1. ENTRE OS HOMENS

 

Houve um homem que percorria toda a zona da Judeia no sul de Israel. Falava com toda a gente que encontrava pelo caminho. Entre as muitas coisas que dizia, destaquemos o seguinte: «Afinal de contas, não somos grande coisa. Somos exactamente como os nossos antepassados. Eles eram escravos, não eram ninguém, não contavam. Um dia, fugiram do Egipto, passando pelo mar e pelo deserto. Só depois de muitas dificuldades é que ficaram finalmente livres. Nós somos iguais a eles. Pois então, vamos fazer o mesmo que eles: vamos passar pela água. Esse será o sinal de que queremos mudar de vida».

 

O local preferido desse homem, que se chamava João, era perto do Rio Jordão. Falava com convicção e, por vezes, com fúria e com alguma violência. Mas havia muita gente que o escutava e entendia. As pessoas desciam então até às águas do rio e deixavam-se baptizar por ele. Esse homem chamado João era conhecido também por Baptista, precisamente porque baptizava. E aos que se baptizavam ia dizendo: «Um dia destes virá alguém importante. Ele vai derrubar os poderosos dos seus tronos e vai ser um rei para todos os pobres, para os que não têm nada. Não vos julgueis importantes por serdes filhos de gente fina. Não é isso que importa. Há pessoas importantes que são boas e outras que são más. Não é isso que salva. Mas está para chegar alguém que é realmente uma pessoa importante. Ele é que vai finalmente libertar-nos desta vida de miséria e de pessimismo em que vivemos...».

 

Bom, não sabemos exactamente quantas coisas João Baptista terá dito. O que sabemos é que, certo dia, chegou ao local onde João estava um homem que olhou para ele dum certo modo. João nunca tivera medo de ninguém nem de nada. Mas dessa vez ficou um pouco embaraçado. Por acaso, João até o conhecia, porque era seu primo, mas nunca tinha reparado bem nele. Já há muito tempo que não o via. E agora apresenta-se-lhe diante dos olhos de maneira diferente.

 

E então João começou a pensar consigo mesmo: «Não me digam que é ele mesmo! Será mesmo verdade que é ele o rei de quem tenho falado a toda a gente?». Mas, depois de se recompor do embaraço, João disse: «Se és tu, então o que é que fazes por aqui? Tu não precisas de te baptizar. Só é baptizado quem precisa. Nós, pobres pessoas, é que temos de ser baptizados. Eu é que devo ser baptizado por ti, e não ao contrário». Ao que aquele homem lhe respondeu: «Deixa estar. Não te compete a ti dizer quem é que deve ser baptizado ou não. Faz o que tens a fazer, porque assim é que tem que ser».

 

Esse homem vinha de Nazaré. O seu nome era Jesus. É partir desse momento que Jesus vai começar a sua actividade pública em todo o Israel. Como sempre, contraria as expectativas das pessoas. Não se preocupa com campanhas de publicidade. Não faz sinais extraordinários para fazer valer os seus direitos. Não está preocupado com os grandes nem com parecer uma pessoa importante. Começa a sua actividade pelo povo. Mistura-se com o povo simples, passando por uma pessoa normal, como outra qualquer. Sujeita-se até a um acto público de penitência...

 

Esse gesto de Jesus se submeter ao rito do baptismo no Jordão deve ter calado tão fundo que todos os evangelistas se referem a ele. Já não acontece a mesma coisa, por exemplo, em relação ao seu nascimento, que é referido apenas por dois evangelistas. Este Jesus, de facto, continua a manifestar-se duma forma estranha aos seus contemporâneos. Sim, que o Messias por quem toda a gente esperava, se manifeste publicamente dessa maneira, é realmente estranho.

 

Para os que tinham uma ideia política e guerreira do Messias, é uma forma impensável de se apresentar. Os que esperavam que o Messias era quem vinha libertar Israel do poder dos romanos, achavam ridículo que ele se sujeitasse a uma coisa sem importância nenhuma, como era o baptismo de João Baptista. O que tinha a fazer era preparar bem uma estratégia e não estar a dar importância ao que João Baptista andava a dizer lá nas margens do Jordão. Segundo a opinião deles, o que o Messias tinha a fazer era preparar o caminho e, nas circunstâncias mais favoráveis, tomar o poder o mais depressa possível...

 

Por seu lado, os que esperavam um Messias de características mais espirituais que temporais, também aquele gesto de se fazer baptizar por João era estranho e incompreensível. Isso significava que o Messias era como um outro qualquer e era até inferior a João Baptista. Ora, isso era ridículo. Aquele que vinha tirar os pecados do povo, como proclamava João Baptista, não podia estar sujeito ao pecado. Isso era demais! Ou então estavam a ser pura e simplesmente enganados!...

 

E – lá está! – mais uma vez, Deus continua a surpreender. E continua a surpreender-nos a nós hoje. Nós bem gostaríamos de ser capazes de explicar tudo o que há de estranho no Evangelho, mas nada feito. E continuamos a fazer a pergunta que os seus contemporâneos fizeram também: Porque é que Jesus se sujeita ao baptismo? Os teólogos inventam mil razões, mas nós não somos teólogos. E então a única razão que para nós deve valer alguma coisa é a seguinte: Jesus, como Deus feito homem, é de tal maneira livre que bem pode fazer os gestos que quiser sem ter que dar explicações a ninguém.

 

Se nem nós queremos dar contas a ninguém do que fazemos, porque é que Deus há-de dar conta dos seus actos? Fazer-lhe uma pergunta dessas não será presunção da nossa parte? Constatamos, pois, que Deus tem maneiras de proceder estranhas. E constatamos também que Jesus Cristo tem exactamente a mesma forma de actuar. É a nossa reacção habitual: pensar sempre que há algo de estranho. Pois bem, a meu ver, nós temos essa reacção por um motivo simples que, no fundo, é sempre o mesmo. Não se sabe bem porquê, nós consideramo-nos sempre como ponto de referência. Ou seja, os outros são bons ou maus conforme se ajustam ou não aos padrões que nós próprios estabelecemos.

 

Infelizmente, temos também a tendência a aplicar os nossos padrões de bem e de mal, de justiça ou injustiça, ao procedimento de Deus. Ou seja, achamos que Deus devia agir assim ou assado, conforme nós próprios vemos as coisas. Como se nós fôssemos as pessoas mais inteligentes deste mundo e arredores e como se Deus tivesse que se sujeitar à nossa maneira de ver as coisas! Creio que é este o nosso principal erro. Mas, se formos capazes de ultrapassar esta nossa maneira de entender as coisas, então se calhar já não nos admiramos tanto da maneira de agir de Deus. É, pois, fundamental que sejamos capazes de pôr como metro de tudo a Deus, e não a nós mesmos. Nessa altura, tudo se torna mais fácil...

 

Repito que todos somos inteligentes. E poderá haver até circunstâncias em que nos saímos bem. E haverá talvez acontecimentos que fazem com que nos convençamos que somos umas grandes pessoas. Pois bem, atenção! Talvez esses sejam momentos diabólicos. Então, teremos que aprender de João Baptista: «Não senhor, não sou eu o Messias. Eu nem sequer sou digno de lhe desatar as correias das sandálias. Ele sim, Ele é que o Messias e só Ele é que pode salvar!».