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Havia gente que julgava Jeremias um sujeito anormal e até desequilibrado. E ele teve que suportar muitas perseguições por fazer previsões pessimistas sobre o futuro do seu país, Judá, com a capital em Jerusalém. Mas, infelizmente, não foram precisos muitos anos para ficar demonstrado que ele tinha acertado em cheio nas suas previsões. Com efeito, o imperador Nabucodonosor chegou, viu e venceu. Não destruiu a capital, Jerusalém, mas destronou o rei e pôs outro no seu lugar. Tratava-se naturalmente de um rei que lhe estava sujeito e lhe pagava tributo. E também os moradores de Jerusalém tinham que pagar impostos pesados...
De qualquer modo, independentemente de tudo isso, Nabucodonosor era um bom político. E, de facto, os habitantes de Jerusalém puderam continuar a viver como antes, pelo menos aparentemente. Até o Templo foi poupado; ao contrário do que geralmente acontecia. A população em geral quase que não notou qualquer mudança; a não ser os impostos. Não houve resistência, isso é verdade, mas o invasor babilónico também não cometeu desmandos. E, por isso, os judeus, como pessoas práticas que eram, continuaram a não se preocupar com o que acontecia com outros povos...
Os planos do imperador babilónico não previam actos de destruição e pilhagens. Seja como for, os mais ricos e nobres e, dum modo geral, os mais influentes e letrados, foram levados prisioneiros para a Babilónia. Isso, na óptica do imperador, era o gesto mais aconselhável, pois não convinha que continuassem em Jerusalém pessoas capazes de levantar a voz contra o estado das coisas.
Mas, pelos vistos, a atitude de Nabucodonosor não era apenas preventiva. Com efeito, já antes, tinha acontecido que alguns realmente tinham levantado a voz. E agora não convinha nada que se viesse a originar um movimento de revolta. E não convinha, porque o imperador tinha outros planos de expansão mais para o Sul. Levando, pois, para a Babilónia, os mais ilustres, podia ficar descansado e dedicar a atenção a outros problemas e a outros assuntos...
Desterrados na Babilónia, os nobres e chefes judeus, a princípio, ainda tinham pensado que se tratava de uma situação provisória. E alimentavam a esperança de, mais dia, menos dia, regressarem à sua pátria. Mas o tempo foi passando e esse regresso não se verificava. A única coisa que podiam fazer era chorar a sua sorte. Toda aquela situação era uma tragédia. Viviam no meio de gente que não acreditava em Deus, entre gente sem princípios. E naturalmente era-lhes proibido cumprir os seus actos e ritos de culto habituais...
Em todo o caso, conseguiram escrever para alguns dos seus parentes em Jerusalém a contar o que se passava. Das cartas que chegaram até nós, podemos citar, por exemplo, o seguinte: «Aqui a vida é diferente do que era em Jerusalém. Cada um faz o que melhor entende e não tem respeito e temor nenhum a Deus. Nós, judeus, somos simplesmente ignorados ou então, o que é pior, desprezados. Aqui ninguém nos cumprimenta quando nos vê na rua. Antes, aí, nós éramos importantes. Agora, nada. Vós, ao menos, tendes o Templo de Deus. Nós não temos nada».
Jeremias, que também tinha sido deportado, foi ficando triste com todo o choro das pessoas. Por isso, um dia, revolveu também ele escrever uma carta aos co-nacionais que viviam na Babilónia. «Eu não sou ninguém» – escrevia ele – «mas a minha impressão é que Deus quer que vos adapteis à vossa nova situação, cultiveis as terras, planteis árvores de fruto. Dá-me a impressão que o que Deus quer é que procureis dar-vos bem com os habitantes desse país estranho onde viveis. Por conseguinte, acho que devíeis ser iguais a eles, e não um grupo à parte. Para já, é inútil continuar a sonhar com o passado. Não vejo nenhuma hipótese de que as coisas possam mudar num futuro imediato...».
A reacção das pessoas às palavras de Jeremias não foi a melhor. Para eles, Jeremias continuava a ser um pessimista. Então Jeremias teve que lhes dizer mais o seguinte: «Eu não quero dizer com isto que Deus nos abandonou. Não, isso não aconteceu; nem irá acontecer. A nossa história tem demonstrado isso. Mas, daí a concluir que a situação presente vai acabar imediatamente, isso já é outra coisa. Eu estou convencido de que ainda muitas coisas desagradáveis vão acontecer, antes que tudo volte à normalidade. Portanto, a única coisa prática a fazer agora é procurar inserir-nos no ambiente e procurarmos dar-nos bem com toda a gente...».
Apesar da tentativa de explicação por parte de Jeremias, os prisioneiros judeus ficaram revoltados com as suas palavras: «O quê, fazer as pazes? Darmo-nos bem com esta gente da Babilónia? Ele não deve estar bom da cabeça. Eles são nossos inimigos! Reconciliar-nos com eles? Isso, nunca»! E bem depressa escreveram aos seus parentes em Jerusalém para lhes contar tudo o que Jeremias andava a dizer. Como é natural, também as pessoas de Jerusalém ficaram furiosas com ele. Aliás, essas palavras de Jeremias colidiam com certos planos de revolta que se estavam a preparar em Jerusalém.
Algumas pessoas estavam a pensar em depor o rei, que era um joguete do imperador da Babilónia... Um dos principais autores desse plano chamava-se Ananias. Falava bem e não tinha dificuldade em convencer os seus concidadãos. E dizia-lhes nomeadamente: «Meus amigos, temos que sacudir dos ombros a canga dos babilónios. Mas temos que o fazer todos ao mesmo tempo, como se fôssemos um só. A união faz a força. O rei que temos no trono é um boneco nas mãos dos babilónios e isso não pode ser. Quando um dia formos livres, já ninguém será nosso dono. Não podemos assemelhar-nos a bois mansos que carregam a canga sobre o cachaço, puxando pelo carro...».
O rei fantoche de Jerusalém chamava-se Sedecias. Bem lá no fundo, também ele sabia que os judeus viviam sob o jugo da Babilónia e, por isso, o ideal seria libertar-se desse jugo. Mas não tinha coragem suficiente para tomar qualquer atitude prática. Até concordava com o que dizia Ananias. Aliás, tinha gostado mesmo muito da imagem da canga que Ananias tinha utilizado. Mas o que fazer?
Sedecias conhecia também a posição de Jeremias e a reacção generalizada do povo contra este. Pensou então que seria bom chamar Jeremias. Era complicado, porque ele estava fora, mas, afinal de contas, as autoridades babilónicas foram compreensíveis. E foi assim que Jeremias se viu obrigado a comparecer perante o rei Sedecias. Antes disso, porém, ficou a saber da imagem da canga e então engendrou uma boa...
O que fez Jeremias? Pois bem, pôs-se a caminho do palácio real carregando uma enorme canga ao pescoço. «É para que olhem bem para mim!» – pensava ele – «para que as pessoas entendam que agora não há nenhuma hipótese de escaparmos ao jugo dos babilónios». Era uma atitude muito estranha, mas era uma maneira prática e visível, quase plástica, de demonstrar que o que o rei e os seus conselheiros pretendiam fazer não tinha nenhuma possibilidade de ter sucesso...