1. TRÊS HOMENS E UM BERÇO

 

   Um dia, Abraão estava a descansar à entrada da sua tenda. E estava a pensar em tudo o que lhe tinha acontecido depois de ter iniciado a sua vida de emigrante. Mas havia uma coisa que lhe causava imensa tristeza. E dizia isso muitas vezes à mulher: «Como gostaria de ter tido um filho teu, Sara; um filho que continue a linhagem! Mas, pelos vistos, nada feito! Que será dos nossos haveres, se a gente não consegue um rapaz? É triste, não é, Sara»? Sara nem sequer respondia. Limitava-se a ouvir. De resto, não ia adiantar nada. E ficaram ali os dois a olhar para longe, com um olhar vago e perdido. E, no entanto, havia dentro de Abraão qualquer coisa que lhe dizia que a vida dele ainda ia mudar.

 

   Abraão e Sara passaram assim algum tempo. Um dia, Sara virou-se para o marido e disse-lhe: «Estive cá a pensar e... é verdade, tens razão. Se a gente não tem pelo menos um filho... olha, Abraão, então não achas que a minha escrava Agar também podia ser tua mulher»? Abraão carregou o sobrolho. «Não, não estejas a olhar assim para mim! Estou a falar a sério!», continuou ela.

 

   Abraão ficou a pensar muito sobre aquela sugestão. É que, de facto, os costumes daqueles tempos não impediam que um homem tivesse mais que uma mulher. E o desejo de ter um descendente era tão grande que ele acabou por concordar com a sugestão de Sara. E assim foi. Abraão teve de Agar, um ano depois, um menino, a quem deram o nome de Ismael.

 

   Mas, infelizmente, as coisas não correram como Abraão tinha calculado. É que, partir dum determinado momento, Sara, a primeira mulher, começou a ter ciúmes; até porque Agar tinha começado a arrebitar o nariz por ela ter dado um filho a Abraão e Sara não. Naturalmente, as coisas azedaram bastante entre elas. E, um dia, Sara não aguentou mais. E então resolveu pôr a andar a escrava juntamente com o filho Ismael. Abraão não teve outro remédio senão satisfazer a vontade de Sara. E, por isso, depois dessa altura, Ismael na prática deixou de existir para ele... E isso deixou Abraão muito triste. Era algo que nunca mais lhe saída da cabeça...

 

   Um ano depois, num desses dias quentes em que não se está bem em parte nenhuma, enquanto estava à sombra da sua tenda, Abraão viu vir, ao longe, três homens. Como era costume naqueles tempos, Abraão foi-lhes ao encontro para os convidar a tomar qualquer coisa. Mandou matar um bezerro e preparar um bom jantar. A recepção tinha que ser condigna, porque pareciam três homens de bem. Ali no deserto, certamente não dava para grandes luxos, mas havia que ter o maior brio em preparar tudo o melhor possível. Para ele, as boas maneiras eram uma coisa sagrada. De resto, também ele já tinha tido experiências bem bonitas!

Enquanto os hóspedes comiam, Abraão fazia-lhes companhia e estava atento a tudo o que fosse preciso. A um dado momento, um dos hóspedes perguntou pela mulher e, como quem não quer a coisa, foi dizendo a Abraão: «Tudo o que te aconteceu durante estes anos todos não pode ter sido em vão. Não pode acabar assim no nada tudo o que tu construíste. Não, isto tem que continuar. É essa a vontade de Deus. Por isso ouve bem o que eu te digo: a tua mulher Sara vai-te dar um filho. Daqui a um ano, já terás um filho nos braços»!

 

   Sara estava mesmo ali atrás da tenda a escutar tudo. E, por sinal, não estava a gostar muito da conversa. E chegou mesmo a pensar que aqueles hóspedes, afinal de contas, não eram lá muito educados, porque não se dizem coisas assim senão para gozar. E não era caso para menos: então podia lá ser? Ela já era velha para poder ter filhos. Seja como for, não conseguiu evitar uma risadinha que, infelizmente, se ouviu lá fora. «Quem é que se está a rir?» – perguntou um dos hóspedes. – «Ela não acredita na nossa palavra? Julga que estamos a brincar»?

 

   Depois da refeição, os três hóspedes levantaram-se para ir embora: «Temos de seguir viagem ainda hoje para Sodoma». «Mas porque é que não ficam aqui mais algum tempo?» – atalhou Abraão. «Disseram-me que as coisas em Sodoma não correm lá muito bom. E é pena, porque tenho lá um sobrinho. Seja como for, ficam avisados. Aquilo é perigoso. Acontecem lá coisas do arco-da-velha e então discórdia e brigas são o pão-nosso de cada dia». Mas um dos hóspedes respondeu-lhe: «Pois é precisamente por isso que aquela cidade tem que acabar. E nós vamos lá precisamente para dizer a todos que a cidade está destinada à ruína»... Abraão ficou muito pensativo por causa do seu sobrinho.

 

   Mas depois disse: «Mas é uma pena destruir assim uma cidade onde o progresso é enorme. Então... mas Deus não pode evitar uma tragédia dessas»? Os três peregrinos entreolharam-se: «Não, ninguém pode valer aos habitantes de Sodoma, se eles não quiserem ajuda. Aliás, vai acontecer também a mesma coisa também a uma outra cidade chamada Gomorra. Havia uma solução se houvesse pessoas interessadas! Se houvesse ao menos cinquenta pessoas que ajudassem e se preocupassem com os outros...». «Bem, mais cinco menos cinco» – insistiu Abraão – «também não faz lá muita diferença. Quarenta e cinco ou quarenta seriam suficientes, não é verdade»? «Está bem, se houver quarenta... bom, nem que sejam só trinta, a cidade será poupada». Mas, infelizmente, não havia. Nem cinco.

 

   Os peregrinos já se iam embora, quando, de repente, viram que Abraão caminhava ao seu lado: «Bem, não me levem a mal. Eu sei que não sou ninguém. Pelo que posso ver, os senhores parecem ter uma missão especial da parte de Deus. Mas, essas cidades têm mesmo que ser destruídas? Então as pessoas que vivem lá não são também filhos de Deus»? Um dos peregrinos interrompe-o: «Temos muita pena, mas realmente não há lá ninguém que se aproveite»! E, sem dizer mais nada, os três desapareceram na curva do caminho. De longe, Abraão ainda lhes gritou: «Perguntem lá pelo meu sobrinho Lot. Ele é um homem bom. Ele poderá ajudá-los naquilo que for preciso».

 

   «Que estranho tudo isto!» – pensava Abraão – «Não percebo! Há qualquer coisa de especial nestes peregrinos. Não sei o que é, mas aquela convicção com que diziam as coisas! Dá-me a impressão que eles estavam seguros do que diziam. Quando conversava com eles, até me dava a impressão que estava a conversar com Deus. Que ele me perdoe, mas quem sabe se não serão mesmo Seus enviados? Enquanto estive com eles, fiquei mesmo com a impressão que Deus me falava cá dentro. Não sei, é tudo muito confuso!»...

 

   Abraão ficou ali absorto nos seus pensamentos. Foi a mulher Sara que o despertou daquele sonho acordado: «Anda, Abraão, hoje ainda não comeste nada e é preciso comer qualquer coisa. Amanhã é preciso ir para o trabalho, não te esqueças disso»! Ele naturalmente deu toda a razão à mulher, mas tudo aquilo não lhe saía da cabeça. Aquela visita tinha-o deixado inquieto. E com razão, porque lhe ficara a impressão que iria acontecer algo de grave naquelas duas cidades. Mas ao menos uma coisa o consolava: tinha ficado contente por eles lhe terem dito que a sua mulher ia ter finalmente um filho.