HISTÓRIA DUM POVO - 2
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Abraão, Sara, Lot e os seus dependentes deixaram a sua terra e partiram ao deus-dará. Caminharam e caminharam... Parecia que nunca mais paravam. Percorreram seguramente, durante meses, largas centenas de quilómetros, antes de se fixarem por mais tempo num lugar determinado. Mas, nestas coisas, é assim mesmo. Quando se vai à procura de melhor vida, as pessoas não se importam muito de fazer sacrifícios.
Eles tinham passado por várias terras, mas não tinham parado. Sabe-se lá! Abraão lá teria a sua fisgada. E, realmente, enquanto as coisas não lhe agradaram a ele, não houve outro remédio senão continuar a andar. Chegaram finalmente a um lugar que agradou a Abraão. Agora a quem não agradou muito a terra foi Sara: «Então esta é que é a terra com que o deus em que agora acreditas te fez sonhar? Mas isto, afinal de contas, não passa dum deserto! Estávamos bem melhor na nossa terra! Lá tínhamos os amigos, tínhamos as nossas coisas, a nossa vida, enfim tudo! Se ficarmos aqui, é para morrer de fome. Como é que vamos alimentar os nossos gados se não há sequer um fio de erva»?
As razões de Sara eram válidas e a Abraão não restava senão confirmar a opinião da mulher: «Sim, de facto, esta terra não é nada do que eu esperava encontrar. Mas, que é que queres? Agora não podemos voltar atrás. Deixa lá... talvez arranjemos um lugar melhor noutra terra qualquer. Vamos lá ver!». Por seu lado, o sobrinho Lot não era nenhum parvo. Era mas é esperto e bom observador. E então, enquanto Abraão e Sara discutiam se deviam partir ou não, saiu-se com esta: «Podemos ir para o Egipto. Há lá um grande rio, boas terras e muita fartura. Podemos ganhar lá muito dinheiro».
Bem, à falta de melhor, Abraão não teve qualquer dificuldade em aceitar a sugestão de Lot: «Sim, é melhor partir, para lá tentarmos a nossa sorte. O que nunca podemos fazer é voltar para trás. Imaginem só o que diria aquela gente toda»! E lá foram eles em direcção ao Egipto. Ao chegarem ao Egipto, após vários dias de viagem, tudo lhes pareceu estranho. Muita gente parava para ver passar a caravana. E alguns fixavam muito o olhar em Sara. Isso intrigou Abraão. Finalmente, descobriu a razão. E a descoberta, por sinal, não o deixou nada tranquilo. É que tinha que reconhecer que Sara era uma mulher bonita. E, numa terra estrangeira, com costumes diferentes, tudo podia acontecer. E isso começou a atormentá-lo.
Abraão tinha diante de si um dilema: ou a defendia a ela dos olhares dos outros e então sujeitava-se a ser atacado e podiam morrer ela e todos os seus; ou então defendia-se a si, os seus haveres e também Sara, inventando qualquer estratagema. Não tardou muito a optar pela segunda solução: «Olha, mulher, se alguém nos perguntar quem és tu, é melhor dizeres que és minha irmã, estás a entender»? Claro que Sara não estava a entender nada, mas via que Abraão estava atrapalhado. Por isso, respondeu imediatamente: «Pois claro que entendo. Entendo perfeitamente! Fica descansado»!
Por acaso, passava pelo mesmo caminho um alto oficial do exército do Faraó, ou seja, do rei do Egipto. Também ele reparou em Sara. Mas não disse nada. Limitou-se a dar meia volta e desapareceu na poeira do caminho... Voltou dali a uns instantes e cumprimentou-os com toda a deferência: «Sua Majestade, o nosso rei, manda dizer que teria muito gosto em os receber no palácio e em lhes oferecer um jantar»! Era naturalmente um convite muito estranho, mas o que aconteceria se não aceitassem?! Para evitar complicações, Sara tomou a palavra e disse: «Será também para nós uma grande honra aceitar o convite do Faraó, não é verdade, irmão Abraão?»...
E lá seguiram eles para o palácio real, onde o Faraó lhes ofereceu um grande banquete. Deu naturalmente lugar de destaque a Sara; pondo-a, mais precisamente, ao seu lado e demonstrando-se muito gentil. E até terá dito coisas tão engraçadas que Sara ria a bandeiras despregadas. A gentileza foi tanta que o Faraó até lhe ofereceu um anel cintilante. Foi nesse momento que Sara piscou o olho a Abraão e não se conteve: «O meu irmão está muito feliz por Vossa Majestade nos ter oferecido este banquete esplêndido. Não é verdade, irmão Abraão»? Claro que Abraão fez sinal que sim, mas já algo ciumento. A preocupação era bem visível no seu rosto de poucos amigos. Mas, dadas as circunstâncias, não tinha outro remédio.
Quem estava realmente contente era Lot. E não fez muitas cerimónias: encheu o papo que nem um valente. E ficou ainda mais contente quando o Faraó os convidou a passar a noite no palácio. Mas não era essa exactamente a maneira como Abraão e Sara tinham calculado as coisas. A própria Sara dizia: «E agora?!... Desconfio que as intenções do Faraó não são as melhores! Eu bem que não queria sair lá da terra»! «Cala-te, não fales tão alto!» – cochichou Abraão – «senão qualquer pessoa pode ouvir». E, de facto, estava alguém à escuta. Uma criada do rei ouviu-os e, pela maneira de falar, ficou a saber que eles dois eram casados... E, claro, foi num instante que toda a gente no palácio ficou a saber tudo. E a notícia chegou também aos ouvidos dum alto oficial, que a foi contar ao Faraó...
Como é óbvio, o Faraó ficou admirado com o que lhe disseram. E mandou chamar imediatamente Abraão, Sara e Lot. Ora, imaginemos agora o que se terá passado pela cabeça deles enquanto esperavam para ser apresentados ao rei! Mas, para sorte deles, aquele faraó era uma pessoa de boa índole e então os receios dos três logo se desfizeram. Mal se encontraram na sua presença, o rei desabafou: «Então você, Abraão, julgou que eu o ia mandar matar só para ficar com a sua mulher? De maneira nenhuma. Sou um homem justo e, além disso, sou muito religioso e isso nem me passaria pela cabeça. Mas não gostei que não me tivessem dito a verdade».
O faraó demonstrou os seus bons sentimentos com um gesto concreto e simpático. «Olhem! Esqueçam o que aconteceu. Peguem neste dinheiro e façam-me um favor: saiam daqui o mais depressa possível. Sabem como é a gente. Se vêm a saber que Sara, afinal de contas, não é quem eu julgava, são bem capazes de fazer alguma! E eu não quero que vos aconteça nada de mal. Portanto, é melhor irem-se embora daqui quanto antes!»...
Abraão, Sara e Lot tiveram de carregar de novo os seus animais e seguir viagem. O rei tinha-os recebido muito bem, mas o Egipto não era país para eles. E isso era algo que eles tinham percebido claramente. Abraão agora não tinha a menor dúvida. E reconheceu que tinha errado redondamente. Tinha tido a inspiração de sair da sua terra, mas, no fundo, sabia que não era com a finalidade de enriquecer, para depois voltar à sua terra para fazer vaidade da sua riqueza. Agora reconhecia que lhe tinha faltado coragem para confiar nesse único Deus que ele procurava, embora não soubesse bem como.
Este episódio tinha feito compreender a Abraão que tinha que se deixar guiar mais por aquela voz que ele sentia lá dentro. Ele não sabia ainda o que era, mas pelo menos sabia que algo ou talvez alguém o guiava e estava sempre ao seu lado. E, a partir desse momento, decidiu que devia dar ouvido a essa voz.