1. ENTERRAR A CABEÇA NA AREIA
 

 

As considerações que hoje vou tecer talvez não tenham nada a ver com a série que tenho vindo a desenvolver. Mas acho que não há problema nenhum nisso. Por vezes, passam-nos ideias diferentes pela cabeça e parece que não ficamos contentes enquanto as não partilhamos. Então, aceite, se quiser, amigo ouvinte, esta espécie de derivação...

 

Na nossa vida, há sempre o bem e o mal, a verdade e a mentira, a fraqueza e a fortaleza, a coragem e a covardia, a alegria e a tristeza, a esperança e o desespero. Sim, tudo isso existe na vida de cada um de nós. Acho que não há problema em aceitar essa realidade. E podemos aceitar isso mesmo, porque ninguém está a escutar-nos. Aceitarmos tudo isso, talvez seja amadurecer, crescer na vida...

 

Porque é que notamos sempre essa espécie de contradições na nossa vida. Bem, a mim parece-me que isso se deve pura e simplesmente ao facto de sermos limitados. Tudo em nós é limitado. Os nossos projectos, a maior parte das vezes, não passam de esperanças humanas. E a esperança humana é um jogo aleatório de possibilidades. Quer dizer, em palavras pobres, que tanto pode acontecer aquilo com que sonhamos como precisamente o contrário. Os meus sonhos podem dar certo ou errado. Nada me garante que ganho ou que perco...

 

Com muita frequência, a nossa esperança é apenas uma esperança humana. E, com muita frequência também, a nossa esperança assenta em bens materiais. Por outras palavras, temos é a esperança de ter coisas, cada vez mais coisas. O maior sonho da maior parte das pessoas é precisamente ter coisas, ter dinheiro, enriquecer. E, mesmo quando, porventura, que o que queremos é «ser alguém», ser famoso, a finalidade provavelmente é para assim podermos ter mais coisas, porque (pensamos) a gente é alguém quando tem a possibilidade de ter tudo o que quer.

 

O doente que pretende a saúde, o paralítico que gostaria de ter a liberdade de se movimentar, no fundo, não será para terem maiores possibilidades de possuir? Enfim, a esperança humana é sempre qualquer coisa que está ligada ao «ter mais». Acho que não podemos nem devemos negar isso. E, se há excepções, são isso mesmo: excepções.

 

Mas o facto é que a esperança, medida pelo critério do «ter» e da eficiência técnica, não nos traz nada de definitivo. A saúde não é eterna. Os bens temporais não são eternos. A felicidade humana pode ser interrompida por uma coisa de nada. Mas então, a saúde, os bens temporais e a felicidade humana não são coisas boas? Claro que são. Se até chamamos aos bens temporais «bens», é porque são um bem e não um mal. Mas o que não podemos esquecer é que se trata sempre de algo que pode acabar e que acaba mesmo.

 

Tenho aqui à minha frente uns extractos duma entrevista dada por uma actriz que aqui há uns anos fez furor no mundo do espectáculo. O nome da actriz é Sylvia Koschina. Na entrevista diz ela: «Em alguns momentos da vida, parecia-me enlouquecer. Parecia-me não ter mais força para enfrentar a realidade. E, no entanto, reconheço que todos estes anos me serviam para aprender a lição da vida. Não sei se fica bem dizer isto, mas eu sempre acreditei em Deus. Pois bem, quando Lhe rezava, pedia-lhe, quase que Lhe exigia, que me ajudasse. Mas, quanto mais pedia, mais me parecia que a vida se tornava ainda mais dura...»

 

«... De modo que, finalmente, disse a Deus assim: Olha, faz de mim o que quiseres. Deste-me tudo: beleza, sucesso, riqueza. Com a mesma razão me podes tirar tudo. Penso que Deus compreendeu que eu ainda tinha fé. É isso. No momento em que dizemos «aceito», é precisamente nesse momento que ele resgata tudo». Deixo os comentários a cada um dos ouvintes.

 

Já que estamos a lidar com estrelas, oiçamos então também Donna Summer: «Eu tinha conseguido tudo quando devia conseguir. Estava no máximo do meu sucesso. Não me faltava nada. E, no entanto, era infeliz. Depois de algum tempo, comecei a pensar que devia haver uma maneira melhor de viver. Até que, finalmente, me deixei vencer por Deus. Então, sim, a minha vida mudou para melhor».

 

Bom, amigo ouvinte, não se trata de entrevistas inventadas. Talvez muitas grandes actrizes e actores e outras pessoas a quem aparentemente não falta nada, talvez também eles tenham histórias semelhantes a contar. Aparentemente, não lhes falta nada. Mas, no fundo, quem sabe se não lhes faltará o mais importante. Falta-lhes o Tudo, ou seja, o que dá razão de ser às suas vidas.

 

Talvez não saibamos o que será de nós depois desta vida. Há mesmo quem não acredite no depois. Mas que a felicidade não existe por completo nas coisas, também é um facto. Se a felicidade estivesse nas coisas, então as pessoas a quem não falta nada, não teriam razão nenhuma de queixa. Mas o facto é que não é assim. Eu cá por mim, embora por vezes também tenha as minhas dúvidas, penso o mesmo que S. Paulo: Não sabemos o que Deus nos dará, mas aquilo que nos espera jamais foi visto por ninguém nem jamais coração algum o imaginou.

 

Se fosse verdade o que alguns dizem, ou seja, que depois não há nada, então eu acho que essas pessoas deviam viver contentes com a vida que têm. Até porque, dum modo geral, a essas pessoas, de bens materiais, falta muito menos que a muita outra gente. Mas não, isso não acontece. Essas pessoas não estão satisfeitas. E porque é que não vivem satisfeitas? Não sei. Mas seja-me permitido avançar com uma hipótese. Essas pessoas não vivem satisfeitas porque, apesar de dizerem «e se depois desta vida não há nada?», se calhar, não lhes sai da cabeça uma outra pergunta que é assim: «e se depois desta vida há alguma coisa?».

 

O cristão é (ou pelo menos deve ser) aquele que, embora desconhecendo como, sabe que Deus não desilude. Não sabe como, mas ele tem a certeza que Deus se comprometeu com o homem e, por isso, não pode haver desilusão. O cristão também se deixará certamente levar pela ilusão de que os bens temporais, as coisas que pode possuir, lhe darão felicidade. Mas, nos momentos mais importantes, talvez descubra que o facto de nunca estar satisfeito não é motivo para desesperar...

 

O cristão, que o é de verdade, talvez seja capaz de descobrir que vale mais «ser» do que «ter». E, em consequência disso, talvez esteja em condições de descobrir que as pessoas, para «serem», têm que procurar ser o mais possível «semelhantes a Deus». O cristão deve ser aquele que sabe que descobrirá o que realmente deve ser quando, finalmente vir a face de Deus. Então, sim, poderá ver aquilo que jamais olho algum viu e ouvido algum escutou...