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Quando uma pessoa quer contar um segredo a outra, não está a pensar de maneira nenhuma em grandes discursos ou lucubrações difíceis. Um segredo é algo que se diz ao coração e se diz da maneira mais simples possível. Não se tem a preocupação de estar a escolher as palavras nem os gestos. Ou melhor, o próprio instinto encarrega-se de fazer isso e de descobrir a disposição da pessoa a quem se quer contar o segredo. As palavras e os gestos adaptam-se às circunstâncias...
Pois bem! Num determinado momento da história, também Deus tem um segredo para contar aos homens. Eu não quero ser mal interpretado, mas temos que falar à nossa maneira, para nos entendermos. Os segredos são talvez o sinal mais perfeito da amizade e do amor duma pessoa para com a outra. Pois bem, também o grande segredo que Deus tem a contar aos homens é precisamente esse: é dizer-lhes que Ele ama os homens. É isso que Ele quer dizer ao coração das pessoas.
Quando nós queremos falar destas coisas, destes segredos, não vamos espalhar tudo aos quatro ventos. Falar de coisas como a amizade e o amor causa sempre alguma reserva. Eu quase diria que Deus também é muito reservado. Como que tem quase vergonha de falar destas coisas muito alto. É por isso que escolhe maneiras quase imperceptíveis de o dizer. É que Ele não quer assustar ninguém. Quer que as coisas se passem com toda a calma e tranquilidade. É assim e foi assim há cerca de dois mil anos.
É verdade. Deus, para não assustar as pessoas, apareceu muito de mansinho. Ele sabe que nós somos feitos assim. Então para nos dizer que nos amava, fez uma coisa inaudita. Uma autêntica loucura, acrescento eu. Fez-se homem, nascendo no seio duma família qualquer. Aí cresceu normalmente, como um rapaz qualquer. Ajudava em casa, estava com atenção a como trabalhava o seu pai José e fazia alguns recados; como qualquer outro garoto da sua idade...
É estranho um Deus assim, mas é a maneira como Ele actuou. E, quando saiu da sua terra para iniciar uma nova fase da Sua vida, as pessoas até notaram que tinha um certo sotaque do interior. Era natural. A sua vida tinha sido igual à de qualquer outro. Tinha sido tão normal que até as pessoas se admiravam: «Mas será possível que de Nazaré venha coisa boa? Onde é que Ele aprendeu tudo o que sabe?!». Pode causar estranheza que Deus não Se manifeste de maneira que ninguém tenha dúvidas de que é Ele mesmo, mas a realidade é essa.
Sabemos que, durante a sua vida pública, Deus, incarnado em Jesus Cristo, fez sinais extraordinários. Mas era isso precisamente: sinais extraordinários. Quanto ao resto, era tudo normal. Pode causar espanto, por exemplo, que Ele tenha vivido a maior parte da Sua vida terrena escondido, digamos assim, em Nazaré, como uma pessoa qualquer. Nós, claro, não teríamos feito assim... Então, havia tanto que dizer e que fazer e Ele fica-se assim em Nazaré?!
E curiosamente ainda há mais: Ele nunca se apresenta abertamente como Deus. Nesses trinta anos em Nazaré, Ele foi simplesmente um homem do povo. Viveu profundamente todas as etapas do crescimento, da luta pela sobrevivência. Tanto é verdade que uma vez até aconteceu um facto estranho: depois da multiplicação milagrosa do pão e dos peixes, quiseram proclamá-lo rei, mas Ele foi-se embora. Enfim, e em poucas palavras, temos que constatar que as suas atitudes são estranhas... segundo a nossa mentalidade de homens...
Esta maneira de proceder de Deus não nos cabe lá muito bem na cabeça. Nós estamos convencidos de que, se Ele se tivesse manifestado em toda a sua glória e esplendor, teria ganho toda a gente à sua causa. E até eu, quando me ponho a repassar os males e as injustiças do mundo, muitas vezes dou comigo a pensar que, se quisesse, Ele podia resolver tudo em dois tempos. Mas, mais uma vez, os seus pensamentos não são os meus pensamentos e os seus caminhos não são os meus caminhos (cf. Is 55,8).
Instintivamente, qualquer um de nós levaria tudo à sua frente, se tivesse o poder de o fazer. Ele pode e não o faz. Lá terá os Seus motivos... digo eu!... E a pergunta que eu volto a fazer é assim: se Ele se tem manifestado em todo o seu esplendor, teria ganho realmente toda a gente à sua causa?... Mas qual é a sua causa? Será a de subjugar tudo à sua vontade? É essa a questão. O que acontece é que Deus não quer subjugar ninguém. Talvez nos custe admiti-lo, mas Deus é Deus e quem sabe se os seus tempos e os seus planos não serão melhores que os nossos; ou seja, Ele sabe melhor do que nós o que é melhor. Não fosse Ele Deus!
Humanamente falando, Jesus Cristo não foi uma pessoa importante no seu tempo. Não foi nenhum guerreiro capaz de se opor à tirania dos romanos. Não foi nenhum artista ou escritor. Humanamente falando, Ele não foi nenhum sábio no sentido restrito do termo. E, no entanto, foi o homem que dividiu a história em duas partes, de forma que a vida de todos os outros homens, até os mais importantes, influentes e poderosos, se subjuga à expressão «antes de Cristo» ou «depois de Cristo». É estranho, se este é o adjectivo correcto, mas é assim. É isso, o nosso Deus é um Deus estranho. Mas, quem sou eu para poder dizer que Deus é estranho. Se Ele quis viver como um homem entre os homens, se calhar é porque assim está bem...
Se Deus se fez homem e viveu como um homem qualquer durante trinta anos, lá devia ter as suas razões! E, vendo bem, parece-me razoável admitir isso. Se até cada um de nós tem as suas razões, porque é que Deus não poderá ter também as suas? Amigo ouvinte, eu não lhe sei explicar estas coisas como deve ser, mas até tenho a impressão que a vida simplesmente que Ele levou ajudou as pessoas. Foi esse contacto que fez com que as pessoas simples depois O reconhecessem e aceitassem. Ele falava como um deles, falava a línguagem deles, conhecia a vida deles, os seus costumes, os trabalhos dos campos. E essa sua maneira de ser é a demonstração mais palpável que Deus é alguém de quem não devemos ter medo.
Havia no antigo Israel um ditado da sabedoria popular que dizia assim: «Ninguém pode ver a Deus sem morrer». E as pessoas realmente alimentavam esse receio; de tal maneira que nem sequer se atreviam a pronunciar o Seu nome. Mas Deus queria mostrar-se às pessoas, mas sem lhes provocar a morte. Ele não é o Deus da morte, mas sim o Deus da vida. Não só da vida física, mas de toda a vida, da vida considerada na sua globalidade. Então inventa essa maneira de se deixar ver, de se deixar tocar fazendo-se Ele próprio um homem como outro qualquer.
E vive como homem até às últimas consequências. Mas nem por isso deixa de ser Deus. Se, como sabemos, a Deus nada é impossível, então também Lhe é possível não parecer Deus. Bom, tudo isto é muito estranho, mas é o que está escrito na Bíblia. Ao tomar a incrível decisão de se fazer um de nós, ajuda-nos a descobrir uma coisa que é importante: que nós não morremos por ver a Deus, mas, ao contrário, vivemos para sempre, se O virmos.