1. A FÚRIA DE DEUS
 

 

Numa pequena escola judia, perdida na imensidão da Babilónia, o professor estava a repassar os temas com os seus alunos. E chegou a vez dum menino mais esperto. O menino repetiu como um papagaio todo o texto que tinha decorado: «Deus, o nosso Deus, conduziu Moisés e todo o provo pelo Mar Vermelho e depois pelo deserto. Mas o povo era desobediente. Por isso, o nosso Deus castigou-nos e é por isso que estamos aqui no cativeiro»...

 

O que o menino disse de cor não estava errado. Mas o professor ainda não estava contente com a resposta dele. Melhor, não estava mas é satisfeito consigo mesmo. E pensou assim: «Estas crianças só decoram alguns trechos. Os seus pais acham que eles devem saber tudo de cor, mas o que é que isso adianta»? Então, o professor perguntou ainda ao mesmo aluno: «Achas que a história de Moisés se poderia dar ainda hoje»? O menino olhou surpreendido para o professor. Achava a pergunta esquisita. E limitou-se a encolher os ombros.

 

«Ouvi, meus rapazes!» – continuou o professor – «Se Deus pode abrir um caminho no meio do mar, então não será também capaz de nos ajudar hoje? Eu acho que sim. Eu acho que não deveis pensar: ah, isso tudo aconteceu há muitos anos, mas nunca mais vai acontecer. Pois bem, se Deus começou a caminhar connosco há tanto tempo, não vejo por que não possa fazer o mesmo agora também. É só abrir os olhos. Lembrai-vos das minhas palavras: Deus vai abrir de novo um caminho pelo deserto que leva direito a Jerusalém». Toda a classe estava quieta. De repente, aquela aula de história tinha mudado. Era uma aula diferente das outras. «Era isso o que eu tinha para vos dizer hoje. Acabou a aula» - rematou o professor.

 

À noite, houve um encontro na escola. Era o dia em que se recordava a conquista da cidade de Jerusalém pelos inimigos. Era um dia triste. A um dado momento, aquele que presidia às celebrações pediu a palavra e disse: «Quem é que entregou os judeus nas mãos dos inimigos? Quem deixou cair o nosso país nas mãos dos ladrões e assassinos? Não foi o Senhor nosso Deus certamente. Mas não terá Ele permitido tudo isso para nos castigar, por não termos obedecido às suas leis»? E o seu discurso continuou mais ou menos nesse estilo.

 

Ao ouvir o orador falar dessa maneira, o professor, que estava sentado lá no fundo da sala, ficou furioso. E então levou-se e gritou: «Nós somos todos uns covardes. Não é verdade que Deus quer que as coisas sejam assim. Ele pode libertar-nos agora também, como nos libertou, no passado, quando estávamos escravos no Egipto. Mas, claro, Ele não nos pode libertar se não fizermos mais do que lamentar-nos. Deus só está à espera de que nos decidamos a fazer alguma coisa. Se realmente quisermos, a servidão terminará. Basta prepararmos bem os caminhos. Deus, que protegeu os nossos antepassados, também nos protegerá a nós»...

 

Todos olhavam estupefactos para o professor, que continuou a dizer: «Acreditamos que Deus é todo-poderoso, não é verdade? Porque é que então agora duvidamos dele? Temos que renovar a nossa confiança nele. Ele continua a querer proteger-nos. Disso não tenhamos dúvidas. Se quisermos, podemos voltar para a nossa terra; até porque a situação política agora é favorável. E aí podermos reconstruir, fontes, lavrar os campos, plantar árvores... Eu acho que temos que estar preparados para um futuro assim»...

 

Não sabemos o nome desse professor, mas todos lhe chamavam Isaías, porque gostavam muito dum profeta que tinha vivido antes e que tinha precisamente esse nome. E dizia coisas tão parecidas com as que dizia aquele profeta que até havia quem lhe chamasse também a ele Isaías. E dizia coisas espantosas, como estas: «Meus amigos, a Babilónia já não é o que era. Todos nós sabemos que agora o grande país poderoso já não é a Babilónia, mas sim a Pérsia. E eu, que percebo alguma coisa de história, posso afiançar-vos que o novo grande rei será Ciro. Eu estou convencido de que ele está prestes a chegar. E então poderemos voltar para a nossa terra. Ele vai vencer o rei babilónico e vai restituir-nos a liberdade...».

 

Não foi nada fácil convencer alguns, sobretudo os mais velhos, de que era possível dar a volta à situação. Mas o professor não desarmou, porque achou que era a altura ideal para insuflar um pouco de entusiasmo e optimismo nos seus concidadãos. E então, num outro dia, também durante uma festa, insistiu de novo no assunto; e, desta vez, com dados mais concretos. O fervor que tinha demonstrado a primeira vez explicava-se agora melhor. Com efeito, ele já antes tinha falado assim, porque se tinha sentido inspirado por Deus para o fazer. E agora vinha insistir novamente no mesmo. Embora não fosse um orador excelente, as pessoas escutavam-no com um certo respeito, porque tinham a certeza que sabia muitas coisas...

 

Pois bem! Nessa segunda reunião disse: «Concidadãos! Acreditai no que vos digo. Eu próprio ontem tive a inspiração de Deus de que vão acontecer coisas incríveis dentro em breve. Deus vai mesmo fazer com que o novo imperador da Pérsia, Ciro, ponha em prática um plano para nos libertar da escravidão. De resto, se acreditais que Deus pode tudo, porque tendes tanta dificuldade em acreditar que Ele é que manda nos homens, mesmo que eles sejam reis ou imperadores? Não podemos perder, portanto, a esperança. Agora, sim, vai começar de novo a nossa história. Vamos certamente voltar a Jerusalém...».

 

E o professor continuou: «Já estou a imaginar o futuro. Estou a ver os israelitas a voltar para a sua terra. Levantai o olhar. Despertai e enchei-vos de coragem, como antes. Vamos voltar para Jerusalém com cânticos de triunfo. Está para breve a libertação dos prisioneiros. Estão prestes os tempos em que todos cantarão todos à uma, porque o Senhor está para resgatar Jerusalém. Vamos procurar esquecer a nossa vergonha antiga e recobrar ânimo para celebrar a glória do Senhor!».

 

Infelizmente esse professor não teve a sorte de ver pessoalmente a promessa que fez. Mas um dos seus alunos, precisamente aquele que sabia tudo de cor, alguns anos mais tarde, teve a inspiração de falar ao povo da mesma maneira que o seu professor. Entre outras coisas, dizia ele: «Levantai os olhos e vede à vossa volta. Imaginai toda essa gente que, vinda de todas as partes, se reúne para ir para Jerusalém. Quando virdes tudo isso, o vosso coração palpitará de alegria. Arvorai o estandarte para convocar toda a gente, porque a salvação está prestes a chegar!».

 

Mais concretamente, esse professor apelava às pessoas para deixaram os caminhos do mal e da injustiça e o culto dos deuses dos babilónios. E, quando Ciro começou a vencer batalhas por toda a parte, este discípulo (que também ficou a ser conhecido como terceiro Isaías) começou a fazer ver ao povo que o tempo estava mesmo a aproximar-se e era preciso preparar-se para ele com todo o cuidado. Ele próprio teve a dita de ver a chegada desse dia glorioso, em que os judeus puderam, finalmente, voltar para a sua pátria. Graças ao rei persa Ciro ficaram livres dos seus inimigos.