1. TEMPESTADE E BONANÇA
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Os judeus na Babilónia, apesar de todas as dificuldades, procuravam viver em comunidades. Por outro lado, não gostavam muito de entabular conversa com a gente estranha que vivia no mesmo local. Os outros não eram judeus e eles, de alguma forma, tinham receio de se contaminar. Procuravam também continuar a viver, na medida do possível, como os seus antepassados. Só que, por mais que quisessem, com o passar dos anos e a mudança de gerações, acabava sempre por se verificar uma certa mistura e partilha de costumes e ideias...

 

No cativeiro continuava a haver os judeus fidelíssimos e ortodoxos. Mas, devido à mistura com outros, havia também judeus que faziam perguntas que o chamado bom judeu não se atrevia a fazer. Como, por exemplo: «Porque é que Deus se há-de interessar só por nós, judeus? Isso pode lá ser verdade!? Se fosse assim, então Ele cuidaria de nós, que somos poucos, e não de todos! Ora, isso não pode ser». E, nesse aspecto, tinham razão. A história e as tradições dos judeus tinham-nos levado a pensar que Deus só os protegia a eles. Por isso, essas perguntas eram pelo menos inconvenientes. Os próprios profetas falavam praticamente só de Israel e de mais nenhuma outra nação...

 

Seja como for, durante este cativeiro da Babilónia, houve pelo menos um profeta que não aceitou completamente a tradição, digamos assim. O seu nome tem a ver com o livro de Jonas. Jonas vivia numa cidade muito pequena. Ao sábado, dia de descanso para os judeus, lá estava ele batido ao pé do mercado, para se encontrar com as pessoas. Nesses encontros, criticava tudo o que lhe parecia errado. E desempenhava essa tarefa tão bem que alguns lhe começaram a chamar «profeta». Ele não gostava lá muito do nome de «profeta», mas o facto é que não conseguia libertar-se dele. Era uma espécie de alcunha, salvo seja, e não havia nada a fazer.

 

É verdade que Jonas lhes criticava os actos, mas os judeus em cativeiro gostavam dele, porque ao menos tinham um profeta. E isso já era uma grande coisa, porque assim lhes dava a impressão que estavam mais perto de Deus e, portanto, eram mais protegidos. Quer se tratasse de razões interesseiras quer se tratar de outra coisa qualquer, a verdade é que as coisas eram assim...

 

Um dia, houve uma festa e, portanto, havia um maior número de pessoas. Como o tempo estava a convidar, até as jovens saíram para a rua, enfeitadas mais do que era costume. Como era quase inevitável, algumas delas excederam-se. E Jonas, que viu aquilo, não perdoou: «Ora, vejam, meus senhores, o espectáculo! Olhem, aí vai uma que se julgue madame duma grande cidade. Todas estas loucuras são importadas da grande cidade, de Nínive, a capital. Nessa cidade, há sempre bailes e diversões. Por toda a parte, há lojas de luxo. Só se pensa em dinheiro e prazer. As pessoas não pensam nos outros. Só pensam em enriquecer cada vez mais. E, se for preciso, as pessoas não se importam nada de liquidar os outros. Ora, isso é imoral e não pode deixar de merecer castigo...».

 

A um dado momento, alguém dos ouvintes gritou: «Ó Jonas, pára de reclamar! Para que é que nos estás a dizer a nós essas coisas? Afinal, isso passa-se na capital. Porque é que não vais direito à cidade deles e lhes dizes a eles o que nos estás a dizer a nós»? «Eu?! De maneira nenhuma! Vocês julgam que eu sou doido? Ah, não, numa encrenca dessas é que eu não me meto. Mas uma coisa vos digo: não há-de demorar muito e essa cidade vai mesmo acabar. E o motivo é muito simples: o ambiente é imoral, e a injustiça insuportável. Está tudo de tal maneira que qualquer dia rebenta!...».

 

A previsão de Jonas sobre a destruição de Nínive deixou o pessoal um tanto confuso. Tanto que até quem o tinha interrompido antes lhe lançou em rosto: «Olha, Jonas, se tu fosses homem bastante, pelo menos ias avisar o povo daquela cidade sobre o que o espera! Já agora, aproveito para te dizer: se não prestas atenção às palavras que eu te estou a dizer, isso é lá contigo. Mas eu tenho a certeza que, depois, Deus vai ter contigo depois uma conversasinha particular!»...

 

Jonas ficou um pouco encabulado com o ouvinte. No fundo, quem o tinha interrompido tinha razão. Agora, o que não podia continuar era falar contra gente que não tinha culpa nenhuma do que estava a acontecer na grande cidade de Nínive. Claro que também entre os judeus havia pessoas que se pareciam com a gente da grande cidade, mas isso eram excepções. De facto, quem precisava mais das perlengas de Jonas eram na verdade os habitantes de Nínive.

 

Na manhã seguinte, bem cedo, Jonas voltou ao mesmo local. Vestia um belo fato e um capote bem elegante. E trazia também uma grande mala. Pediu uma bebida quente. Os presentes olharam para ele admirados. E um mais atrevido perguntou-lhe logo: «Olá! Que vem a ser isso? Com que então de viagem? Afinal, sempre vai até à grande cidade»? «Antes pelo contrário» – respondeu Jonas – «Sabe uma coisa?! Eu realmente gosto pouco daquela cidade. E tanto é verdade que vou partir mas é em direcção oposta. Resolvi viajar para fora do país»...

 

Jonas falava assim, mas, no fundo, aquilo não passava dum engano. Tanto para os outros como sobretudo para si mesmo. Lutava contra a ideia de ir a Nínive, mas de pouco lhe valia. A ideia não lhe saía da cabeça: «Deus quer mesmo que eu vá àquela grande cidade, para avisar o povo do que está prestes a acontecer». Mas, por outro lado, o instinto levava-o a fugir. Ele sabia que essa não era a atitude correcta, mas o que ele queria era uma só coisa: ir para bem longe, na direcção contrária àquela onde ficava a grande cidade de Nínive...

 

E, não obstante os apelos da consciência em contrário, preparou-se e partiu. Havia muita poeira no caminho. Jonas tossia que se fartava. E isso aumentava-lhe ainda mais o mau humor. Até que, finalmente, chegou ao porto. Embarcou num navio que estava de partida, subindo com todo o cuidado pela prancha. Mas notou logo algo de estranho. O capitão andava dum lado para o outro, todo nervoso, porque era muito supersticioso. Acontece com frequência que gente que não liga nada à religião seja muito supersticiosa. Seja como for, saíram do porto com vento favorável em direcção ao Noroeste.

 

Para dizer a verdade, Jonas atrapalhava bastante os marinheiros. E o motivo não tinha nada de especial. Era a primeira vez que Jonas viajava de barco e assustava-se exageradamente com aquela água toda, aquele mar imenso sem fim. E começou a protestar, porque não se sentia nada seguro. Por fim, lá ficou arrumado num lugar onde não causasse nenhum inconveniente. Pouco a pouco, foi-se habituando ao baloiçar próprio do barco e adormeceu tranquilo, procurando deixar para trás a ideia de voltar a Nínive... No fundo, embora o não quisesse admitir, era um fraco e um covarde. Não tinha a coragem de enfrentar aquela gente da grande cidade. Mas, o instinto era realmente mais forte. Estava firmemente decidido a nunca mais voltar à sua terra natal.