1. UM SÁBIO CAPRICHOSO
 

 

O rei David governou em Israel durante quarenta anos. Dez anos em Hebron e trinta em Jerusalém. Tinha começado a sua vida como um pastor qualquer. Agora já estava velho; como velha estava também a última mulher, Betsabé. A idade não perdoa e ele ia perdendo cada vez mais as forças. Sentia que a morte se aproximava a passos largos. E, um dia, quando estava deitado doente no palácio, mandou chamar a esposa e disse-lhe: «Eu quero que Salomão, o nosso filho, seja o meu sucessor quando eu morrer».

 

Salomão tinha nascido já depois da morte do primeiro filho de David. Por lei, não era a ele que competia a sucessão ao trono, mas o rei David tinha por ele um fraquinho. De resto, ele era toda a consolação da sua velhice. Então David chamou Salomão e disse-lhe: «Meu filho, vive sempre como está escrito na nossa lei. Deus vê tudo o que nós fazemos. Portanto, vive de maneira que não tenhas de te envergonhar diante de Deus». O pai e o filho olharam-se demoradamente. Deram-se a mão e abraçaram-se. Um sorriso passou pelo rosto de David e então adormeceu.

 

Alguns dias depois, morreu. Salomão era agora o novo rei de Israel. Era um homem muito dotado, mas a verdade é que nunca tinha pensado muito na hipótese de suceder a David. Seja como for, essa nova responsabilidade deixou-o muito nervoso. E não parava de andar dum lado para o outro. Pensava e repensava e não conseguia chegar a uma conclusão simples: que espécie de rei iria ser. Seria feliz? Levaria uma vida fácil? Seria sábio ou só gentil? Seria trabalhador e valente? Não era capaz de se resolver. E passou o dia todo a pensar no assunto.

 

E, de noite, até sonhou com isso. Sonhou que Deus estava à sua frente e lhe perguntou assim: «O que é que tu mais queres quando fores rei?». E ele respondeu-lhe: «Tu usaste de misericórdia para com o meu pai, porque ele seguiu os Teus caminhos. Concedeste-lhe também um filho que hoje está sentado no seu trono. Pois bem, ó Deus, eu não passo de um adolescente que ainda não sabe dirigir as pessoas. O povo é numeroso e eu não sei o que fazer. Dá, pois, ao teu servo um coração sábio, capaz de julgar e discernir o bem e o mal». Este pedido agradou a Deus, que lhe concedeu o que ele lhe pediu. E este facto Salomão nunca mais o esqueceu.

 

Salomão, para além da sabedoria, recebeu também muitas riquezas. Seja como for, um caso típico e concreto que demonstra a sabedoria de Salomão é o seguinte. Vieram duas prostitutas apresentar-se ao rei. Um delas dizia: «Ouvi, meu senhor. Esta mulher e eu habitamos na mesma casa. Ora, sucede que eu dei à luz um filho. Três dias depois, também ela deu à luz. Durante a noite, o filho desta mulher morreu, porque ela o abafou durante o sono. Então, no meio da noite, levantou-se e, enquanto eu dormia, pegou no meu filho e pô-lo ao seu lado, deixando o seu filho morto junto de mim. Quando me levantei de manhã, encontrei-o morto. Mas, examinando bem, verifiquei que não era o meu filho».

 

A outra mulher respondeu: «É mentira! O que está vivo é que é meu e o que está morto é que o filho dela». A primeira então replicou: «Não, senhor, o teu é que morreu e o meu é o que está vivo». E assim altercavam na presença do rei...

 

Já cansado de as ouvir, Salomão disse então: «Tu dizes: “o meu filho está vivo e o teu morreu”. E tu respondes: “Não, senhor, o teu filho morreu e o meu é que está vivo!”. Pois bem, vamos ver. Criado, traz-me uma espada». Com a espada na mão, o rei então deu a seguinte sentença: «Cortai o menino vivo ao meio e dai metade a cada uma». Mas a mãe do menino vivo, comovida até às entranhas, porque era mãe, disse logo ao rei: «Não, ó rei. Peço-te que lhe deis o menino vivo a ela; não o mateis»! Mas a outra dizia: «O rei é que diz bem. Que o dividam ao meio. Assim nem será meu nem teu». Então o rei pronunciou o seu julgamento definitivo: «Dai o menino vivo a esta mulher. Não o mateis, pois ela é que é a sua mãe»...

 

Este caso foi comentado em todo o Israel. Todos respeitavam o rei, porque viram que Deus estava com ele. E é verdade. A sabedoria de Salomão excedia a de todos os orientais e dos egípcios. Era mais sábio que toda a gente. E, por isso mesmo, de todos os países vinham pessoas para escutar as suas sentenças. Em poucos anos, tinha adquirido muitos conhecimentos. Além disso, no seu reinado foi possível reconstruir a cidade, edificar um templo para o Senhor, construir grandes palácios e muitas outras cidades. Seria um nunca mais acabar se se enumerassem todas as obras levadas a cabo durante o seu reinado...

 

E a fama de Salomão estendeu-se até à África. De facto, de lá veio até uma rainha para saber se era verdade ou não o que se dizia do rei de Israel. E ela ficou tão impressionada que chegou mesmo a confessar que, afinal de contas, nem metade sequer lhe tinham contado... Só que Salomão, talvez envaidecido, pouco a pouco, foi perdendo o sentido das proporções e depressa deixou também de seguir os caminhos do Senhor, ou seja, as prescrições que estavam na Lei de Israel deixada por Moisés. Havia, por exemplo, na Lei a disposição que proibia desposar mulheres que não pertencessem à raça de Israel. Pois bem, Salomão não só não cumpriu essa Lei, como exagerou. Diz o Livro dos Reis que ele teve setecentas esposas de sangue real e mais trezentas concubinas.

 

Seja ou não um exagerado este número (e é capaz de ser, porque o número perfaz exactamente o total de mil), o facto em si está a provar que Salomão se deixou depravar por completo. E isso não podia deixar de trazer malefícios ao povo. Não só porque isso significava uma sobrecarga de impostos. Mas também e sobretudo porque ele fez introduzir em Israel os cultos das suas várias mulheres. E então a própria identidade nacional se foi perdendo pouco a pouco. De forma que, mais tarde, já não será possível regenerar o sistema. Pelo que, logo a partir dos seus descendentes, o destino de Israel irá ter um rumo incerto. Começará um dos períodos mais trágicos de toda a história de Israel.

 

Entretanto, até os inimigos de Israel começaram a calcular que algo não estava a correr bem. Salomão estava demasiado ocupado com coisas vãs. E nem tempo tinha sequer para cuidar do exército. E então resolveram tirar a prova dos nove, como se costuma dizer. Fizeram primeiro algumas tentativas para experimentar. E verificaram que ele cedia facilmente, pois, para se ver livre de algum dos seus inimigos, procurava logo fazer alianças com outro qualquer. Não estava para se ralar com batalhas, como tinha sabido fazer o seu pai David.

 

E, assim, chegou um momento em que o exército de Israel praticamente não existia. As defesas estavam cada vez mais desguarnecidas; de meios e de homens. De resto, Salomão tinha começado por se desfazer de grande parte dos generais, por temer que lhe fizessem sombra. E assim chegou a uma situação em que era impossível resistir. A pompa, a riqueza, a luxúria e o deboche tinham arruinado completamente o Estado de Israel.