1. A CULPA É DOS OUTROS
 

 

Os judeus levados prisioneiros para a Babilónia cantaram as últimas novidades aos que já lá estavam. Contaram-lhes como Jerusalém, a capital de Judá, tinha sido invadida e devastada. Entre os vários episódios, um dia alguém contou um que era mais ou menos assim: «Nas linhas de combate dos nossos inimigos, havia soldados montados a cavalo, com arcos e flechas. Cada um deles era acompanhado por um rapaz que transportava mais flechas. E, mesmo ao lado vinha também uma espécie de protecção, uma espécie de muro, que transportavam numa estrutura que se movia sobre quatro rodas»...

 

Ele julgava que estava a contar aos presentes uma grande novidade, mas eles já sabiam. E já sabiam também que essa estrutura era uma forma de os soldados a pé poderem avançar contra os defensores sem serem atingidos pelas setas. Os presentes já sabiam, porque Ezequiel, que vivia ali com eles, lhes tinha contado o facto. Tinha-lhes contado a história não havia muito tempo e, por isso, eles lembravam-se perfeitamente.

 

«Afinal, quem é esse tal Ezequiel?» – perguntaram os mais novatos, ou seja, os que tinham sido os últimos a chegar. «É um homem todo especial. E, além disso, é um homem muito inteligente. Conta-nos sempre os seus sonhos estranhos. Antigamente, era sacerdote no templo de Jerusalém».

 

Um dia, uma delegação de novos refugiados políticos judeus foi visitar Ezequiel. Alguns dos outros acompanharam-nos. Todos estavam muito desanimados, coitados! A esperança que eles tinham não era nenhuma. As perspectivas para o futuro eram nulas. O que eles pensavam resume-se no seguinte: «Pronto, agora acabou-se! Já não há mais nada a fazer. Vão separar-nos uns dos outros e vamos morrer nesta terra estrangeira. A nossa nação nunca mais tornará a existir. Ao menos, se pudéssemos ficar juntos! Mas não há nada a fazer. De Jerusalém não sobrou mais que um monte de ruínas. Nunca, nunca mais, haverá lá mais nenhum templo para prestar culto ao nosso Deus».

 

Todos tinham perdido a esperança. Estavam quase desesperados. Bem, todos não. Pelo menos Ezequiel não estava. Era ele que animava toda a gente. Tinha uma maneira toda particular de dizer as coisas. Incutia ânimo e coragem. Falava com imagens. E muitas vezes contava sonhos e coisas assim. Mas a sua mensagem era de alegria e de esperança. Claro que não era fácil aceitar as suas palavras naquele ambiente de tristeza e desespero, mas ele lá ia aguentando um pequeno grupo de pessoas que acreditam nele. Aliás, foi ele que foi formando esse grupo...

 

Ezequiel tinha notado que os outros judeus iam sendo integrados na sociedade babilónica. A nível de multidões, não havia de facto muito a fazer. Tornava-se, pois, necessário seguir mais de perto um pequeno grupo. Para cuidar, digamos assim, de todos os judeus, seria preciso que houvesse muito mais gente disponível e capaz. E isso era o que não havia. De resto, como acontece também hoje, os líderes são sempre poucos. Por isso, o núcleo de pessoas com que se podia trabalhar era de facto o núcleo em que Ezequiel tinha uma influência decisiva.

 

A mensagem de Ezequiel era transmitida por meio de parábolas, imagens e sonhos. Essa era a única forma de se entenderem num país estranho e inimigo. Eis, em resumo, o que Ezequiel dizia às pessoas: «Eu vi em sonhos tudo o que o nosso Deus nos quer mostrar. Dantes, nós, como povo, éramos fracos como uma criança bem pequena. Precisávamos muito de Deus e Ele cuidava de nós com desvelo. Protegia-nos contra os inimigos e ajudava-nos nas dificuldades. Mas, depois, fomos crescendo e passámos à idade da adolescência. Julgámo-nos importantes. Achámos que já não éramos crianças e que podíamos viver sozinhos. E, assim, julgámos que podíamos passar sem Deus. E foi assim que O abandonámos...».

 

Nas circunstâncias, em que os judeus viviam, estas palavras de Ezequiel calavam fundo. E Ezequiel então, vendo a reacção dos que o ouviam, aproveitava para completar o seu pensamento: «Agora, é o que se vê! Está tudo nesta desgraça. Fomos vencidos, humilhados e trazidos para esta terra estranha. Nada mais natural. Quando alguém se julga tão importante e independente já não quer saber de ninguém para nada. É isso mesmo o que nos está acontecer. Estamos a pagar os erros que cometemos»...

 

Ezequiel, porém, não se ficava só no aspecto negativo. Isso seria alimentar as tendências pessimistas dos judeus prisioneiros. E então dizia também coisas positivas: «Nós agora estamos sob o poder de outros e, por isso, julgamo-nos os últimos de todos. Certo, o que nos aconteceu é culpa do nosso povo. Mas não podemos passar a vida a chorar o passado. É inútil. Temos é que continuar a viver. Temos que continuar a trabalhar. A história não pode acabar assim. Temos que saber aproveitar estes momentos dramáticos para compreender certas coisas. Não estou a dizer que o cativeiro é uma coisa boa. O que estou a dizer é que temos que aproveitar as circunstâncias para tirar as devidas conclusões e preparar o futuro... E uma das conclusões mais importantes que podemos tirar é a seguinte: agora é que sentimos como precisamos uns dos outros; agora é que sentimos que temos necessidade da nossa crença em Deus para podermos continuar a existir como povo...».

 

Em todo o caso, Ezequiel não queria alimentar fáceis ilusões. E, por isso, acrescentou logo: «Eu não sei como é que as coisas serão nem quando, mas estou plenamente convencido de que há-de chegar um dia em que poderemos ser novamente o povo de Deus. Pela maneira como eu vejo as coisas, o poder dos babilónicos não pode durar sempre. Eu vi em sonhos que vão vir outros poderes depois deste. Aliás, a história é mestra nestas coisas. Tem acontecido sempre assim. Porque não há-de acontecer também desta vez?...».

 

Ezequiel falava com muita frequência num tom de optimismo e alegria. Tinha que usar imagens e sonhos, para impedir que os inimigos descobrissem a sua actividade, mas o tom era esse. Um dia, por exemplo, contou o seguinte: «Eu vi em sonhos uma imagem que é assim. Era um vale muito extenso. Por todo o lado, havia milhares de ossos espalhados pelo chão. Então ouvi a voz de Deus que dizia: “Vou introduzir nos ossos o sopro da vida; sobre eles colocarei músculos, farei crescer carne que revestirei de pele e depois dou-lhes o sopro da vida”.

 

«Nesse momento, ouviu-se um ruído, depois um tumulto ensurdecedor, enquanto os ossos se iam juntando uns aos outros. Veio, depois, o espírito dos quatro cantos da terra sobre estes mortos. E estes endireitaram-se. Formavam como que um grande exército». Como sempre, as palavras de Ezequiel despertavam a atenção de todos. E então ele explicou o sonho: «Pois bem, isso representa toda a raça dos israelitas. Vamos, pois, camaradas, recomeçar de novo. Mas há mais: o templo será reconstruído e será ainda mais bonito e maior do que o outro. Eu até já fiz um projecto». E todos puderam ver o projecto. E assim, todos iam conversando sobre como iria ser a situação daí a alguns anos... Entretanto, Ezequiel ia percorrendo outras localidades para contar as mesmas coisas e para infundir coragem em todos os seus compatriotas.