1. UM SUJEITO REZINGÃO
 

 

O capitão do navio em que seguia viagem Jonas era muito supersticioso. E, naquela noite, estava ainda mais nervoso. As condições atmosféricas não estavam lá muito famosas. Ele era um homem muito experiente de mar e sentia que ia desabar uma tempestade violenta. Entretanto, Jonas, pouco preocupado com isso, dormia calmamente lá em baixo no convés...

 

De repente, quase sem dar tempo para nada, começou o temporal. O mar ficou de tal maneira agitado que a embarcação se tornou frágil, embora fosse bastante grande. O perigo era extremo. Dum lado e doutro vinham ondas mais altas que o próprio navio. As junturas começavam a estalar. «Falta pouco para o barco se partir ao meio» – berrou o marinheiro que estava ao leme. A uma dada altura, ouviu-se uma ordem do capitão já desesperado: «Atirar com a carga ao mar!». Ainda o capitão não tinha terminado de dar as ordens e já os primeiros caixotes eram lançados ao mar.

 

Mas a tempestade não havia meio de amainar. O capitão já não sabia o que havia de fazer. Os marinheiros murmuravam orações desesperadas, mas de nada adiantava. A força do vento e das ondas parecia cada vez maior. Perante a fúria dos elementos, o capitão do navio fazia ou mandava fazer tudo o que lhe vinha à mente. E, a um dado momento, mandou procurar Jonas. Finalmente encontraram-no. Continuava a dormir regaladamente. «Tu aí!» – gritou o capitão – «Acorda! Não vês que estamos a naufragar? Estamos quase a afogar-nos e tu continuas aí a dormir tranquilamente?! Se Deus não nos ajuda, estamos perdidos!». «De que deus estás a falar?» – perguntou Jonas. «Sei lá!» – respondeu o capitão – «Nós invocamos tudo quanto seja deus, cada um o seu, mas... não há meio. Chegou a tua vez. Reza ao teu Deus para que nos livre da morte certa!»...

 

«O melhor é tirarmos à sorte!» – sugeriu um dos marinheiros, não menos supersticioso que o capitão. «Assim podemos ficar a saber quem é o culpado. Acho que é a maneira mais prática de resolver o assunto!». O capitão, desesperado, aceitou imediatamente a sugestão. E jogaram os dados. Quem tivesse menos pontos era o culpado. Jonas não se importava muito com o assunto, pensando consigo: «De certeza que o que está a acontecer não é por minha causa».

 

Jonas foi o último a lançar os dados. Como é fácil de adivinhar, o seu número foi o mais baixo de todos. Isso não podia ser coincidência. Todos olharam para ele. E Jonas confessou: «Sim, a culpa é mesmo minha. Fui desobediente. Eu sou judeu. O nosso Deus é o verdadeiro Deus que criou o céu e a terra e o mar. Ora, o problema é eu ter desobedecido. Pois bem, se quereis resolver o problema, atirai comigo ao mar». «Já que insistes!» – disse o capitão – «seja feita a tua vontade».

 

Mal Jonas foi engolido pelas águas, todos notaram uma mudança estranha. As ondas baixaram, a tempestade acalmou e as águas serenaram. Todos ficaram surpreendidos. Entretanto, no fundo das águas, surgiu o peixe mais terrível que Deus criara. E não esteve com cerimónias: abocanhou e engoliu Jonas. «Socorro, socorro!» – gritava Jonas. Mas era inútil: dali não saía som nenhum. Mas o que ele mais estranhou foi o facto de, apesar de tudo, ele ainda estar vivo dentro do peixe. E então deu consigo a pensar assim: «Eles atiraram comigo para o mar. De todos os lados só havia água e mais água. Mas, se estou vivo, é precisamente por este peixe me ter engolido. Bom, pelos vistos, não adianta mesmo nada fugir de Deus.

 

Passaram-se três dias. Ao terceiro dia, o peixe, chegado à beira da praia como que cuspiu Jonas para fora. Aí ficou aturdido durante cerca de uma hora. Mas agora a sua decisão estava tomada. Tudo aquilo tinha sido o sinal de Deus de que queria que fosse a Nínive. Quem me salvou foi ele, mais ninguém. Porque ninguém mais pode salvar assim desta maneira. Então lá se pôs ele a caminho de Nínive, a grande capital. Não tinha outra hipótese. Tinha que obedecer à voz de Deus...

 

Chegado à grande cidade, Jonas começou pelos subúrbios. Lá numa praça, no meio de lojas onde havia muita coisa à venda, ele começou a falar. O que podia ele dizer àquela gente? Que não gostava da vida na cidade? Que já tinha falado disso lá na sua terra? Que a cidade estava perdida se as pessoas não mudassem de vida? Tinha que ser. Ele não tinha vindo parar ali senão para isso. Mas os que o ouviam desataram a rir às gargalhadas. «O tipo está doido!» – era o comentário mais ouvido. Mas Jonas era possuído duma força estranha. Ele, que sempre teve medo, agora não. Nem sequer se importava que lhe chamassem doido...

 

Passaram-se assim alguns dias. E, depois dum mês, ele próprio ficou admirado. É que as pessoas começavam a prestar atenção ao que ele dizia. E mais convencido ficou quando ouviu alguns a conversar e a comentar: «Afinal, este homem tem razão. De facto, as coisas não podem continuar assim. É que a gente comum já não consegue levar uma vida como deve ser». E foram esses mesmos que acompanharam Jonas ao centro da cidade, onde se juntou uma grande multidão. Parou tudo pelas estradas. Eram coisas muito estranhas as que aquele homem estava a dizer...

 

Alguém foi contar ao rei o que se estava a passar; e as coisas terríveis que Jonas vinha dizendo. Quando todos esperavam uma reacção violenta do rei, ele acabou por concordar com o que lhe contaram. De facto, aquela cidade precisava duma mudança radical. O rei então subiu para a varanda do seu palácio e falou assim à multidão: «É verdade o que este homem está a dizer. Realmente, as coisas assim não podem continuar. Por isso, fica decretado que todos os que vivem nesta terra devem fazer uma pausa na sua vida para reflectir. Temos que viver duma maneira mais simples e arrepender-nos do que fizemos de errado na nossa cidade. Talvez então, sim, haja salvação para todos».

 

As pessoas dispersaram dali, mas a sua atitude interior agora era diferente. Fosse por superstição, fosse por qualquer outro motivo, o facto é que todos compreendiam que a situação era insustentável. Mas Jonas, o homem de Deus vindo de fora, tinha sido muito claro: não bastava apenas mudar de mentalidade; era preciso também mudar de atitude. Era preciso tomar qualquer medida concreta como sinal de arrependimento...

 

E a verdade é que os habitantes de Nínive demonstraram com gestos concretos a vontade que tinham de mudar completamente de vida. Até o próprio rei veio cá para fora vestido com vestidos de penitência. Jonas não desgostou do que viu e ficou contente. Não tanto pelas mudanças que estava a ver, mas sobretudo porque podia dizer que sempre valia a pena ser profeta. Os ninevitas ficaram todos profundamente impressionados com as palavras de Jonas. Este, por seu lado, saiu da cidade. Retirou-se para um pequeno monte para gozar do sucesso de que a sua missão se tinha revestido. Era perto da cidade. Daí poderia ver bem como as suas profecias se iriam cumprir. Ele tinha profetizado a ruína da cidade e sempre queria ver como é que tudo iria acabar.