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Simão Pedro fazia parte dum grupo de doze. Eram os amigos de Jesus. Alguns deles, segundo se pode calcular, eram casados. Mas Jesus devia ser uma pessoa muito especial para eles deixarem logo tudo para O seguir. Nem todos tinham ideias claras sobre Ele. Ou, mais precisamente, se calhar, nenhum deles tinha ideias claras. Mas todos O admiravam. E quase logo compreenderam que Jesus não era uma pessoa qualquer...
A esse grupo de doze amigos de Jesus chamamos hoje apóstolos. Quase todos eram ignorantes e tinham os seus defeitos; como toda a gente. Mas eram homens bons, simples, sem engano. Segundo a lógica humana, é de estranhar que Jesus tenha escolhido doze homens assim ignorantes. Mas então como é? Jesus pretende conquistar Israel assim com homens ignorantes e até com sotaque provinciano? É o eterno problema de querermos pintar Jesus à nossa maneira! Já deveríamos saber que Jesus não tinha nenhuma ideia de conquista.
Hoje, vou procurar seguir durante algum tempo os passos de Jesus. Vamos supor que se trata dum dia qualquer da sua vida. Por outras palavras: «O que é que Ele faz durante o dia?». Bem, não é preciso ser dotado de grande imaginação para fazer sobre isso uma ideia geral. A primeira coisa que chama a nossa atenção é que toda a gente parece gostar dele. Certamente Ele deve ter algo de especial para todos quererem falar com Ele. E, por isso, posso tirar já algumas conclusões. Ele certamente não era um tipo carrancudo, como alguém pode pensar, mas sim um sujeito bem alegre e simpático...
Claro que não andava todo o dia com cara de sexta-feira. O mais certo é que fosse um óptimo conversador. Tinha todo o tempo deste mundo para atender as pessoas: ricos, pobres, adultos, crianças, todos. E não fazia (como fazemos nós tantas vezes) distinções entre bons e maus, justos e pecadores. Tanto é verdade que até chegou a ser acusado de ser beberrão. O motivo? O não recusar convites para almoçar e beber uns copos com os amigos. Mais: chegaram até a chamar-lhe também pecador, por conversar com pessoas de má reputação, como ladrões, adúlteros e prostitutas.
Jesus tinha uma palavra de apoio e compreensão para toda a gente. Bem, toda a gente... não. Só havia uma espécie de pessoas que não lhe iam lá muito a génio. Eram os fariseus. Porquê? Pois bem, simplesmente porque achavam que eram gente falsa, complicada, mal-intencionada, gente que via mal em tudo. Os fariseus pensavam que eram as melhores pessoas do mundo, os santos, os intocáveis. Por conseguinte, achavam que tinham o direito de julgar e condenar toda a gente. Só porque os outros não faziam exactamente o que eles faziam...
Ora bem, era precisamente esse o tipo de pessoas que Jesus não podia ver (passe a expressão!). Não os podia ver, por serem auto-suficientes, por estarem cheios de si mesmos. Eram mesmo incorrigíveis. Por isso mesmo às vezes teve que falar forte. Talvez assim viessem a cair em si e descobrissem o que realmente era importante. A esse propósito, entre outras coisas, eu posso respigar do Evangelho o seguinte: «Hipócritas! Quereis enganar o povo, apresentando-vos como perfeitos!? Mas, afinal, acabais por explorar os necessitados e as viúvas. Ai de vós que fechais o caminho da salvação a tantos que vos pedem auxílio e conselhos».
Porquê toda esta indignação contra os fariseus? Pois bem, porque o que lhes interessava eram as aparências. E o que Jesus procurava era a sinceridade do coração. Sim, o que vale é o que a gente pensa no íntimo. O que vale é o que somos e sentimos e não o que aparentamos. Jesus não quer máscaras. Aliás, no fundo, se pensarmos bem, ninguém gosta de máscaras... nos outros! Jesus gosta da simplicidade, das pessoas que se consideram limitadas e fracas; afinal de contas, das pessoas que reconhecem que não são boas e que querem ser melhores.
E o que acontece é que os fariseus se consideravam perfeitos... Ninguém podia ensinar nada aos fariseus. Eles é que eram os professores, os doutores, os sabidos, os donos das jogadas. Ora bem, isso era uma coisa que Jesus não admitia de maneira nenhuma. O resto (incluindo a covardia, o medo, o adultério, a malquerença) perdoou tudo. O que Ele não perdoou (nem perdoa) é precisamente a convicção que as pessoas têm de não precisar de nada nem de ninguém; nem sequer de Deus. A mim parece-me que isso mesmo que Ele designa por pecado contra o Espírito Santo.
O mais tocante era a maneira como Jesus tratava os necessitados e os simples. Um dia, por exemplo, cansado de andar e de falar, sentou-se para descansar um pouco. Os apóstolos repararam que vieram logo muitas crianças para o pé de Jesus. Aí, Pedro não resistiu e começou a berrar com os miúdos: «Embora, garotada! Mas que cambada de miúdos! Vá, desapareçam!». Só que a pequenada, como é natural, afastava-se um pouco, porque Pedro lhes metia medo, mas, logo que Pedro se descuidava, lá estavam eles outra vez ao redor de Jesus. Pedro então, já com a mostarda a chegar ao nariz, pôs-se a correr atrás dos mais atrevidos, usando inclusivamente palavras muito pouco próprias...
Jesus já conhecia Pedro e sabia que aquilo não passava de génio dele. Então recriminou-o um pouco: «Pedro, mas que figura é que estás para aí a fazer, já viste!? Deixa os miúdos em paz. Mas que mal há que estejam aqui ao pé de Mim? Tens medo que me façam mal ou quê? Olha, digo-te uma coisa: só quem for tão simples e transparente como uma criança é que pode ser meu amigo para sempre». Pedro ficou um pouco atrapalhado, mas também não podia estar a contradizer o Mestre. De qualquer forma, também aproveitou para a sua pequena vingança. Esperou que Jesus estivesse ocupado com os mais pequeninos para puxar as orelhas aos miúdos mais irrequietos...
Bom, amigo ouvinte, como é óbvio, as coisas que contei sobre um dia na vida de Jesus talvez não se tenham pensado exactamente como eu as contei. Mas não são estes pormenores que mais interessam. O que interessa de verdade é que esta descrição pode ser a descrição dum dia qualquer da vida de Jesus. Poderá ter acontecido assim. Os evangelistas não tiveram a preocupação de reter todas as coisas que lhe aconteceram. Nem por sombras...
De resto, não sou eu que o digo. É o evangelista João que escreve quase no fim do seu Evangelho: «Se fôssemos escrever tudo o que se passou com Jesus, não bastariam todos os livros do mundo para isso». Claro que é uma frase exagerada. Mas é uma imagem que explica bastante bem como foram numerosos e constantes os contactos que Jesus teve com as pessoas. Algumas coisas eram importantes, outras menos importantes. E não há problema nenhum em usar a imaginação. Enfim, suponho que a ideia geral com que podemos ficar desta conversa pode ser esta: Jesus, no seu dia-a-dia, tratava as pessoas como são realmente, procurando ajudá-las, nas circunstâncias concretas, a resolver os seus problemas. E ajudava-as sobretudo a não perderem a coragem nas dificuldades da vida.