1. DEPOIS DOS TRINTA...
 

 

Como me parece evidente da conversa anterior, Deus faz coisas estranhas. E a mais estranha delas foi o ter-se feito um de nós. Mas também disse que Ele lá deve ter tido os Seus motivos. E teve. E são motivos muito sérios, porque os motivos de Deus são sempre sérios. Passou por todas as etapas do crescimento humano, até se tornar um homem adulto de cerca de trinta anos. Porquê tanto tempo? Não sei, mas que Ele teve as suas razões... quanto a isso, não há dúvidas. Mas não poderia ter sido doutra maneira? Claro que podia, mas não foi. Mas, se Ele escolheu essa maneira de proceder, é porque essa maneira é que estava certa...

 

À parte essa questão, o facto é que, chegado mais ou menos aos trinta anos, Jesus começa uma nova experiência. Como que sai do anonimato, deixando a terra onde se tinha criado, que era Nazaré. Chega um dia em que se despede de Maria, Sua mãe, uma mulher cansada e um pouco envelhecida pelas dificuldades da vida; uma mulher que tinha perdido José e que agora vai perder o filho que dava sentido à sua vida. Bem lhe terá custado (como custa a qualquer mãe a partida dum filho), mas Maria era uma pessoa que sabia dizer na devida altura uma frase que lhe dava muita paz: «Senhor, eu sou apenas uma criatura, sou a tua criatura. Pertenço-te totalmente. Faz, pois, como melhor te apraz. Tudo o que Tu fazes está bem feito. Seja feita a tua vontade».

 

Maria, no fundo, sabe que, apesar das aparências, o seu filho Jesus é um homem especial, tem uma missão específica. E por isso acha que, se Ele a deixa, é porque deve ter as suas boas razões. De resto, no fundo, essa é a atitude humana mais lógica. E Maria deixa o seu Filho completamente à vontade. Poderia eventualmente ter-se aproveitado da ocasião, porque, apesar de tudo, Jesus ainda teve os seus momentos altos. Mas ela não aparece. A popularidade não lhe interessa. Ela não se encarrega, por exemplo, das relações públicas, das reuniões sociais, para ajudar o seu filho; como fazem hoje as mulheres das pessoas importantes. Não, a vida de Jesus passou por ela, mas não era dela. A vida de Jesus era puramente e simplesmente dele e mais nada.

 

Seja como for, depois de cerca de 30 anos de vida escondida, chega o momento de Jesus. Ele vai manifestar-se, a partir de agora, aos seus concidadãos. Nós talvez estejamos a pensar que, em trinta anos, Ele terá tido tempo mais que suficiente para preparar um bom plano de acção. Nós próprios teríamos ido até ao grande Templo de Jerusalém e teríamos reunido todas as autoridades civis, militares e eclesiásticas para uma série de palestras de alto nível, para apresentar o nosso programa de acção. Quem sabe, até teríamos preparado uma boa campanha de publicidade. Enfim, organizaríamos um espectáculo bem montado para nos apresentarmos de modo convincente perante um público pasmado...

 

Só que descobrimos (e é uma pena!) sem grande dificuldade que nesse tempo não havia nem televisão, nem cinema, nem rádio, nem sequer um mísero jornal, para um espaço de publicidade. Um pouco de publicidade em horários nobres era êxito garantido. Pois é! Por certo inventaríamos mil maneiras de vender a imagem de Cristo. E pelas razões mais justas, como é evidente, acrescento eu... Mas, mais uma vez, os caminhos de Deus não são os nossos caminhos... Também hoje, se aproveita a figura de Jesus para obter êxitos financeiros, mas, seja como for, esse não é o Jesus que conta.

 

Bom, não julguemos que teríamos feito algo de único. Os que acompanharam Jesus no seu tempo não fizeram campanhas publicitárias, é claro. Isso pura e simplesmente não existia. Pelo menos com esse nome. Mas que pensaram em promover a imagem dele, lá isso pensaram. Até quiseram fazer dele um rei. E quem sabe se alguns dos «revolucionários» do seu tempo (que se chamavam Zelotas), no íntimo, não acalentavam mesmo a ideia de um dia ele poder vir a ser o grande rei de Israel, para se verem livres definitivamente do jugo dos romanos! E não só eles. Porque também entre o grupo das doze pessoas que Jesus escolheu havia a ideia de que eles um dia ainda iriam ser uma espécie de ministros do novo governo...

 

Eu dou comigo neste preciso momento a imaginar a Jesus perante todas as expectativas dos seus contemporâneos e até dos seus discípulos e apóstolos mais próximos. E estou a imaginá-lo a sorrir de piedade e a pensar. «Como estão errados a meu respeito»! E tem razão, porque, embora parecendo um homem qualquer, na realidade não o é. A sua estratégia é diferente de tudo quanto nós possamos imaginar. Ele não veio para ser uma pessoa importante desta terra. Se fosse para isso, não precisava de se fazer homem. Ele já era isso e mais tudo o que quisermos, porque era Deus (cf. Prólogo do Evangelho de S. João).

 

Disse-o e repito: Deus não se fez homem para ser uma pessoa importante. O que é isso de ser uma pessoa importante para o Deus criador de todo o universo? Ele veio, isso sim, para mostrar às pessoas que se pode ver a Deus sem morrer, mas viver e viver em cheio. Ele veio para que nós tivéssemos a certeza de que não são as importâncias deste mundo que contam, mas sim encontrar-se com Ele e viver eternamente uma vida que é a autêntica vida. Aliás, Jesus, um dia mais tarde, havia de dizer isso muito claramente: «Não vos preocupeis com o que haveis de comer, beber e vestir, mas procurai, antes de mais, o Reino de Deus; e o resto ser-vos-á dado por acréscimo». E, se Ele disse isso e não quis ser ninguém importante deste mundo, Ele lá terá tido as suas razões...

 

A mensagem de Jesus Cristo deixa muita gente desapontada. Muitos gostariam que Ele arrasasse tudo duma vez por todas. A sua mensagem reduz-se afinal a coisas bem simples. Só que se trata de coisas vistas com olhos diferentes. O que Ele quer é que vivamos como homens, mas vejamos as coisas de maneira diferente; diferente daqueles que não são capazes de aceitar que Deus é tão poderoso que se pode tornar parecido a um de nós, sem contudo deixar de ser o que é...

 

A mensagem de Jesus é uma mensagem decepcionante? Certamente, se continuarmos a pensar que nós é que marcamos o padrão de como as coisas devem ser. A sua mensagem é decepcionante se pensarmos que Deus deve é agir como nós pensamos que deve ser. Mas a sua mensagem só é decepcionante para quem se situa, como muitos no seu tempo, na expectativa dum Messias político e guerreiro, de um Deus todo-poderoso rodeado de anjos e arcanjos e toda a milícia celeste... Quando Deus veio viver a nossa vida, deixou para trás os anjos, os arcanjos e toda a milícia celeste.

 

Porém, nós, no fundo, não gostamos de ver um Deus sem esse aparato todo. Nós queremos um Deus espectacular. Mas os seus caminhos não são os nossos caminhos. E a dificuldade em aceitar Deus na nossa vida é sempre e fundamentalmente essa: fazer uma certa ideia dele e depois pretender que Ele se adapte a essa ideia que nós temos dele. Mas a verdade é que Ele já se adaptou à nossa maneira de ser. Nós não gostámos do que vimos, mas foi essa a maneira como Ele se quis manifestar. O Reino de Deus será construído à maneira dele e não à nossa. Não é o nosso reino que tem que se estabelecer, mas sim o reino dele; e à sua maneira.