A FERTILIDADE DO DESERTO

 

 

Depois de ter sido baptizado por João Baptista no Jordão, Jesus andou alguns dias pelas estradas e lugares da zona. Encontrou-se até com pessoas conhecidas. Algumas delas juntaram-se a Ele. Um dia, chegou a um monte deserto. Apenas uns arbustos rasteiros. Além disso, só areia, pedras e animais selvagens. Tinha necessidade ficar sozinho alguns dias. Começavam já a surgir uns rumores de que o novo rei tinha chegado. E isso não Lhe agradava nada. As pessoas começavam a fazer ideias erradas. Ele não tinha vindo para ser um rei como eles julgavam...

 

Ora bem, era sobre essas coisas que Ele queria reflectir. E então achou que o melhor lugar para pensar era o deserto. Então subiu lá para o monte. Lá ao longe, viam-se as povoações e aldeias onde morava a gente. Ele sabia bem como eram as coisas: se as pessoas estão convencidas de que alguém é rei (e, ainda por cima, rei mandado por Deus), então tem que se provar isso mesmo. As pessoas exigem artes mágicas. Até transformar pedras em pão. As pessoas pretendem factos extraordinários, que deixem toda a gente de boca aberta. É essa a mentalidade das pessoas. E Jesus sabia disso...

 

A este propósito, há que dizer que Jesus recebeu propostas neste sentido. Uma vez, por exemplo, quando Ele fez o milagre de multiplicar alguns pães e alguns peixes, logo quiseram aclamá-lo rei. Ele sabia que tudo isso podia ser mal interpretado. Ora bem, estas coisas faziam-no reflectir. E, nesse retiro de longos dias no deserto, pensou muito neste assunto e chegou a uma conclusão muito clara: «Não, não posso nem quero ser rei como eles pretendem. Se lhes demonstro que posso fazer tudo o que quero, então já me torno diferente do comum das pessoas. Ora, eu não quero ser diferente das outras pessoas nesse sentido...».

 

Nas reflexões que fazia no deserto, Jesus chegava quase sempre à mesma conclusão: «Eu vim para ser solidário para com as pessoas, mas sobretudo para com os que mais precisam. Mas, se tudo se tornar simples, por eu resolver as coisas magicamente, transformando até as próprias pedras em pão, é certo que as pessoas ficam admiradas, mas não é isso que interessa. Eu não vim para isso. Aliás, Eu não quero que as pessoas acreditem em Mim só porque sou poderoso. Não, Eu quero antes que a gente sinta que sou um deles».

 

A decisão de Jesus ficou tomada nessa altura. Ele tinha que continuar a parecer-se o mais possível com as outras pessoas. Se tinha que ser rei (passe o termo), então seria um rei diferente dos outros reis. Muito diferente do que muitos imaginavam. Com esses propósitos bem definidos, voltou então à sua terra. Tinha passado muito tempo a reflectir e agora era a hora de verificar, na prática, o que tinha vivido durante aqueles dias de retiro...

 

No dia de descanso dos judeus, que era o sábado, Jesus foi à igreja deles, que era a sinagoga. Quando se tratou de fazer a segunda leitura, Jesus levantou-se e deu dois passos em frente. Todos os olhares de voltaram para Ele. Entregaram-lhe então os escritos do profeta Isaías. Jesus procurou um trecho interessante e começou a ler em voz alta. O texto dizia assim: «Deus está comigo. Ele mandou-me a anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertar os oprimidos, a dar a vista aos cegos, a proclamar a libertação aos cativos e a consolar os que sofrem». Depois disto, fechou o livro e guardou uns momentos de silêncio...

 

Estavam na sinagoga os seus conhecidos, os amigos, a sua mãe, Maria; enfim, muitas das pessoas de Nazaré. E já tinha chegado a notícia de que noutros lugares Ele tinha curado doentes. Muitos elogiavam a sua sabedoria. A expectativa dos presentes era grande. Mas Ele não disse o que eles esperavam. Mas simplesmente isto: «Hoje realizaram-se as palavras do profeta. Fui Eu o enviado por Deus a anunciar a Boa Nova aos pobres e a libertar os que são oprimidos, os angustiados e os que vivem na escravidão». Mas os ouvintes estavam à espera de algum facto maravilhoso. Sempre seria uma honra para a sua terra...

 

Mas os milagres e as curas não aconteceram. Jesus limitou-se a olhar para todos e negou-se a fazer qualquer coisa de estrondoso: «Não, não farei aqui nada. Ninguém é profeta na sua terra!». O público começou a reclamar. E, apesar de Jesus pedir calma a todos, eles continuavam a insistir e a pedir um milagre. De tal maneira que se gerou uma certa confusão na sinagoga de Nazaré...

 

Afinal, Jesus não se tinha enganado. E agora tinha a prova real. Afinal, muitos deles queriam um rei, queriam um Messias, mas era para poderem obter benesses. Talvez para poderem subir na vida. O que não é de admirar, porque até os próprios discípulos que Jesus irá escolher vão querer a mesma coisa. E como foi duro tirar-lhes essa ideia da cabeça! Tanto é verdade que, um dia, dois deles pediram-lhe que, quando estabelecesse o seu reino, um se sentasse à sua direita e outro à sua esquerda. Jesus disse-lhes que não sabiam o que estavam a pedir, mas, pelos vistos, nem eles nem os outros discípulos ficaram muito convencidos. É que, mesmo após a ressurreição de Jesus, alguns deles ainda faziam a mesma pergunta: «Será agora que Ele vai instaurar o Reino»?

 

Pelos vistos, os discípulos não eram diferentes de todas as outras pessoas. Nesse dia, na sua terra, Jesus não conseguiu nada daquela gente. Ainda procurou explicar-lhes as coisas. Ter-lhes-á dito que milagres, curas e prodígios só aconteciam aos que realmente tinham fé. Mas os presentes não quiseram saber de explicações. E a coisa pôs-se tão feia, por assim dizer, que, por iniciativa de alguns mais exaltados, Jesus acabou por ser expulso da sua terra...

 

E a coisa foi mesmo a sério. É o evangelista Lucas que o diz. Os ânimos ficaram tão exaltados que os habitantes de Nazaré conduziram Jesus ao cimo dum momento e queiram lançá-lo dali abaixo. O evangelista não conta tudo o que se terá passado e não explica como é que se terá chegado a essa situação. O máximo que podemos supor é que Jesus lhes terá dito uma série de verdades e eles não gostaram. Mas também não era caso para chegarem a tanto. O facto é que Jesus não correspondeu às expectativas deles e, por isso, não quiseram saber dele para nada...

 

Bom, em relação a Jesus, acontece também hoje o mesmo. Muitos, para acreditarem em Jesus e para acreditarem em Deus, põem condições. Como regra, as condições que põem, no fundo, reduzem-se à exigência de que Ele faça coisas prodigiosas. Agora, o que acontece é que Deus não é criado de ninguém. Não faz milagres para fazer a vontade de ninguém. Ou, por outras palavras, não faz milagres para se exibir... De resto, Deus não precisa de demonstrar coisa nenhuma. Sabemos que Deus não precisa do homem para ser Deus. Não precisa dele para nada. Porque é que há-de demonstrar seja o que for? Seja como for, o maior milagre que pode acontecer é as pessoas acreditarem. Esse é o maior milagre de todos. E foi esse o grande milagre que Jesus veio fazer e continua a fazer: que as pessoas acreditem que Deus é Pai e está ansiosamente à espera dos seus filhos.