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Aquele dia tinha sido um dia muito cheio. Muito trabalho e muitos encontros. Mas, pelos vistos, aquilo não parecia querer terminar por aí, porque de todos lados chegam pedidos para Jesus fazer alguma coisa pelos doentes e necessitados. Tanto é verdade que, ainda naquela tarde, Jesus curou mais dois cegos... e, então, vendo as coisas neste pé, Jesus disse aos discípulos: «Bom, é melhor voltarmos para a outra margem do lago. Porque senão nem podemos descansar. Aqui não nos deixam em paz. Está a vir cada vez mais gente» …
«Esta gente o que quer é ver coisas extraordinárias. Mas, com raras excepções, as pessoas não vêm por terem muita fé. Ora, Eu não quero que esta gente fique com uma impressão errada a meu respeito. Os motivos que me trouxeram aqui não têm nada a ver com estas coisas. Não vim para embasbacar as pessoas, mas para as ajudar a descobrir a Deus. Ora bem, Eu acho que tudo já está a desviar-nos desse motivo. Por isso, é melhor irmos indo para o outro lado...».
E foi assim que, contra os seus planos (que eram passar a noite e prosseguir viagem no dia seguinte), resolveu subir de novo para o barco e regressar ao outro lado. Já era quase meia-noite. Mas não havia outra hipótese. Mas não tinham muita pressa de chegar. E eles precisavam de descanso. O lago estava calmo e foram-se deixando ir um pouco à deriva. Fazia uma leve brisa que empurrava a vela. Até o próprio Jesus, que estava muito cansado, pegou facilmente no sono. Nunca lhe tinha acontecido isso.
Mas as condições atmosféricas nos lagos e perto deles são imprevisíveis. Tudo pode mudar dum momento para o outro. E, com efeito, de improviso, levantou-se um vento forte e até se deixou de ver o céu estrelado. As nuvens vinham das altas montanhas e baixavam sobre o lago. E, em quatro tempos, desabou uma medonha tempestade. As ondas cresceram de tal maneira que eram mais altas que as mais altas casas de todos os lugares por onde eles tinham andado... Tudo aconteceu de repente. As ondas começaram a embater contra a embarcação com toda a violência. O mastro gemia e ameaçava partir-se em pedaços. E aqueles homens, embora habituados àquela vida, ficaram cheios de medo. Devia ser realmente uma coisa medonha para até eles ficarem nesse estado. Só Jesus não, porque continuava a dormir um sono profundo. E nem acordou sequer quando o barco quase se virou e meteu água por todos os lados. Alguns dos discípulos até chegaram a pensar o pior...
Foi então que Pedro, certamente um homem prático e o mais habituado a essas coisas, foi ter com Jesus. Deu-lhe um abanão bem forte e gritou-lhe bem ao ouvido: «Acorda, homem! Acorda! Estamos perdidos. Isto está muito feio. Então, nós aqui a ver se salvamos a pele e tu para aí a dormir dessa maneira? Até parece que nem sequer te importas que a gente morra aqui desta maneira. Se o tempo não melhora, vamos morrer todos; não há salvação possível!»...
Claro que Jesus não teve outro remédio senão acordar mesmo. Levantou-se e disse aos discípulos: «Calma, calma aí! Não, não vamos morrer nada afogados! Então julgas que a água nos vai engolir assim sem mais nem menos? Homens de pouca fé! Hoje vistes tantas coisas prodigiosas e ainda não tendes nenhuma confiança em mim? Até parece impossível! Sois mesmo duros de cabeça!». Estendeu então os braços sobre as águas e disse: «Ondas, acalmai! Ide para o vosso lugar!». E a tempestade passou. As águas acalmaram e eles puderam prosseguir viagem.
O céu clareou um pouco. Ficaram todos um pouco mais tranquilos, mas não suficientemente. Então Jesus disse-lhes: «Sempre me saístes uns marinheiros! Não tendes que ter medo de morrer sempre que há um perigo qualquer! Se assim é, ainda acabais de morrer mesmo de susto!». Os discípulos continuavam pálidos e mudos de susto. Mais: estavam como que paralisados, embora já tivesse passado o pior. Foi preciso ter uma conversa longa com eles para lhes restituir a calma e a confiança.
Quando chegaram à outra margem do lago e puseram os pés em terra, ficaram muito mais calmos. Jesus aproveitou então a ocasião para lhes fazer uma pergunta. Foi assim uma espécie de pergunta à queima-roupa, para a qual os discípulos não estavam ainda preparados. A pergunta foi a seguinte: «O que é que dizem por aí sobre mim? Quem pensam as pessoas que eu sou?» ...
Os apóstolos ficaram a olhar uns para os outros. Não conseguiam entender o alcance da pergunta. Então um deles lá se atreveu a custo a dizer: «Bom, há por aí gente que pensa que tu és um profeta, assim como os que andavam por aí, como, por exemplo, Elias e João Baptista!». «Sim» – atalhou outro deles – «alguns dizem que tu te pareces com João e outros que te pareces com Elias. Também Elias sabia transformar e fazer aparecer as coisas. Ele dizia todas as verdades bem na cara dos reis e dos grandes, sem medo nenhum!». «Está bem, mas vós, o que é que vós pensais de Mim?»...
Todos ficaram mudos por instantes. Só depois de alguns instantes é que Simão Pedro resolveu tomar a palavra: «Já vi muitas coisas neste tempo que tenho andado contigo. Vi doentes ficarem curados. Vi gente que readquiriu a esperança e o optimismo. Vi gente pobre que te ouvia com gosto. E vi também que tens poder até sobre os demónios e os mortos. E até as ondas do mar te obedecem. Sei lá! Mas estou agora a lembrar-me duma coisa que está na Bíblia. A Bíblia fala dum rei que Deus há-de mandar. Pois bem, quando olho para ti, consigo entender essa passagem da Bíblia. Quero eu dizer com a minha que eu acho que tu és esse rei, ou seja, o Messias prometido. Estou convencido que tu és o Filho de Deus».
Jesus olhou para Simão Pedro com um sorriso e, depois de olhar para os outros todos, disse: «Bem, Simão, pelo que estou a ouvir e pelo que conheço de ti, tu não eras capaz de dar essa resposta. A não ser que Deus te tivesse dito o que devias dizer. Conheço-te bem demais para poder dizer que tu não eras capaz de tirar essa conclusão...». E depois Jesus continuou: «Simão, posso confiar em ti? Pois bem, de agora em diante, ficarás a ser conhecido por Pedro…
Este nome combina melhor com o que eu desejo que tu sejas. O nome de Pedro lembra-me uma rocha. E eu preciso dum homem como tu para fundamento da comunidade que quero fundar. Eu preciso dum homem capaz de confirmar a fé dos outros irmãos». E foi precisamente a partir desse momento que Pedro ficou a ser como que o chefe do grupo, depois de Jesus, como é evidente. Mas essa sua capacidade de chefia, irá manifestar-se mais tarde, sobretudo depois do desaparecimento do Mestre. Então, sim, a fé dos outros irmãos irá depender da palavra e do testemunho de Pedro.