1. A BATALHA DA SUCESSÃO
 

 

Nesse dia, no palácio de Jerusalém, que tinha sido ocupado abusivamente, decorria uma reunião importante. O grande mentor da revolta, chamado Aquitofel, não se cansava de falar e de traçar planos: «Temos que partir ainda hoje em perseguição de David. Cairemos sobre ele e sobre os seus homens no momento em que eles estiverem mortos de cansaço. Então limitar-nos-emos a espalhar o pânico e todos os que estão com ele se porão a sete léguas. O rei ficará sozinho e nessa altura acabamos de o derrubar para sempre. Mas, depois disso, seremos benevolentes com o povo. Então é quase certo que o povo estará connosco».

 

Estas palavras agradaram a Absalão e a toda a corte a ele reunida. Mas, mesmo assim, o rei usurpador quis ainda ouvir a opinião do antigo combatente e conselheiro do seu pai, o tal Cusai: «Vamos ouvir Cusai. É capaz de ter coisas interessantes a dizer»! Chegado à sua presença, Absalão disse a Cusai: «O nosso conselheiro Aquitofel diz que devemos atacar já. E tu o que é que dizes»?

 

Cusai não estava à espera duma consulta deste género. Em todo o caso, respondeu-lhe: «Sabeis, ó rei, que o vosso pai e os seus homens são valentes e estão furiosos como ursos. Sim, o vosso pai é um bom guerreiro e não vai deixar que os seus passem a noite no deserto. Portanto, a esta hora, já deve estar escondido em algum lugar seguro. Ora bem, se ao primeiro choque, alguns dos nossos caírem, isso ficará logo a saber-se e correrá logo a notícia de que o exército de Absalão foi derrotado. Ora, isso não pode acontecer, porque então até os mais valentes dos nossos desanimarão»...

 

Absalão olhava para Cusai admirado. Mas este continuou no mesmo tom: «O que eu acho é o seguinte: o vosso pai, apesar de tudo, ainda é considerado um herói. Pois bem, este é o meu conselho: é melhor reunir o maior número de pessoas para combate e vós, para dar o exemplo, ireis à frente de todos. Então sim, poderemos investir contra David e os seus homens e não deixaremos vivo um sequer».

 

Porquê não se sabe, mas o facto é que Absalão achou a proposta de Cusai mais interessante que a de Aquitofel e decidiu-se por ela. Entretanto, Cusai continuava a ser fiel a David, como se sabe. E mandou-o avisar do que ia acontecer. De maneira que David teve tempo suficiente para se preparar. Conseguiu arranjar um exército não muito numeroso, mas constituído por solados muitos experientes. Dividiu o exército em três grupos: um dos grupos era chefiado pelo famoso general Joab, um outro pelo irmão deste, que era Abisai, e o terceiro grupo por um general chamado Etai. Antes, porém, que os soldados partissem em grupos de cem, o rei David deu ainda esta ordem: «Por favor, poupem a vida ao meu filho Absalão»...

 

No dia seguinte, o exército de Absalão partiu para o lugar onde sabia que estava o seu pai David. Travou-se uma batalha sangrenta na floresta de Efraim. O combate estendeu-se por toda aquela região. E, segundo as crónicas daquele tempo, morreram cerca de vinte mil homens.

 

A meio da refrega, Absalão viu a coisa mal parada e procurou arranjar outro caminho. Infelizmente para ele, encontrou pela frente os homens de David. Ainda fez uma tentativa de fuga, montado no seu cavalo, mas este meteu-se por entre carvalhos. Então a sua farta cabeleira ficou-lhe presa nos galhos duma árvore, de modo que ficou suspenso entre o céu e a terra. Sendo assim, foi presa fácil dos soldados de David...

 

O general Joab foi avisado do que tinha acontecido. Então respondeu ao homem que lhe dera a notícia: «Se o viste suspenso, porque é que não deste logo cabo dele? Eu próprio te teria dado uma recompensa de dez ciclos de prata». «Por amor de Deus!» – respondeu o homem – «nem que me dessem mil, eu levantaria a mão contra o filho do meu rei. As suas ordens foram muito claras. Se eu tivesse cometido esse atentado contra a vida do jovem, o rei David havia de vir a saber e então nem o meu general me poderia valer». Joab acabou com aquela conversa com uma frase lacónica: «Está bem. Eu não tenho tempo a perder contigo».

 

Ninguém se atrevia a matar Absalão, porque sabiam que David não queria. Mas o general Joab é que não estava com meias medidas. Conhecia demasiado bem o filho do rei para lhe poupar a vida. Poupar-lhe a vida significava, para o rei e para si, nunca mais ter paz. E então, ao ver Absalão, pensou de si para consigo: «Se este homem continua vivo, vai ser sempre um perigo para David». Por isso, não demorou muito a tomar a decisão. Pegou em três dardos e cravou-os no coração do usurpador. Depois dele, vieram dez jovens escudeiros e, entre danças e zombarias, deram-lhe os últimos golpes.

 

Depois disso, Joab mandou tocar a trombeta. Era o sinal da vitória. O exército deixou de perseguir e matar os seguidores de Absalão. Quanto a este, atiraram com ele para uma grande fosse na floresta, lançando sobre o seu corpo um enorme montão de pedras...

 

Entretanto, David esperava por notícias do campo de batalha. Exausto e ofegante, acaba de chegar um soldado que, já sem forças, ainda gritou: «Vitória, vitória! Vencemos!». E, prostrando-se por terra diante de David, disse: «Bendito seja Deus que entregou nas tuas mãos os homens que se revoltaram contra ti!»... David olhava para ele, mas ainda não estava contente. «E Absalão?» – perguntou ele – «O que aconteceu a Absalão»? O soldado calou-se e David percebeu logo que o seu filho tinha morrido na batalha. A notícia foi confirmada logo a seguir por outro soldado que à mesma pergunta do rei respondeu: «Tivessem a mesma sorte todos os inimigos do meu rei e todos os que se levantam para lhe fazer mal»!

 

Então, David, visivelmente incomodado, retirou-se para a sua tenda e começou a caminhar dum lado para outro: «Absalão, meu filho! Absalão! Porque é que não morri em teu lugar? Absalão, meu filho, meu filho». Joab é que não gostou nada daquilo... Quando o general soube que a vitória, afinal de contas, se estava a transforma em dia de luto, foi ter com David para uma conversa a sério: «Então nós a esforçarmo-nos para combater e agora é isto?! Permita-me que lhe diga o seguinte: todos os soldados combateram como uns valentes para lhe salvar a vida. E agora o que se vê é luto? Desde sempre que lhe foram fiéis e lutaram pela sua causa e agora é isto? Então os seus sacrifícios e dedicação não valem nada? Afinal, vencemos a guerra. Os soldados merecem é uma recompensa e não luto. O que eles merecem é uma festa. Toda essa luta até dá a impressão que o nosso rei teria ficado contente se Absalão tivesse escapado e nós tivéssemos morrido todos!...».

 

David olhou para o seu general Joab e achou que tinha razão. Por isso, teve que controlar as suas emoções. E nesse mesmo momento decidiu mostrar-se aos soldados. Mandou então organizar uma festa, com música e desfile militar. Ele mesmo ficou sentado à entrada da tenda real para acompanhar os festejos... Depois das festas, as tropas vencedoras deixaram a região aonde David se tinha refugiado e voltaram para Jerusalém. Aí foi organizado novamente o governo de Israel.