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Depois de terem feito a sua escolha, Adão e Eva tiveram que deixar o jardim onde viviam sem preocupações. A partir de agora, era necessário começar a tratar da vida. Foram então procurar um lugar onde morar. Juntos construíram, num lugar onde havia sombra e água, uma cabana...
Como regra, Adão saía para ir à caça e trazia o que encontrava para casa. A vida era dura. Tanto Adão como Eva tinham que trabalhar muito para viver. Mas, apesar de tudo, juntos, lá iam vivendo. Podiam conversar, podiam consolar-se mutuamente e descansavam também. Quando as noites ficavam frias, aconchegavam-se um ao outro.
Quase um ano depois, Adão e Eva tiveram um filho. Cheia de orgulho, Eva dizia: «É um filho varão e foi-nos dado por Deus». Foi por isso mesmo que eles lhe chamaram Caim. E assim a vida continuava entre trabalhos e dificuldades. Depois, tiveram mais outro filho. A esse filho chamaram Abel. Caim era agricultor e Abel era pastor. É isso o que nos conta a história... De vez em quando, os dois irmãos discutiam. Quando, por exemplo, algum cabrito de Abel entrava pela hora de Caim e lhe roía alguma verdura. Sendo o filho mais velho, Caim achava-se no direito de dar ordens ao mais novo. Além disso, pensava: «Se eu nasci primeiro é porque Deus está comigo». O que é verdade, porém, é que Caim tinha um carácter primário, era irritadiço, enquanto Abel era a bondade em pessoa, a simplicidade, a inocência. E gostava também do irmão Caim...
Havia uma época do ano em que se prestavam actos de culto especiais a Deus. Um dia, Caim pegou numa cesta e encheu-a com alguns restos do que tinha lá na dispensa. Era para oferecer um sacrifício a Deus. E, ainda por cima, estava muito ufano de si: «Devolvo isto a Deus, para Ele ver como Lhe estou grato por tudo o que me deu». Também Abel achou boa a ideia de oferecer um sacrifício a Deus. Então resolveu também ele fazer uma oferta ao Senhor. Foi então escolher o cordeiro mais bonito que tinha e apresentou-o ao Senhor. Ou seja, ofereceu ao Senhor o melhor do seu rebanho, ao passo que Caim ofereceu ao Senhor o que não prestava...
Compreendemos como natural que Deus tenha olhado de bom grado para a oferta de Abel e tenha rejeitado a de Caim. Então Caim ficou todo envergonhado. Mais: deixou-se encher de ciúmes e de ódio contra o seu irmão. E dizia de si para consigo: «Deus prefere Abel. Gosta mais de Abel do que de mim! Pois bem, se assim quer, que assim seja!». Cerrou os punhos e baixou a cabeça. Mas aquilo ficou a moer-lhe lá dentro. Então Deus perguntou-lhe: «Porque é que estás com essa cara tão feia e cheia de ódio?» Mas Caim afastou-se de Deus a correr...
Caim tinha a sua fisgada. Um dia, foi ter com Abel ao campo. A princípio, falou-lhe com toda a amabilidade. Mas depois acabou por demonstrar o que realmente lhe ia lá por dentro: «Abel, vem ali comigo!». Abel, sem desconfiar de nada, foi, julgando que Caim lhe queria falar por bem. Mas, quando chegaram à cabana, aconteceu algo de terrível. Caim deitou-se ao irmão e matou-o ali mesmo. Depois deste gesto tresloucado, Caim não sabia de que terra era. Não sabia para onde ir. Como não tinha sido visto, ninguém lhe podia fazer mal e, no entanto, fugia. Não queria encontrar-se com ninguém...
Mas, se calhar, mais do que das pessoas, Caim fugia de Deus. Mas Deus veio ao seu encontro e disse-lhe: «Caim, Caim, onde está o teu irmão?». Ao que ele respondeu aborrecido: «Ora, sei lá eu! Que é que tenho eu a ver com a vida do meu irmão?». Mas Deus não o deixou continuar: «Claro que tens a ver com isso! O que é que fizeste, Caim? Há sangue espalhado pelo chão e não pode ter sido mais ninguém senão tu! Como é que queres que ainda te proteja depois do que fizeste?». Perante isto, então é que Caim quis fugir mesmo. Mas, apesar de tudo, Deus não deixou de o proteger, como que a querer dizer: «Só porque alguém mata um homem nem por isso alguém se pode vingar dele matando-o também». E Caim, de facto, começou uma vida de vagabundo, mas continuou vivo.
Adão e Eva tiveram mais filhos, embora a Bíblia só faça referência a mais um. De qualquer forma, a intenção do autor ao referir-se a isso é dizer que, por causa da morte de Abel, nem por isso a humanidade ia deixar de existir. A protecção que é concedida a Caim (e o autor usa para isso a imagem do sinal na fronte de Caim) é o sinal evidente de que Deus continua a ser providente; apesar dos defeitos e da maldade do homem.
Amigo ouvinte, já agora, permita-me que aproveite para explicar algumas coisas sobre a linguagem especial dos primeiros capítulos da Bíblia. Nas histórias bíblicas que tratam das primeiras coisas e dos primeiros tempos da humanidade, não se pode tomar tudo à letra. O importante é ver qual é a intenção do escritor e qual o género de linguagem. É evidente que, quando a gente diz, por exemplo, «o sol já nasceu», ninguém está a fazer uma afirmação científica, mas apenas a utilizar uma linguagem coloquial. Sendo assim, não nos custará nada a compreender que a linguagem da Bíblia tem sobretudo uma intenção coloquial e assim deve ser interpretada. Por outras palavras, a finalidade da bíblia é ajudar o homem a pôr-se em contacto com Deus. Para isso, serve-se da linguagem normal das pessoas. Nesse sentido, a linguagem simbólica, como é a dos episódios bíblicos, é perfeitamente legítima.
Então isso quer dizer que as histórias contidas na Bíblia são histórias falsas? É uma conclusão pouco lógica. História ou histórias não é igual a falsidade. Histórias são histórias, digo eu, e como histórias devem ser interpretadas. A mensagem não é falsa de maneira nenhuma, embora esteja encerrada em elementos literários muito especiais. Retomando o exemplo, quando eu digo que o sol está a nascer, estou a dizer uma falsidade? De maneira nenhuma, embora não esteja a usar uma linguagem científica. É isso o que faz também a Bíblia.
Mais em concreto, a história de Caim e Abel cai dentro desta categoria. Diz-nos a história que Caim era agricultor e Abel pastor. Mas está mais que provado que tanto a pastorícia como a agricultura apareceram vários milhares de anos depois do aparecimento do homem? Então em que é que ficamos? Pois bem, o autor da história usa simplesmente os elementos que são do seu tempo e transfere-os para milhares de anos antes. Mas isso não inutiliza a validade da mensagem. E a mensagem, em poucas palavras, é demonstrar às pessoas que a violência é um dado com o qual todos temos que viver, porque vem já desde o início da humanidade.
Concluindo, a história de Caim e Abel (bem como outras) não se deve tomar como uma reportagem jornalística, mas sim como uma mensagem de cariz religioso. E a mensagem é clara: o efeito da primeira revolta contra Deus (a de Adão e Eva), é a revolta contra os outros homens. Caim é o símbolo do que há de negativo em nós, enquanto Abel é o símbolo da bondade e da inocência, que existe também em cada um de nós. Mas, apesar de tudo, podemos ainda triunfar, porque Deus nunca nos abandona.