1. HOMENS NO CATIVEIRO
 

 

Os prisioneiros de guerra marchavam tristes pelas ruas da maravilhosa cidade da Babilónia. À frente deles, seguiam soldados musculosos. Atrás, arrastando os passos, iam os judeus que tinham sido capturados: homens, mulheres e crianças. Ainda estavam todos apavorados. Tinham assistido impotentes à destruição de Jerusalém e ao incêndio do templo. Agora seriam obrigados a trabalhar como escravos para Nabucodonosor, imperador da grande Babilónia...

 

À beira das estradas, havia gente curiosa e sobretudo pessoas que tinham sido levadas para a Babilónia antes destes prisioneiros. Tinham vindo para ver se descobriam algum parente ou conhecido. Alguns perguntavam mesmo se sabiam notícias das suas famílias e se os seus parentes ainda estavam vivos. Tinham depositado tanta confiança na revolução, mas agora as suas esperanças estavam todas desfeitas. Agora, estava tudo perdido. Já nunca mais poderiam voltar à sua pátria. Tudo tinha acabado. O seu país, Judá, já não existia. Agora iriam ser dispersos por toda a Babilónia e acabariam como povo para sempre...

 

Jeremias continuava em Jerusalém destruída. E, como é fácil de calcular, estava desesperado: «E agora? Uma desgraça autêntica! De nada valeu eu avisar a cidade e os seus chefes do que ia acontecer. Aconteceu tudo como eu previa. Deus bem nos quis salvar, mas nada feito. É bem verdade que, quando as pessoas não querem, não há nada a fazer. Com certeza que Deus ainda está mais decepcionado do que eu. Os habitantes de Judá quiseram assim. Ele poderia ter impedido que as coisas acontecessem, mas nós não quisemos. Julgámos que podíamos passar muito bem sem Ele, e eis aquilo a que estamos reduzidos hoje: a zero!».

 

E, ao início, não havia maneira de Jeremias se consolar. Mas, com o tempo, não teve outro remédio senão ir reflectindo sobre o que tinha acontecido. «Eu espero que o meu povo aprenda a lição» – pensava ele – «Então, se realmente quisermos, Deus dar-nos-á novamente uma esperança. Por enquanto, as ruas de Jerusalém ficarão vazias. E isto, pelos vistos, vai durar muito tempo. Mas estou em crer que, um dia, as coisas se irão compor. Não sei quando será nem sei se terei a ventura de ver isso, mas tenho o pressentimento de que tudo voltará a ser como dantes, senão melhor. Enfim, tenho a impressão de que um dia se hão-de ver de novo as crianças a brincar nas praças, os jovens a cantar e a dançar e os homens e mulheres a conversar, felizes, à sombra das árvores»...

 

Em Jerusalém, era a ruína e a desolação. Na Babilónia, era a tristeza e o desespero total. Os capatazes que vigiavam os prisioneiros, de vez em quando, ainda lhes pediam para cantar qualquer coisa: «Alegria! Cantai-nos uma das vossas canções bonitas! Vocês até têm coisas giras! Então, vamos lá, tocai lá qualquer coisa nas vossas harpas». Mas ninguém conseguia cantar. Nem sequer as pessoas que já estavam há muito tempo na Babilónia e que já lá tinham a vida arrumada, se assim se pode dizer... A situação dos judeus no cativeiro era de tal forma trágica que só saíam canções tristes.

 

E, tanto é assim, que chegou até nós a letra duma dessas canções tristes. E diz assim: «Sentámo-nos à beira do rio e chorámos! Pendurámos as nossas harpas tristes nos salgueiros das margens. Sentados à beira do rio, sentimentos saudades da nossa cidade. Jerusalém é uma cidade que ninguém jamais esquecerá. Ó Jerusalém, nós não sabemos cantar neste país estranho. Como é que podemos cantar as músicas do Senhor num país estranho»? (cf. Sl 137).

 

Entretanto, dos que tinham ficado em Jerusalém, alguns foram procurando melhor sorte noutros países para refazer a vida. Alguns deles foram para o Egipto. Entre eles, contava-se também Jeremias. Aí, apesar do seu carácter tímido, este continuou a sua maneira desassombrada de dizer as coisas. Só que agora já não podia fazer nada pelos judeus. Estes, por seu lado, espalharam-se por toda a parte. E assim o país ficou de tal maneira desorganizado que praticamente desapareceu como nação...

 

No que se refere aos judeus cativos na Babilónia, reuniam-se, de vez em quando, para recordar o passado: «Agora já não podemos fazer mais nada. Isaías previu isto tudo há muito tempo. E também Jeremias nos avisou do que ia acontecer. E nós fizemos tudo contra o que eles nos aconselhavam. Já os nossos antepassados fizeram o mesmo. Não podemos culpar ninguém por nos encontrarmos aqui. Se tivéssemos seguido os conselhos dos mensageiros de Deus, nada disto teria acontecido. Esperemos que os nossos filhos sejam capazes de, no futuro, compor as coisas!»...

 

Os judeus, apesar de todas as dificuldades, continuavam a reunir-se, é certo, mas as suas reuniões não passavam de lamentações e hinos ao pessimismo e ao desespero. E as queixas mais amargas eram contra os jovens que não ligavam nada ao que eram as tradições dos antepassados. Mas, um dia, numa dessas reuniões, alguém levantou-se e pediu a palavra: «Acho que não devemos estar sempre a falar assim desta maneira. Eu penso que Deus não quer que estejamos toda a vida a sentirmo-nos culpados pelo que aconteceu. É inútil chorar o leite entornado...».

 

Os presentes, como é natural sempre nestas ocasiões, olhavam para o orador com curiosidade e espanto. Então o orador continuou: «Estou agora a recordar-me da frase duma carta que nos mandou há anos o amigo Jeremias. E acho que ele tinha razão. Dizia ele mais ou menos o seguinte: “Constituí família, criai os vossos filhos, tratai dos vossos campos, plantai árvores, enfim, trabalhai onde viveis. Assim, embora vivendo numa terra estrangeira, continuareis a constituir uma comunidade forte. O que é preciso é preservar a continuidade”. Era isto mais ou menos o que dizia Jeremias».

 

Os presentes continuavam a olhar para ele admirados. E o orador terminou assim a sua intervenção: «A mim parece-me que o que Deus quer de nós é que, antes de mais, nos mantenhamos vivos. Levantemos, pois, a cabeça. Coragem! Não podemos perder a esperança. Não podemos continuar a viver na tristeza. Embora nos tenham acontecido coisas muito desagradáveis, devemos manter a esperança. Aliás, sabemos perfeitamente que, enquanto há vida, há esperança. E também é certo que, enquanto há esperança, há vida. É inútil vivermos assim. Não ganhamos nada com isso. A tristeza, o desânimo e a angústia só nos fazem mal. Vamos começar a imaginar que o futuro não pode ser sempre assim tão triste!...».

 

Os presentes continuavam admirados. Mas o orador ainda não tinha acabado de falar: «Meus amigos, quem sabe o que pode acontecer amanhã? Ninguém sabe! Só Deus é que sabe. Agora o que eu sei é que, pior do que agora, não deve ser provável. Eu estou convencido que, com a ajuda de Deus, é possível começar tudo de novo. Porque não? Não acabaram os filisteus? Não acabaram os moabitas? Não acabaram os assírios? Acabaram, não acabaram? Portanto... tudo é possível. É sempre possível, quando há fé e esperança»... O homem que assim falava e que vivia com os judeus que estavam cativos na Babilónia chamava-se Ezequiel.