1. OS PRIMEIROS HOMENS
 

 

Vivendo como prisioneiros na Babilónia, os judeus mantinham a sua fé e coragem contando histórias do passado mais ou menos longínquo. Pois bem! Havia, por exemplo, a história de como apareceram as primeiras coisas; e também de como apareceu a vida. Também havia uma outra história que as pessoas contavam naquela época e era a história de como tudo começou entre Deus e o homem. Esta história diz que Deus fez uma visita ao primeiro homem e conversaram...

 

Claro que as pessoas que contavam estas e outras histórias sabiam muito bem que ninguém pode dizer como é Deus. Essa era uma maneira de tornar a Deus presente na vida das pessoas. Os que as contavam tinham também a esperança de que as pessoas se parecessem um pouco mais com Deus, que é bom. E esperavam também que Deus os viesse visitar agora a eles, para poderem ter uma ideia de como libertar-se dos males que estavam a sofrer...

 

Então, os judeus desse tempo tinham uma história que era assim. No início dos tempos, Deus desceu à terra para ver como iam as coisas. A história diz que Deus pegou num pedaço de barro e modelou a figura dum homem. Depois, soprou-lhe pelo nariz e assim deu-lhe a vida. E o homem respirou fundo e, ao abrir os olhos, ficou todo maravilhado com o que viu. Deus tinha feito tudo para lho mostrar e para que ele pudesse viver feliz e contente. E Deus disse: «Tudo isto é para ti!». E Adão – assim se chamava o primeiro homem – olhou e gostou do que viu.

 

O homem estava muito admirado com tudo, mas estava triste. Deus então pensou: «Coitado! Está muito só. Precisa de alguém semelhante a ele, que lhe faça companhia, com quem ele possa conversar e viver». Então Deus fez os animais. Levou-os para junto do homem, para ver como é que ele lhes iria chamar. Assim, por exemplo, o homem dizia «leão» e, daí por diante, esse animal era o leão. Dizia «cão» e era assim que esse animal se chamava. Dizia «burro» e era assim que se chamava esse anima. E assim por diante...

 

Mas o homem acabou por se cansar. Ainda se sentia sozinho. Não havia mesmo ninguém semelhante a ele. Não havia nenhum animal com quem pudesse conversar. Nem sequer o macaco. E, aborrecido, deitou-se e adormeceu. Então Deus disse: «Não, o homem ainda não está contente. E Eu também não estou. Não é bom que o homem esteja só». E então, durante o sono de Adão, Deus fez aquilo com que o homem sonhava. Fez outra pessoa que podia ajudar Adão, outra pessoa com que podia ficar e conversar. E entenderam-se logo. Era como se fossem uma e a mesma pessoa...

 

O amigo ouvinte deve estar a reparar que a maneira como contei esta história não é bem igual à que se encontra na Bíblia. Mas isso não quer dizer que a forma ou a maneira de contar seja a coisa mais importante. Não. A maneira como se contam as coisas depende da capacidade de compreensão das pessoas. Ou seja, as histórias e a forma como são contadas dependem da preparação das pessoas. E, nesses tempos, não havia teorias – muito menos que tenham a ver com o evolucionismo - para explicar as coisas doutra maneira. De resto, e tenho que acrescentar, ainda hoje as pessoas gostam de histórias.

 

Muito provavelmente, quem me está a escutar neste momento e que sabe estas coisas acha que esta narração é um pouco ridícula e infantil. Não discuto isso. É muito provável que assim seja. Mas uma coisa é certa. Há certas formas literárias que são muito mais fáceis de reter do que outras. E uma das formas literárias que se fixam mais facilmente é certamente a história. Daí o motivo por que o próprio Jesus, na Sua pregação, usava histórias e comparações para ajudar os seus ouvintes a fixar o que Ele dizia. O escritor que escreveu estas histórias sabia perfeitamente não podia usar palavras difíceis. É, pois, absolutamente legítimo utilizar narrações deste género para dizer o que tinha a dizer. Aqueles que as lessem compreendiam com toda a facilidade que não se tratava de tomar tudo à letra. Compreendiam que não era essa a intenção do autor, mas que era necessário extrair o conteúdo, a lição, a mensagem.

 

É evidente, por exemplo, que pôr o nome dos animais não foi assim tão simples como a história que contei dá a entender. De resto, quem é que hoje, no nosso século, sabe como é que isso aconteceu? É também evidente que ninguém sabe como é que o homem apareceu sobre a terra. As teorias que falam da evolução a partir de animais marinhos ou outros provam tanto como a convicção daqueles que defendem com unhas e dentes que o homem foi realmente feito de barro. Mas ao menos a imagem do barro tem o condão de dizer que o homem é um ser frágil e que, depois da morte, aos poucos fica reduzido a pó. O autor nem sequer pensou nesse assunto, mas a simbologia está lá. O que ele quis dizer é que Deus interveio na criação do homem, como interveio na criação de tudo.

 

Resumindo o pensamento, a grande verdade, a grande mensagem, a mensagem principal desta e doutras histórias é a seguinte: o homem apareceu na terra por intervenção de Deus. Directamente ou por evolução é outro problema que não tira a mensagem principal. Mas a história contém mais verdades ou mensagens. Por exemplo, contém a mensagem de que todas as coisas criadas têm um sentido enquanto relacionadas com o homem. Falando duma maneira mais simples: tudo foi criado e sujeito à inteligência, à vontade e aos sentimentos do homem. E o homem é capaz de dar sentido às coisas porque recebe o espírito de Deus.

 

A terceira grande mensagem – que ainda hoje temos muita dificuldade em aceitar – é a igualdade entre o homem e a mulher. Quem escreveu a história dos primeiros homens sabia perfeitamente que a mulher era tratada como inferior na sociedade em que o autor viveu. As coisas hoje já estão muito melhor, mas não em toda a parte e não tanto como seria legítimo esperar. De qualquer forma, diz o autor, no princípio não era assim.

 

A desigualdade entre o homem e a mulher não é querida pelo Criador... A Bíblia diz, utilizando o tipo de linguagem de que estamos a falar, que Eva, como ela chama à primeira mulher, foi feita a partir duma costela de Adão. Não é preciso ser muito esperto e letrado para concluir que se trata de uma linguagem simbólica, digamos assim. Tudo para afirmar pura e simplesmente que o ser da mulher é igual ao ser do homem. Em linguagem actual, é isso que basicamente é necessário reter daquele forma de dizer e escrever...

 

O facto é que, apesar das suas limitações, as narrações bíblicas sobre a criação do mundo e do homem, foram extremamente eficazes para transmitir a mensagem da criação. E essa mensagem, se calhar, sem esse tipo de linguagem, não teria chegado até nós. Na própria Bíblia há textos totalmente diferentes. E textos, particularmente S. Paulo e de alguns dos profetas, que não se conseguem apreender logo à primeira e que, por isso mesmo, não são conhecidos. Ao contrário, as narrações bíblicas dos inícios são universalmente conhecidas. E, pouco a pouco, felizmente, vão sendo interpretadas correctamente por toda a gente.