1. PRELÚDIO DA FELICIDADE
 

 

Alguns dizem que tudo aconteceu numa montanha ou numa colina. Outros dizem que tudo aconteceu num sítio plano. O facto é que, um dia, provavelmente ainda no primeiro ano da sua vida pública, Jesus fez uma série de discursos muito importantes. Os que dizem que as coisas aconteceram na montanha chamaram a isso o «Discurso da Montanha». Os que dizem que tudo aconteceu numa planície limitam-se a fazer disso apenas mais um episódio da vida de Jesus...

 

Seja como for, ao ler esse texto, ficamos com a impressão que Jesus volta tudo do avesso. A felicidade para Ele está com os pobres, os tristes, os humildes e os perseguidos. Algumas pessoas, ao lerem aquilo que se costuma chamar Bem-aventuranças no evangelista Mateus, talvez julguem que todo o discurso da montanha se reduz a isso. Mas a verdade é que o que Jesus diz é muito mais. Não é de resto o facto de serem oito bem-aventuranças ou menos que interessa. S. Lucas, por exemplo, só indica quatro. O convite, pois, é para ler muito mais que isso.

 

Também não se sabe quem estava presente. Fala-se de multidões, mas esta expressão pode significar simplesmente «muita gente». Aparentemente, as coisas que Jesus disse nesse dia eram simples e fáceis de entender; no seu sentido imediato. Mas isso não quer dizer que sejam fáceis de pôr em prática. E, realmente, é verdade, que, ainda hoje, essas palavras do «Sermão da Montanha» são difíceis de «engolir» (passe a expressão). E do mesmo modo que, a esse propósito, os seus contemporâneos tinham as mais disparatadas opiniões sobre Jesus, o mesmo acontece nos dias de hoje. Porque é que será que Jesus foi (e continua a ser) sinal de contradição? Será por ser apenas um homem?

 

Um exemplo da vida pode ajudar e levantar um pouco o véu. Suponhamos que uma pessoa que nunca saiu da aldeia foi à cidade e lá viu, pela primeira vez, um avião. Voltando para a sua terra, onde nunca ninguém tinha visto um avião nem tinha ouvido falar disso, essa pessoa tentou explicar o que tinha visto e deu do avião a seguinte definição: «uma caixa de ferro, com asas, que se levanta sozinha do chão e voa». «Voa?» – «Voa, sim senhor, mas não bate as asas». «Come e bebe?» – «Bebe uma coisa que se chama gasolina, mas não tem estômago». «Faz digestão?» – «Parece que faz, porque toda a bebida desaparece de dentro dele, mas não tem tripas». «Sobe sozinho?» – «Sobe, mas não tem vida». «Mas, como é isso? – perguntaram.

 

E ninguém foi capaz de fazer uma ideia do que era um avião. O avião era uma coisa tão nova que não cabia nas categorias mentais daquela gente. Assim acontece com Jesus e com a sua doutrina. Talvez todos nós já tenhamos ouvido o seguinte: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino de Deus. Bem-aventurados os mansos, porque deles é a terra. Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão chamados filhos de Deus. Bem-aventurados os que usam misericórdia e compaixão, porque receberão misericórdia. Bem-aventurados os puros de coração, porque certamente verão a Deus. Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos céus».

 

Lemos e não entendemos. Trata-se de algo que está no lado oposto da nossa maneira de ser da nossa mentalidade. Ao pensarmos nas Bem-aventuranças, pensamos que se trata de um ideal inatingível, um ideal impossível. Mas então para que serve uma coisa impossível de observar? Talvez uma comparação ajude a compreender alguma coisa. Comparemos a nossa vida a um carro, que tem um contador em que está escrito: velocidade máxima 220km/hora. O dono entra no carro e tenta atingir os 220km, mas não consegue, mesmo carregando no acelerador até ao fundo numa recta a descer. Não lhe é possível atingir o limite indicado. Construído para 220km, mal atinge os 180km.

 

Ora bem, no Sermão da Montanha, indica-se a quilometragem máxima da vida, que é assim: «ser perfeito como o Pai celeste é perfeito». Mas nós, com toda a nossa boa vontade, acelerando com uma quinta ou sexta velocidade numa descida recta e larga, mal atingimos os 180km. Então o que é que adianta escrever que podemos atingir os 220km? É que, quando Deus entra na vida da gente, descobrimos que o nosso carro tem uma sétima velocidade e que ainda podemos acelerar mais. Deus, que nos conhece, consegue levar a nossa capacidade até a um máximo que a nós nos parecia impossível...

 

Pode-se então dizer que o «Sermão da Montanha» é o julgamento que Jesus faz da vida humana: a vida humana, bem vivida, devia ser assim. É o ideal que Ele propõe. Um ideal é algo que nunca se atinge, mas é algo para o qual tendemos continuamente. E eu posso dizer que serei julgado não pelo facto de ter atingido o ideal, mas pelo facto de ter caminhado para ele com fidelidade... Nós costumamos pôr tudo em termos de contrapartida. Ou seja, se formos bons (supondo que somos), Deus recompensa-nos. Ora bem, com o Sermão da Montanha, as bases são outras. Dito de outra maneira, o Sermão da Montanha já não se fundamenta no que nós fazemos por Deus, mas sim no que Deus faz por nós. Quem pensa que tudo depende de si, é capaz de multiplicar as orações e, assim, pensa que pode mover a Deus. Ao contrário, quem percebe que está a ser sustentado de forma contínua e gratuita por Deus, fará todo o possível para mostrar a sua gratidão e isso irá mudar por completo o seu relacionamento com Deus.

 

Estou a lembrar-me agora da Mãe de Jesus. O Evangelho diz que ela foi e é bem-aventurada fundamentalmente porque acreditou. Quando a Bíblia fala em crer ou acreditar, não se trata de um termo difícil de entender. Em palavras pobres, acreditar, segundo a Bíblia, significa tão-somente confiar em alguém. Se esse alguém é o próprio Deus, então trata-se de fé religiosa, digamos assim. E uma pessoa terá tanto mais fé quanto mais for capaz de confiar em alguém. Maria é precisamente a personificação de quem confia de tal maneira em Deus que aceita até o que, logicamente, lhe parece um contra-senso.

 

Claramente, essa opção por Deus significa subordinar todos os outros interesses e aspirações. Significou isso para Maria, que também teve os seus sonhos e aspirações legítimas, mas aos quais renunciou de livre vontade. E significa isso para qualquer um de nós. As Bem-aventuranças são uma proposta de vida que vem virar do avesso aquilo que é a nossa mentalidade comum. Estamos convencidos que há uma série de realidades e coisas que fazem a nossa felicidade e talvez tenhamos que chegar à conclusão que, se metermos a marcha das Bem-aventuranças, as coisas vão correr ainda melhor...

 

A boa «performance» dum carro, por vezes, também depende de quem vai ao nosso lado. Para chegar à meta que é Deus, uma boa instrutora talvez seja Maria, que é também nossa mãe. Ela quer tomar-nos pela mão, livrar-nos dos perigos e conduzir-nos ao Pai. Basta que nós nos deixemos conduzir. É ela que nos diz incessantemente: «Fazei o que ele vos disser». As coisas podem não acontecer logo, mas, no momento oportuno, a intervenção de Jesus não falhará e nós atingiremos a meta que nos propusemos atingir com o carro da nossa vida.