1. TIRO PELA CULATRA
 

 

Assuero, rei dos babilónios, tinha casado com uma judia chamada Ester. Apesar de ela ser estrangeira, queriam-se muito bem. Mas a circunstância de Assuero ter casado com uma estrangeira contribuiu para que surgissem tentativas de tomar o poder. Um dia, por exemplo, Mardoqueu, tio de Ester, ouviu por acaso parte duma conversa entre dois homens lá no palácio: «... Mas isto tem que ser tudo muito rápido. Tu paras a carruagem ali. Então, no momento combinado, eu salto lá dentro da carruagem e, pronto, dou-lhe uma punhalada. Depois...».

 

Mardoqueu aproximou-se ainda mais para escutar melhor. Os que estavam a discutir sobre a morte do monarca eram dois homens de confiança do palácio: o comandante das tropas e o tesoureiro. Eram eles que planeavam matar o imperador. Mardoqueu não perdeu tempo. Mandou um recado urgente à sobrinha Ester para ir imediatamente ao jardim, pois o tio tinha uma coisa importante para lhe comunicar. E o tio contou-lhe ali tudo o que tinha ouvido. Ela, assustada, foi correr a avisar o rei do perigo que corria...

 

O comandante chamava-se Aman e há muito tempo que andava descontente; não só porque Mardoqueu não lhe obedecia, mas também porque o rei parecia favorecer os judeus e até tinha casado com uma judia. Por isso, ele tudo fazia para pôr o imperador Assuero contra os judeus, que não respeitavam as leis do país. Mas, pelos vistos, era um esforço inútil. Então, tinha resolvido usurpar o poder. Tinha chegado a altura de pôr o plano em marcha. E esta parecia-lhe uma ocasião de ouro para se desfazer dele.

 

Avisado por Ester, Assuero disse-lhe para ficar descansada: «Já sei o que hei-de fazer. Em todo o caso, acho que o teu tio foi muito gentil em me mandar avisar». No dia seguinte, que era o dia decidido para o atentado à vida do imperador, a carruagem saiu do palácio como sempre. Só que ele não ia lá dentro. Mas levava, em vez disso, alguns soldados escondidos. No portão, saltaram para fora e prenderam os encarregados de perpetrar o atentado. No entanto, Aman, o cérebro da operação, não estava lá, talvez por desconfiar que alguma coisa podia correr mal...

 

Há que dizer que Aman era muito trabalhador. Matava-se todo para recolher os impostos. Sabia organizar bem as coisas e, por isso, Assuero tinha-o encarregado de muitos negócios. Por isso, Aman era um dos homens mais poderosos do país. Quando passava pelas ruas, todos lhe faziam reverência. Mas havia pelo menos uma pessoa que não se curvava quando ele passava. Era Mardoqueu, que pensava e defendia que a gente só se devia curvar diante de Deus...

 

Perante a recusa de Mardoqueu, Aman resolveu arquitectar um plano para se vingar dele e de todos os judeus. Não se tinha provado que estivesse implicado no atentado ao imperador e, por isso, tinha as mãos livres. Mas, como a intentona tinha falhado, ainda ficou com mais raiva dos judeus: «Estes judeus… são um bando de preguiçosos! Ah, mas vamos desfazer-nos deles todos. E Mardoqueu vai ser o primeiro»! E, na manhã seguinte, Aman levou uma longa carta para a aprovação do rei. O rei perguntou: «De que se trata?». «Nada de especial» – respondeu Aman – «Trata-se de algumas pessoas que estão a dar muito trabalho e que é preciso eliminar». E o rei, sem ler o documento, assinou-o. Foi assim que foi autorizado que todos os judeus fossem detidos até ao fim do mês.

 

Mardoqueu chegou ao conhecimento desse documento e ficou desesperado. Não só por si, mas por todos os judeus. Pensou no assunto e depois escreveu uma nota à sobrinha Ester nestes termos: «Sabes o que vai acontecer? Pois bem, não julgues que vais ser a única a escapar só por seres mulher do rei. Quem sabe se não foi para nos salvar a todos que Deus quis que tu ficasses rainha? Agora é a altura de nos ajudar. Vai falar com o rei. Está em jogo a vida do povo a que também tu pertences. Um abraço do teu tio que te quer muito»...

 

Ester leu a nota, mas destruiu-a logo a seguir. Ela sabia que o seu tio tinha razão, mas também estava com um pouco de medo. Por fim, lá se resolveu. Vestiu o seu vestido mais bonito e foi para a sala de audiências. O seu coração batia arritmicamente. Ao vê-la, o rei disse-lhe: «Que há? Posso fazer alguma coisa por ti»? «Nada, não é nada!» – respondeu Ester – «Mas eu ficar-lhe-ia eternamente grata se amanhã viesse jantar comigo. Eu gostaria de prepara um jantar daqueles que vossa majestade gosta. Tem trabalhado tanto nos últimos tempos que bem merece que eu faça isso». Assuero aceitou todo contente.

 

Assuero não conseguiu pregar olho durante a noite. Isso acontecia-lhe de vez em quando. Quando tinha insónias, então entretinha-se a ler qualquer coisa. Naquela noite, caiu-lhe debaixo dos olhos o seguinte: «Fracassou o atentado contra o rei graças a Mardoqueu. Os responsáveis foram presos!»... E assim por diante. «É isso mesmo!» – pensou Assuero – «Mardoqueu salvou-me a vida. E, pensando bem, nem sei se recebeu alguma recompensa por causa disso! Tenho que ver isso amanhã durante o jantar»...

 

Aman, que fazia as vezes duma espécie de primeiro-ministro, acordou cedo. Tinha muito que fazer. Tinha mandado levantar uma forca na praça principal da cidade. Odiava os judeus, mas principalmente Mardoqueu que não se curvava perante a sua pessoa. Para além do mais, tinha sido convidado para o jantar e não podia faltar. Mas, antes disso, ainda queira enforcar Mardoqueu. Entretanto, Aman foi chamado pelo imperador: «Aman, o que farias para recompensar alguém que te salvasse a vida»? «Bem, acho que faria um desfile com duas bandas de música e muitos soldados em uniforme de gala. Atrás, viria o nosso herói acompanhado dum grupo de moças bonitas em parada!».

 

«Boa ideia!» – exclamou o rei – «Excelente! Por acaso soube dum tal Mardoqueu. Há tempos, ele salvou-me a vida e ainda não o recompensei. Então vai e organiza esse cortejo». Obviamente, Aman não esperava por aquela. Mas eram ordens do imperador. Procurou então disfarçar a raiva o melhor que pôde. Mas não conseguiu disfarçar totalmente. E o rei não deixou de notar algo de estranho na sua reacção... De qualquer forma, Aman não teve outro remédio senão mandar preparar mesmo uma festa a preceito.

 

À noite, houve então o tal banquete. Assuero comeu bem e bebeu melhor ainda. Depois, disse para Ester: «Ouve lá, não tens nada para me pedir? Dou-te o que quiseres». Ester começou a chorar e, entre soluços, foi dizendo: «Meu rei, tenho que lhe confessar que sou judia. Mas agora não posso esconder mais isto, porque todo o meu povo vai ser massacrado»! «Massacrado? Mas quem é que quer exterminar o teu povo»? «Esse aí!» – apontou ela para Aman. Aman foi então posto logo na prisão e a forca que ele preparara para Mardoqueu agora esperava por ele. Mardoqueu, por sua vez, estava orgulhoso da sobrinha... Logo a seguir a isso, foi publicada nova carta dizendo que os judeus tinham que ser defendidos quando fossem atacados.