1. JEJUM E PENITÊNCIA
 

 

Entre os judeus que viviam no cativeiro da Babilónia, havia pouca confiança. Estavam sem esperança. Era preciso animá-los constantemente. A experiência da vida de tribulação e miséria levava-os a pensar que, afinal de contas, de nada valia ser bom, porque isso não garantia os favores de Deus. E então, para lhes fazer ver que não era bem assim, entre as muitas histórias, corria também uma que mostrava que a maneira de ver de Deus não é precisamente a maneira de ver das pessoas. Era a história dum sujeito chamado Job.

 

A história era assim. Havia um justo chamado Job, que temia a Deus e fugia do mal. Era muito rico e tinha muitos filhos e criados. Era o homem mais considerado do seu tempo. E os seus filhos eram também muito tementes a Deus e procuravam fugir do mal. Além do mais, davam-se todos muito bem. Em todo o caso, para evitar que algo de mal lhes acontecesse, Job oferecia frequentemente sacrifícios a Deus para Lhe pedir que os abençoasse...

 

Um dia, não se sabe por que motivo, Satanás apresentou-se diante do trono de Deus. Então, Deus disse-lhe assim: «Vês como o meu servo Job é bom e recto! Não há ninguém no mundo tão bom como ele!». Satanás respondeu ao Senhor: «pois, pois! Olha a grande coisa! Está bem na vida, concedeste-lhe todos os bens. Abençoas o trabalho das suas mãos... Mas experimenta tocar-lhe nos bens e vais ver como logo te amaldiçoa. Deixa-me a mim alguma manobra de acção e vais ver o que acontece»!

 

Deus concedeu a Satanás fazer o que quisesse a Job, desde que não tocasse na sua pessoa. Então, Satanás saiu da presença do Senhor e foi à sua vida; como se costuma dizer. E não é que, por coincidência, no dia seguinte, começaram as desgraças para Job?! Em várias circunstâncias desfavoráveis, preparadas por Satanás, morreram todos os seus animais e todos os seus filhos. Então Job rasgou o seu manto e rapou a cabeça e depois, prostrado por terra, exclamou: «Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei para ele. O Senhor mo deu, o Senhor mo tirou. Bendito seja o nome do Senhor!». E não proferiu nenhuma blasfémia.

 

Satanás teve que se apresentar de novo diante do Senhor. Então Deus disse-lhe: «Vês como o meu servo Job é um homem bom! Não há mais ninguém como ele na terra»! Satanás respondeu-lhe: «Pois é, mas a verdade é que ainda não lhe tocaste na pele! As pessoas tudo fazem para salvar a própria pele. Toca-lhe na carne e vais ver como ele se revolta contra ti!». Então o Senhor disse a Satanás: «Pois bem, fica à tua disposição, mas tens que lhe poupar a vida». Satanás então retirou-se da presença do Senhor e feriu Job com uma lepra maligna».

 

Foi então que a mulher de Job começou logo a protestar: «De bem te serve seres bom! Pois é, estás para aí a bendizer a Deus e, entretanto, estás mais morto que vivo. Se isso é vida, então bem podes agradecer ao teu Deus»! E outros familiares e amigos vinham sempre com o mesmo tipo de observações. Até que Job, ao contrário do que se diz, começou a vacilar. Tanto que, uma vez, chegou a amaldiçoar o dia do seu nascimento: «Deixe de existir o dia em que nasci e a noite em que foi dito: foi concebido um varão! Converta-se esse dia em trevas!». E, a partir desse momento, também ao contrário do que muitos dizem, houve muitas queixas.

 

De vez em quando, depois de conversar com pessoas que tinham uma visão da vida como a dele, Job vinha a si e arrependia-se do que tinha pensado antes. Mas vinham logo outros que começavam com os mesmos discursos derrotistas. E ele cedia novamente. Umas vezes com certa violência, outras com ar de derrotado. Entre outras coisas, dizia, por exemplo: «Ó Deus, mostra por que razão me afliges assim! Por acaso achas prazer em oprimir-me, em abandonar a obra das tuas mãos? As tuas mãos formaram-me e fizeram-me e agora vais aniquilar-me?»...

 

E assim se foi passando a vida de Job, que estava reduzido à miséria e à doença mais cruel e atroz. Havia sempre quem procurava aconselhar-lhe a calma e a paciência e quem, ao contrário, lhe dizia que não fazia sentido nenhum continuar a acreditar em quem, afinal de contas, ou não podia fazer nada ou então não queria fazer nada. E isso para Job era um outro tormento, porque não sabia realmente o que pensar. É certo que a calma que lhe recomendavam não resolvia os seus problemas de doente incurável. Mas, por outro lado, também os que lhe diziam que um Deus assim não podia existir não lhe davam nenhuma solução. Mesmo supondo que Deus não existisse, nem por isso os seus males deixavam de o atormentar. Portanto, tanto resolviam uns como os outros; ou seja, nada...

 

Job reclamava inocência, mas também isso de nada lhe valia. Ele tinha consciência de sempre ter procurado fazer o bem e de sempre ter procurado evitar o mal. E era verdade. Mas as desgraças não passavam. E era isso que muitos lhe lançavam em rosto. E simultaneamente diziam-lhe que, afinal de contas, não valia a pena confiar nesse Deus em quem ele acreditava. Por um lado, dava-lhe a impressão que tinham razão, mas, por outro, revoltar-se contra Deus também não resolvia nada. Já tinha experimentado e nem por isso os seus males se tinham ido embora.

 

Mas a doença era mais forte do que a capacidade de resistência de Job. Essa luta entre continuar a acreditar em Deus e deixar de acreditar era uma luta de todos os dias. Por vezes, resignava-se e dizia que era preciso ter paciência. Outras vezes, ao contrário, deixava escapar queixas amargas contra a sua sorte. E, um dia, chegou mesmo a pronunciar uma frase terrível, que era sinal de desespero e de descrença: «De que me serve e que vantagens tenho em não ter pecado»?

 

Até que, finalmente, o Senhor lhe responde: «Quem é que está a dizer mal da minha providência com discursos sem inteligência? Onde estavas quando lancei os fundamentos da terra? Diz-mo, se a tua inteligência dá para tanto... Quem é que pôs diques ao mar, para que não saísse do seio materno? Acaso alguma vez na vida deste ordens à manhã e indicaste o seu lugar à aurora? Fala se sabes tudo isso. De que lado habita a luz? Qual é o lugar das trevas? Qual é o caminho por onde se espalha o nevoeiro e por onde passa o vento do oriente? Diz-mo, se a tua inteligência dá para tanto... Quem és tu, para Me julgares?» (cf. Job 40,1ss).

 

Job então respondeu ao Senhor: «Eu sei que podes tudo e que nada te é impossível. Falei indiscretamente de coisas que superam o meu saber... Os meus ouvidos tinham ouvido falar de ti, mas agora, com esta experiência, viram-te os meus olhos. Por isso, retrato-me e faço penitência no pó e na cinza. Perdoa-me, Senhor, por não ter procedido bem!» (cf. Job 41,1ss).

 

A história de Job diz que, depois da prova, lhe foi concedido novamente tudo quanto tinha antes. Mas não é isso o que mais interessa.

Todo o livro de Job é sobretudo um tratado sobre o sofrimento humano; sobretudo, o sofrimento dos inocentes. E a mensagem do livro de Job parece-me clara.

A, esse propósito, eu recomendo a leitura desta estupenda peça de teatro, uma das mais belas de toda a Bíblia e que deve ser lida e interpretada precisamente como tal.