1. A DERROCADA FINAL
 

 

Jeremias arrastou-se com uma canga ao pescoço até ao palácio do rei Sedecias em Jerusalém. Ao chegar lá, parou. Todos puderam então ver claramente que ele trazia ao pescoço uma canga. E, apesar de ser um homem tímido até à patologia, naquele momento sentiu-se puxado por uma energia que não conseguia entender. Foi assim mesmo que ele se apresentou diante do rei. Conhecia a reacção das pessoas às suas palavras e as perspectivas não eram muito animadoras. No fundo, não tinha nada a perder e, por isso, levou até ao fim a resolução de se apresentar assim perante o rei e os seus conselheiros.

 

Instado a explicar-se, Jeremias disse ao rei Sedecias: «Com este gesto, eu gostaria de recordar que, nas actuais circunstâncias, o povo não tem outra alternativa senão suportar o seu destino. E o rei não pode fazer senão a vontade do imperador da Babilónia. As circunstâncias políticas actuais exigem isso. E o motivo é simples. Se o rei se revoltar, os inimigos virão atacá-lo aqui mesmo. As coisas não estão preparadas para o senhor se lançar em aventuras suicidas. Eu sei perfeitamente que devíamos ser livres, mas, por outro lado, temos que ser pragmáticos. Acho que neste momento não estamos em condições de levar por diante uma revolta...».

 

E depois, aproximando-se mais do rei, disse-lhe a meia voz: «Não convém que o nosso rei se deixe levar por ânimos exaltados. Não convém que se deixe levar em cantigas. Aliás, deixe-me dizer-lhe mais uma coisa: quando há gente muito interessada em revoluções, é mau sinal. É sinal de que essas pessoas querem ir para o poleiro. E sabe quem são os primeiros a cair? Pois bem, precisamente os que estão agora no poder. Portanto, – e essa é a minha sugestão – o rei veja lá no que é que se mete!...».

 

Ananias, que era uma espécie de sumo-sacerdote, ouviu bem o que Jeremias tinha dito. E então, furioso, explodiu: «Alto aí! O rei não acredite neste charlatão. Não é verdade o que ele nos diz. Deus vai mesmo ajudar-nos. E a canga que agora trazemos ao pescoço vamos despedaçá-la; como agora vou demonstrar a todos». E Ananias, que era forte, despedaçou a canga ao meio. Todos gostaram deste gesto espectacular de Ananias. Mas Jeremias não se deu por vencido. E, encolhendo os ombros, desapareceu da presença do rei. Mas, no dia seguinte, voltou à cidade, desta vez curvado com uma canga de ferro, muito mais pesada e resistente. Mas o rei e os outros riram-se do profeta e não deram ouvidos às suas palavras. E foram para a frente com os seus planos de revolta contra os babilónios.

 

Chegou finalmente o dia de porem em marcha a revolução contra o imperador da Babilónia. Perante tamanha provocação, o imperador teve que actuar. Não era certamente a acção mais importante dos seus planos, mas não podia permitir que nascessem focos de resistência. Por isso, mandou os seus soldados, dando-lhes ordens muito severas para não pouparem a cidade, as muralhas e o Templo. Desta vez, não podia ser como da última, em que eles tinham sido benignos. E mais: caso vencessem, deviam trazer muitos mais prisioneiros do que da primeira vez...

 

E as coisas aconteceram realmente assim. O fraco rei Sedecias e os seus homens foram cercados em Jerusalém pelo poderoso exército de Nabucodonosor. Ninguém mais pôde entrar ou sair da cidade. A derrocada final aproximava-se a passos largos. Jeremias não se cansava de dizer: «Estão a ver em que é que as coisas deram?! Eu tinha-vos dito que não estávamos preparados para uma coisa destas. Tinha-vos dito que o exército do imperador era demasiado forte. Mas vós não quisestes acreditar em mim. Mas ainda estamos a tempo de evitar o pior. Basta uma coisa. Entreguem-se, senão vai ser destruída toda a cidade e todos nós vamos pura e simplesmente ser levados como prisioneiros, se por acaso escaparmos da morte...»

 

Mas, apesar de a situação ser melindrosa e impossível, os amigos de Sedecias continuavam a ofuscar a capacidade de decisão do rei com os seus elogios subservientes. E continuavam a falar mal de Jeremias: «É um traidor! É um traidor! Se calhar, até foi pago pelo imperador para nos assustar! Mas nós não temos medo. Temos é que impedir que este doido comece a desanimar o povo. Vamos mas é metê-lo na masmorra do palácio. Aí já não pode fazer mal a ninguém». Sedecias, apavorado, facilmente concordou com os conselheiros: «Se achais que é melhor assim, mãos à obra. De que é que estais à espera? Mas, tendes mesmo a certeza de que esta é a melhor solução»?

 

O destino de Jeremias estava traçado... À tardinha desse mesmo dia, um soldado veio para falar com o rei: «O rei sabe o que fizeram a Jeremias? Atiraram com o homem para um poço, que fica lá no pátio da cadeia, onde só há lama. Ele vai afundar e acabará por morrer. Eu acho que não devemos ter esse peso na consciência. O meu rei Sedecias sabe por acaso que Jeremias é um profeta»? «E o que é que querias que eu fizesse?» – respondeu o rei – «Ananias e os seus expuseram as coisas de tal maneira que eu acabei por concordar. Mas é verdade o que tu dizes. Eu sei que Jeremias é um profeta. E também não quero ter nada na consciência por causa dum homem de Deus. Ele também podia estar calado e não dizer coisas que são muito difíceis de engolir, mas... não, não quero ter esse peso na consciência para o resto da minha vida...».

 

Então deu ordens para que tirassem Jeremias da masmorra e que o fizessem de maneira a não serem vistos por ninguém. Foram então, tiraram Jeremias do poço e levaram-no, às escondidas, à presença do rei. Finalmente, os dois estavam só. «Ouve, Jeremias» – começou por dizer o rei Sedecias – «Nós estamos completamente cercados e a cidade não pode aguentar mais. O que é que me resta fazer? Eu sempre acreditei que tu és um homem de Deus. Vou fazer o possível para que te tratem bem. Mas, agora, vamos conversar com toda a sinceridade sobre o problema...».

 

Jeremias duvidou: «Não será um truque? E, se lhe disser o que realmente penso, não perco a cabeça»? Sedecias sossegou-o: «Não, não vou fazer nada disso! Palavra de rei». «Então, muito bem!» – prosseguiu Jeremias – «Não há mais nada a fazer senão render-se. Caso contrário, o imperador incendiará a cidade e a maioria do nosso povo será levada para a Babilónia ou então será morta». «Acredito nas tuas palavras, mas não posso fazer nada», respondeu o rei. «É tarde demais. Se eu me render, os meus próprios homens se encarregarão de me matar, por me julgarem um traidor!...».

 

A conversa entre Jeremias e Sedecias não teve grande efeito, porque o rei, embora vendo as coisas, não tinha coragem para se decidir. E não tardou muito a acontecer o pior. O fim de Judá e da sua capital Jerusalém tinha chegado. Os babilónios, depois dum cerco de alguns meses, conquistaram a cidade e destruíram tudo, deitando fogo ao templo. Destruíram tudo e mataram o rei Sedecias. Levaram a maioria do povo como escravo para a Babilónia. Ficou apenas um punhados de pessoas que já não podiam fazer mal a ninguém e que não tinham influência nenhuma; pelo menos segundo os critérios do imperador. Curiosamente, um dos que foi poupado desta vez foi Jeremias.