1. AMOR ATORMENTADO
 

 

Estamos na segunda metade do século VIII antes de Cristo. É neste momento histórico que as tropas da Assíria atacam Israel. A resistência não foi por aí além. E os assírios ocuparam finalmente a capital, Samaria. Derrotados completamente, os seus habitantes foram feitos prisioneiros e escravos do rei da Assíria.

 

Mas a ocupação assíria foi muito particular. O rei usava de uma táctica bem congeminada. Começava por tratar os vencidos como se o não tivessem sido. E os israelitas, ou pelo menos a maior parte deles, nem sequer desconfiou do que acabava de lhes acontecer. Como consequência disso, não se preocuparam muito com o futuro. Aparentemente, tudo continuava na mesma. Era como se nem sequer tivesse havido guerra e como se de facto não fossem escravos de ninguém.

 

Passados alguns anos, não havia sinais de perseguição. E os israelitas passavam o tempo em coisas inúteis. O que se sabe é que não davam por falta de nada. Dava-lhes até a impressão que tinham tudo o que queriam. Se a escravidão era isso, então não se ralavam muito. O dinheiro também não faltava e eles compravam até coisas de que não precisavam. Passavam o tempo a conversar sobre modas e divertimentos. Como hoje, também nesses tempos, os homens, afogados em bem-estar material, não queriam pensar em mais nada, não queriam pensar no futuro...

 

Mas, na capital Samaria, havia alguns homens (não muitos) que se preocupavam com o futuro e com a situação em que se vivia. Um desses homens chamava-se Oseias. Mas a sua mulher não era melhor que os outros habitantes. Passava o tempo a olhar para o espelho, a pintar os olhos e a gastar dinheiro em roupas bonitas. Ela lá sabia como arranjar o dinheiro. Ela lá tinha as suas relações sociais e contava entre os seus amigos muitos homens. Passava uma grande parte do seu tempo fora; principalmente à noite. Até parecia que nem estava casada.

 

Quando as pessoas viam o seu marido Oseias a passar pela rua, olhavam para ele com pena. De vez em quando, até lhe atiravam umas piadas. E não era caso para menos, pois sabiam perfeitamente qual era o género de vida que a mulher levava, para poder continuar a viver no luxo. Claro que chegou uma altura em que Oseias percebeu perfeitamente o que se passava. E então, um dia, aproximando-se dum grupo que estava com as habituais piadas em relação a ele e à mulher, disse-lhes na cara: «Pois sim, está certo. Riam-se de mim! Não julguem que eu não sei o que se passa! A minha mulher não me liga nada... concedo. Talvez eu seja um fraco. Mas, já agora, gostaria de vos fazer algumas perguntas...».

 

Alguns dos sujeitos que estavam no grupo olharam para Oseias um tanto atrapalhados. E Oseias continuou: «E vós, vós não vos esquecestes de Deus também? Não, não estejais a olhar assim para mim. O que me está a acontecer a mim, está também a acontecer-vos a vós. Doutra maneira, é verdade, mas está». Nesse preciso momento, chegou a mulher de Oseias. E, naturalmente, quis saber o que estava ali a acontecer. Oseias puxou-lhe pelo braço e levou-a para casa, não fosse ela expor-se ali publicamente às críticas e piadas de todos... E, em casa, Oseias não se envergonhou de chorar diante dela. Ele, no fundo, amava-a.

 

Era assim um pouco como Deus amava o povo de Israel. E então disse-lhe com muito carinho: «Ouve lá! Será que Deus quer realmente que andes por aí a fazer a figura que fazes? Pensa bem nisto, porque é importante na vida». E Oseias, tomando coragem, continuou a confidenciar à mulher: «Procura pôr-te no meu lugar. Temos que fazer alguma coisa. Vamos para longe daqui. É preferível viver no deserto a levar esta vida; como antes, quando éramos pobres. Eu sei que a pobreza é difícil de aturar, mas podemos viver em harmonia, eu e tu sozinhos. Tudo farei para te conquistar para sempre, para toda a eternidade. Vamos lá recomeçar de novo e vamos gostar um do outro como nos primeiros tempos...».

 

A mulher de Oseias estava corada e nem sequer se atrevia a olhar bem para ele. Mas Oseias era muito delicado naquilo que dizia: «Acredita no que te estou a dizer. Eu gosto de ti. Eu não poderia viver se tu me abandonasses. Nem sei o que faria se tu não quisesses saber mais de mim! Não, não podes fazer isto!». Bom, nós não sabemos o que aconteceu, mas o certo é que se pode deduzir do Livro de Oseias que ela deixou a vida que levava e ambos puderam viver na paz e tranquilidade. E, então, Oseias pensou muito no que lhe tinha acontecido. Depois, tomou coragem e partilhou as suas reflexões e as conclusões a que tinha chegado com o povo simples... E a sua grande preocupação foi dar ao povo a certeza que Deus o amava, apesar de todas as infidelidades.

 

Um dia, Oseias foi à cidade e, durante uma festa, procurou falar ao povo. Vou-me limitar a resumir o que eles lhes disse: «O Senhor Deus inspirou-me para vos dizer o seguinte: “Quando Israel era como um menino entre as outras nações, Eu o amei e escolhi. Chamei-o do Egipto, onde estava prisioneiro. Infelizmente, quanto mais eu chamava por ele, mais ele se afastava de Mim. Os israelitas ofereceram sacrifícios aos deuses dos pagãos. Eu ensinei-os a andar, mas eles não reconheceram que era Eu que tratava deles. Fui para eles como a espuma que lhes acaricia as faces, mas eles recusaram-se a reconhecer-me. E ainda agora continuam a não me reconhecer. Ao contrário, fazem estátuas de madeira e de metais e prostram-se diante delas. Volta, Israel, para o teu Senhor. Israelitas, reconhecei que ninguém além de Mim vos pode salvar: nem o Egipto, nem a Assíria, nem os ídolos que construís com as vossas próprias mãos. Se vos voltardes para Mim, curar-vos-ei de todas as infidelidades, esquecerei o passado e vós sereis felizes...!».

 

As pessoas que escutavam Oseias, ficaram impressionadas. Mas bem depressa se esqueceram das suas palavras. Israel, apesar da dependência de outros povos, encontrava-se numa fase de prosperidade. Nada faltava. Havia abundância de bens materiais e de tudo. E as pessoas, como acontece sempre, esqueceram-se facilmente e depressa. O seu coração estava ocupado com outras coisas. Quando se tem o coração cheio de preocupações materiais, não há lugar para Deus. Israel rejeitou o bem e os caminhos que lhe eram traçados pelos homens enviados por Deus. E, no fim, não podia acontecer senão o pior...

 

Também os períodos de prosperidade terminam. E assim aconteceu com Israel. Foi perseguido por todos os inimigos e perderam-se como povo, porque não tinham união e solidez suficientes para opor resistência aos inimigos. Mais ainda: tinham perdido a sua identidade nacional. Israel era um povo que tinha nascido sob o signo, digamos assim, do próprio Deus e, sem essa característica, não tinha sentido. Pouco a pouco, os israelitas deixaram-se absorver pelos usos e costumes dos povos vizinhos, que lhes iam mudando a maneira de pensar e de ser...

 

Nem nos tempos de perseguição quiseram ouvir a voz da própria consciência nacional, para retomar o caminho da liberdade e da independência. Preferiam continuar a gozar do que ainda podiam. Mas, completamente subjugados pelos invasores, acabaram por desaparecer como povo. No entanto, nem tudo estava perdido. Havia ainda pessoas como Oseias para lhes lembrar as próprias obrigações. Por outras palavras, havia ainda um raio de esperança no horizonte.