes que protestavam. Negavam-se a acreditar nas palavras de Zaqueu; mesmo depois de este prometer que iria pagar o dobro àqueles a quem tinha roubado e que ia distribuir muitos dos seus bens aos que não tinham nada.
Aliás, o que essas pessoas demonstravam não era apenas descontentamento. Era também raiva: «Imaginem só! Nós nunca fizemos nada de errado. Sempre nos comportámos segundo o que está escrito na Lei. Mas este Zaqueu, este explorador do povo, este desavergonhado! Isto não pode ser! Fez tantas e, ainda por cima, vejam agora o que acontece! Então Jesus tinha que ir mesmo visitar este sujeito asqueroso? Então nós não somos muito melhores do que ele? Já não se respeita Deus nem nada!...
Estavam ainda a discutir, a barafustar e a protestar, quando Jesus saiu para a praça. Naturalmente, não demorou muito a ouvir os protestos. Mas as pessoas estavam tão acaloradas que nem sequer notaram a sua saída. Depois de se ter certificado do que é que estavam a falar, Jesus apresentou-se no meio deles sem eles se darem conta de nada. Não tinha que justificar a sua atitude. Mas era necessário corrigir algumas ideias dos presentes que facilmente se deixavam levar por qualquer orador mais inflamado.
Começou então por dizer: «Meus amigos, prestai-me um pouco de atenção. Gostaria de vos contar uma história!...». Como toda a gente gosta de histórias (pequenos e grandes), logo a atenção se dirigiu para ele. De resto, lá no fundo, sempre queriam ver quais as explicações que ele tinha a apresentar. Isso não se fazia. Comportamentos como o que ele tinha tido, ao aceitar o convite dum pecador como Zaqueu, não os entendiam e, por isso, não eram bem aceites. E então eles, de alguma forma, estavam ali para exigir uma explicação...
«Amigos» – disse então Jesus – «Era uma vez um pai que tinha dois filhos. Um dia, o mais novo lembrou-se que já tinha chegado a altura de ser independente. Então disse assim para o pai: “Pai, quando o senhor morrer, eu e o meu irmão vamos herdar cada um metade do que é seu, verdade? Pois bem. Eu tenho uns planos: não me poderia entregar já agora a parte que me toca?”. O pai ficou a olhar para o filho um tanto espantado. Mas, no fim, concordou: “Claro, meu filho. O que é meu é teu também”. Claro que o pai não gostou nada da atitude do filho. Mas acabou por lhe entregar a parte da herança a que um dia teria direito»...
«Então, esse filho mais novo vendeu tudo o que lhe pertencia e levou todo o dinheiro consigo. Saiu de casa e foi para muito longe. Nem sequer pensou no que aquela partida significava de sofrimento para o pai e para a mãe... Ao chegar à grande cidade, viu que havia uma grande festa. E ele, para demonstrar que era endinheirado, logo ali pagou uma rodada de bom vinho a toda a gente. Tocava-se e dançava-se e ele associou-se àquela alegria toda. Tinha dinheiro e não teve dúvidas: pagou tudo»!
«Logo ali fez inúmeros amigos. Os amigos nestas ocasiões não faltam. Ora bem, a partir desse momento, festa que se organizasse, quem pagava sempre era ele. Só que não há bem que sempre dure. Por acaso, esse ano era um ano de seca nunca vista. Não chovia. A terra secava. E o trigo e os outros cereais não cresciam nem frutificavam. O pão e os outros géneros alimentícios começaram a encarecer. O povo começou a passar fome…
Entretanto, o rapaz continuava a gastar dinheiro, nem se lembrando que também o dinheiro se acaba. (Para concluir) Até que chegou um dia e... ia a pagar a conta aos amigos, quando verificou que já não lhe restavam muitas notas. Um dos amigos, pensando que tinha sido um descuido, teve que pagar o resto da conta. Mas, a partir desse dia, os amigos desapareceram como que por encanto. E ele começou a sentir necessidade. Ninguém lhe dava nada e os empregos eram escassos...».
E Jesus continuou a contar: «O jovem ainda procurou emprego, mas só encontrou uma pessoa que lá lhe deixou guardar uns porcos. Um dia, pensando na sua vida, começou a ter saudades e a pensar: “Imaginem ao estado a que cheguei! Ao menos se pudesse estar com o meu pai lá em casa! Nem que fosse como um qualquer dos empregados! É claro que nunca mais poderei voltar a ser seu filho. Mas pelo menos não morria de fome!”. E, quase por instinto, levantou-se e pôs-se a caminho. Não tinha nada no bolso. Estava longe casa, mas sabia o caminho...».
Já estava bastante perto de casa quando quase chocou com alguém. Era o seu pai, que já o tinha visto de longe e vinha ao seu encontro de braços abertos... “Pai, eu... eu, eu... ando só à procura de trabalho por aqui” – gaguejou o rapaz – “Não, não venho por mais nada. Eu não mereço ser teu filho. Eu só quero um trabalho, porque a vida está dura”. Mas o pai nem sequer o deixou falar: “Meu filho, meu filho! És sempre o mesmo! Toma juízo! Tu ficas comigo e... mais nada...”».
«O filho nem queria acreditar na reacção do seu pai. Mas, o amor de pai é mais forte do que tudo isso. E o pai ia-lhe dizendo: “Apesar de tudo o que aconteceu, tu és meu filho. Apesar de tudo o que aconteceu, tu és meu filho como dantes!». E levou o filho para casa. Logo que chegou a casa, mandou preparar um banquete, que meteu música e dança, bons acepipes e dos melhores vinhos. Era uma festa de arromba... Aquele pai estava realmente contente por ter encontrado de novo o seu filho que ele julgava perdido. Nem lhe parecia verdade, mas era. O seu filho estava de volta...».
«Lá fora, porém, estava um homem parado que se recusava a entrar. Era o irmão mais velho. Tendo perguntado a alguém o que é que se estava a passar em casa, tinham-lhe dito que o seu irmão tinha voltado e o pai tinha mandado preparar uma festa... O irmão mais velho tinha-se deixado dominar por uma raiva tal que se recusava a entrar. Para ele, aquilo era uma afronta de todo o tamanho: “Ó meu Deus! Mas querem fazer pouco de mim; ou quê? Onde é que há justiça nesta terra? Então, aquele estouvado gastou todo o seu dinheiro na farra e na pouca-vergonha e agora... é isto?! Então e eu? Toda a vida a trabalhar no duro e... é assim? Nunca voltei sequer tarde para casa e nunca tive uma festa destas!”».
«O pai deu pela falta do filho mais velho. Então foi lá fora: “Mas que é isso? Sabes perfeitamente que é o que é meu é teu. Vamos. Deixa-te de histórias. O teu irmão estava perdido. Podia ter-lhe acontecido o pior. Felizmente, ele voltou para casa. Vamos mas é celebrar. Meu filho, há que ter um coração grande!...».