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Como sabemos, no tempo em que nasceu e viveu Moisés, os hebreus eram escravos do rei do Egipto. Nessa altura, foram construídos grandes monumentos, que ainda hoje são o orgulho desse país. Muitos anos mais tarde, os hebreus ficaram escravos dum outro rei: o rei da Babilónia. Ora bem, também nessa altura veio ao rei da Babilónia a ideia de fazer grandes construções. E, claro, nada mais natural do que servir-se dos escravos para proceder a essas construções...
Ora bem, corria nesse tempo, entre os hebreus, uma história que falava duma outra construção especial. Era a história da chamada Torre de Babel. Era uma história que tinha a ver com a própria história da Babilónia. Se, por acaso, estão a reparar, o termo Babilónia tem na sua raiz precisamente a palavra Babel. Se hoje o termo em português é sinónimo de balbúrdia e de desentendimento, isso deve-se também a essa história. Porque, em si e no fundo, Babel é um nome como outro qualquer... Mas dá origem a um povo.
Pois bem, pelo que se pode calcular, essa Torre de Babel era um monumento impressionante, desmesurado. Tratava-se de um monumento que os habitantes daquela região tinham construído em honra do deus da Babilónia. A este propósito, é interessante verificar que tanto o termo Babel como o termo Babilónia derivam desse deus que se chamava Baal... Esse monumento era uma torre em forma de grandes escadarias. E, quando as crianças judias perguntavam aos pais: «O que é esta torre tão esquisita?», os pais sorriam e então contavam a história que tinha acontecido milhares de anos antes...
E a história que eles contavam era mais ou menos assim. Há muitos, muitos anos, os homens desceram para a planície. E diziam assim: «Que tal se construíssemos uma espécie de montanha aqui na planície? Assim uma espécie de montanha que chegue aos céus? Assim, em cima das nuvens, pode morar o nosso Deus!». Muitos acharam a ideia interessante e acrescentavam: «E com esta obra vamos ficar famosos. Podemos reforçar as nossas posições se morarmos à volta da torre. Com a protecção do nosso deus mesmo aqui ao pé de nós, iremos ser indestrutíveis... Nunca ninguém nos poderá vencer!».
E começaram a trabalhar. O mestre-de-obras tinha preparado um grande plano. Marcou no chão um quadrado enorme; duns cem por cem metros. Começaram então a fazer tijolos que secavam ao sol. Traziam depois os tijolos até ao local da construção. E iam colocando pedras e tijolos em cima, por um processo engenhoso. Uniam tudo com pez bem quente. De degrau em degrau, iam subindo cada vez mais alto. Todos tinham que trabalhar: uns a transportar tijolos, outros a levá-los para cima, outros a colocar tudo segundo as regras da construção. E as mulheres também trabalhavam e preparavam a comida e a bebida. Enfim, toda a gente trabalhava...
A construção ia subindo cada vez mais. O mestre-de-obras animava toda a gente: «A torre vai ser como uma enorme escadaria que nos vai levar ao nosso deus! Para a frente, cidadãos!» – berrava ele de vez em quando. Mas Deus ainda não tinha reparado bem naquela azáfama toda. Até que um dia, olhando ao seu redor, finalmente descobriu a torre de que os homens se orgulhavam tanto. Então pensou: «Mas porque é que será que a gente não faz aquilo que devia fazer? Porque é que, em vez disto, não fazem casas para morar? Porque é que não se preocupam uns com os outros, em vez de estarem a construir uma coisa que, afinal, é inútil? Para que é que eles quererão uma torre destas? Se calhar, até acreditam que Eu vou morar mesmo ali!»...
Seja como for, o que é certo é que as pessoas, durante vários anos, só se preocuparam com a sua torre. Estavam tão absorvidos com esse empreendimento que já nem sequer conversavam entre si. Os pedreiros não falavam com os serventes e os serventes nem sequer olhavam para os que traziam os tijolos. Por seu lado, o mestre-de-obras já estava velho e quem fazia o serviço eram já os seus ajudantes. Cada grupo de trabalhadores ainda lá se iam entendendo, mas não ligavam nada aos outros grupos. E, como é natural, começaram também a aparecer os desentendimentos. Faltava a coordenação e cada um queria ser mais que os outros. De maneira que, a uma dada altura, as obras começaram a emperrar...
E estes desentendimentos começaram a acontecer todos os dias. A situação piorava de dia para dia. Alguns, para evitar problemas, preferiam desistir. Por isso, havia cada vez mais gente que abandonava o serviço, furiosa com toda a confusão que ali reinava. E assim se explica por que a torre nunca foi acabada. Quando os muros rachavam por causa da chuva, ninguém se preocupava com a reparar. No fim, acabaram por desistir todos. E até os arbustos começaram a nascer e a crescer nas frinchas. E assim acabou por ficar para a posteridade apenas um montão de pedras e tijolos...
Ora bem, o amigo ouvinte é bem capaz de estar a pensar que a história que eu acabei de contar não é exactamente como a que encontramos na Bíblia. Tem toda a razão. Agora, o que eu penso é que não nos devemos preocupar tanto com a exactidão dos factos como com a mensagem. Permita-me que esclareça que não é a letra que nos interessa em primeiro lugar. O que nos interessa (ou, pelo menos, o que nos deve interessar) é a mensagem. Tanto da versão que eu contei como da versão bíblica. Como é óbvio, a construção duma torre assim não tem qualquer sentido. Temos que procurar, pois, descobrir qual terá sido a intenção do autor ao descrever semelhante episódio.
Ora bem, o que os estudiosos destas páginas da Bíblia dizem a respeito da Torre de Babel pode resumir-se no seguinte: a soberba dos homens, que não só pretendem ser como Deus, mas também pretendem «aprisionar» Deus num local determinado, não pode senão ter consequências funestas, porque Deus não se pode aprisionar. O autor sagrado pretende, pois condenar o esforço humano de criar um império mundial contra os planos de Deus. Com uma descrição dramática e antropomórfica como a da Torre de Babel, o autor polemiza contra a convicção de que o mundo pode ser construído independentemente de Deus. E, neste sentido, a narração ou história da Torre de Babel é actualíssima para os homens de sempre.
Se se pensar que a Torre de Babel, como outras, é uma história para transmitir uma mensagem, então já não é preciso preocuparmo-nos tanto com alguns pormenores. Como, por exemplo, o da divisão das línguas. Era já para as pessoas desse tempo um facto que havia múltiplas línguas. Essa história ajuda um pouco a explicar, embora realmente não seja essa a finalidade da história.
Quando se lê uma destas histórias, não é preciso procurar a convergência de todas as palavras e frases. Nessa perspectiva, a divisão das línguas, mais do que uma explicação da diversidade das línguas, é um símbolo para acentuar o desentendimento entre as pessoas. Então a conclusão é simples: sem entendimento, não é possível chegar ao fim de nenhum plano ou projecto; o que há é violência e anarquia. É isso em resumo o que significa a história da Torre de Babel.