1. UMA GRANDE MULHER
 

 

Os judeus no exílio sentiam-se impotentes para mudar o rumo dos acontecimentos. Em todo o caso, aproveitavam todas as circunstâncias para manifestar a sua desaprovação pela situação em que se encontravam, pois estavam a viver contra a sua vontade. Assim, sempre que tinham ocasião de se aliar com qualquer rei que achavam que os podia ajudar, não faziam muitas cerimónias. Quase nunca tinham sucesso, porque estavam na mó de baixo, como se costuma dizer, mas experimentavam...

 

Estou-me a lembrar duma conversa anterior, em que disse isso precisamente; que os judeus se uniam facilmente a outros, para se livrarem da perseguição. Aconteceu outras vezes. Vou refrescar a memória. Uma vez, por exemplo, sabendo que alguns reis vizinhos do reino de Judá não queriam obedecer ao omnipotente Nabucodonosor, os judeus uniram-se logo a eles para apoiar a revolta. Mas ainda não tinha chegado a altura de o rei assírio cair. E Nabucodonosor, irritado com tanto atrevimento, jurou vingar-se de todos. E então, depois de consultar os seus homens, chamou o seu general Holofernes e deu-lhe a seguinte ordem: «Marcha contra todos os reinos do Ocidente e sujeita todas as cidades fortificadas».

 

Os judeus que ainda viviam na sua terra (não os deportados, portanto), ficaram alarmados com a aproximação de Holofernes. Mas, mesmo assim, prepararam-se para o combate. Mas, entretanto, Holofernes foi avisado que os judeus estavam prontos para resistir. E ouviu também dizer que eles, com a ajuda de Deus, tinham conseguido escapar do Egipto. Mas os conselheiros do general não fizeram caso disso: «Quem é que disse que os judeus podem resistir ao rei Nabucodonosor e ao seu exército»? O próprio Holofernes dizia: «Eles que confiem lá no seu Deus. Nós vamos mostrar-lhes que não há outro deus para além de Nabucodonosor».

 

Então, Holofernes mandou cercar a cidade mais fortificada dos judeus, que nesse tempo era Betúlia. A cidade de Betúlia ocupava uma posição estratégica importante. Então os homens de Holofernes, avisados do facto, limitaram-se a cortar a água aos judeus. Assim, eles, depois de algum tempo, viram-se de tal maneira necessitados que começaram a revoltar-se contra os seus próprios chefes, que se recusavam a render-se aos assírios.

 

Dá-se o caso que havia em Betúlia uma viúva muito bela e rica. Todos a estimavam, porque tinha muito temor a Deus e não havia ninguém que falasse mal dela. Pois bem. Tendo ela chegado ao conhecimento de que o chefe dos judeus tinha decidido finalmente entregar-se aos inimigos, achou que devida intervir. Essa viúva chamava-se Judite. Mandou então chamar os chefes e disse-lhes mais ou menos isto: «Mas como é possível? Não se pode dar um exemplo desses aos nossos filhos. Então ides permitir que lhes aconteça o que aconteceu aos nossos antepassados que foram levados para o cativeiro e agora não podem prestar culto ao nosso Deus? Pois bem, se estais resolvidos a fazer isso, ao menos esperai mais três dias. Eu tenho uma ideia. Prometei-me então que, enquanto eu não regressar, não fareis nada»!

 

Judite lavou-se, tirou as suas vestes de luto de viúva, ungiu-se com um perfume precioso e pôs um diadema. Vestiu-se com os seus vestidos de gala, pôs braceletes, colar, brincos, anéis e todos os seus enfeites. Toda esta «toilette» provinha não de uma má paixão, mas da sua virtude. A seguir, mandou a sua criada buscar uns bons litros de vinho, um frasco de óleo, grãos torrados, figos secos, pão e queijo. E partiu em direcção ao acampamento do inimigo...

 

Ao chegar à porta de saída da cidade, ficaram todos admirados, mas ninguém lhe perguntou onde é que ia. Só o rei Ozias lhe disse: «Que o Deus dos nossos pais te dê força para que sejas a glória de Jerusalém e o teu nome seja contado entre o número dos santos e dos justos». Ao raiar do dia, eis que foi ao encontro dela uma patrulha de assírios que a deteve e quis saber para onde ia. Ela respondeu: «Sou judia e fugi deles, porque sei que eles vão cair nas vossas mãos. Por isso, pensei comigo: “vou apresentar-me ao príncipe Holofernes para lhe revelar os segredos dos judeus e para lhe indicar uma forma de conquistar a cidade sem perder um só dos seus homens”».

 

Levaram Judite à presença de Holofernes. Também este ficou encantado com a sua beleza. Ela prostrou-se por terra e fez-lhe uma profunda reverência. Os criados de Holofernes levantaram-se e foram-se embora por ordem do general. E então Holofernes abriu o seu coração: «Repara, eu não faço mal a ninguém que se sujeite a Nabucodonosor». «Eu compreendo» – respondeu Judite – «juro pelo maior rei deste mundo que eu fugi dos judeus porque eles são gente que não teme a Deus. E Deus certamente vai castigá-los». Holofernes foi ouvindo a conversa de Judite e acabou por ficar extasiado. E fez menção de mandar logo preparar um banquete em sua honra. Ela começou por não aceitar uma honra dessas. Apenas pediu que lhe fosse permitido levantar-se de noite para fazer as suas orações ao seu Deus. Holofernes ordenou que a deixassem entrar e sair quando quisesse, durante três dias, para adorar o seu Deus.

 

No terceiro dia, Judite aceitou finalmente o convite para um jantar. Holofernes, entretanto, tinha mandado que, a uma dada altura, cerrassem as portas e os deixassem sós. O jantar foi animadíssimo e os presentes ficaram todos embriagados, incluindo Holofernes. Até que Judite ficou só com ele. Os receios que ela ainda tivera desfizeram-se bem depressa, porque Holofernes se deixou dormir profundamente por causa da bebedeira. Era este o momento por que Judite tinha esperado.

 

Judite então pediu força e coragem a Deus para cumprir a missão que a tinha trazido ao acampamento do inimigo. Pegou então numa espada que estava ali pendurada e, agarrando Holofernes pelos cabelos, cortou-lhe a cabeça dum golpe. A sua criada, que estava ali de vigia a tremer, meteu a cabeça do general num saco. Depois saíram ambas, como de costume, como se fosse para fazerem as suas orações. Atravessaram o acampamento, contornaram o vale e chegaram às portas da cidade de Betúlia...

 

Quando Judite e a criada se aproximaram da porta da cidade, juntou-se uma grande multidão ao redor dela. Depois de lhe abrirem as portas, mostrou aos perplexos judeus como o Senhor a tinha protegido durante toda a sua missão. Compreenderam então qual tinha sido o plano de Judite e, a partir desse momento, ainda ficaram a admirá-la mais do que antes. Era uma autêntica heroína nacional. Ao amanhecer, os judeus penduraram a cabeça de Holofernes nas muralhas da cidade para que todos pudessem recobrar ânimo.

 

E então cada um pegou nas suas armas e foram todos pelo morro abaixo dispostos a defender a cidade e o reino. As sentinelas inimigas correram para a tenda de Holofernes para receberem ordens. Não tendo ouvido resposta, entraram de rompante e viram o cadáver de Holofernes decapitado. Ao verem o acontecido, ficaram apavorados pela afronta que lhes tinha sido feita. Os soldados então não encontraram outra solução senão fugir. Os judeus então foram no seu encalço e mataram-nos a todos.