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O tempo foi passando e David foi ficando velho. Tinha muitos filhos de várias mulheres. De resto, isso era um costume desses tempos. O que acontece é que ninguém sabia ao certo quem é que iria ser o herdeiro do trono. O primogénito, que se chamava Ammon, tinha sido assassinado por um outro irmão, por ter desrespeitado a sua própria irmã. Mas toda a gente sabia que o filho predilecto de David era Salomão, filho de Betsabé. De resto, David já tinha dado a entender que não lhe desgostaria que o futuro rei de Israel fosse o seu filho Salomão...
Quem achava todas essas movimentações injustas era um outro filho de David, que era mais velho que Salomão. O seu nome era Absalão. Absalão era um homem forte, de cabelos compridos e loiros, mas não tinha lá muito boa fama. Tinha um carácter detestável. Basta dizer que tinha sido ele a planear o assassínio do seu irmão Ammon. Enfim, as pessoas que lidavam com ele tinham que ter muito cuidado...
Absalão era um grande problema até no próprio palácio real. David, mesmo tendo-lhe perdoado o crime de assassinato do seu irmão, acabou por expulsá-lo do palácio. Era um génio irascível ao máximo. Ai de quem se metesse com ele! Ai de quem não cumprisse o que ele mandava! Foi o que aconteceu a Joab, general de David. Joab recusou-se a interceder por ele junto do rei e, no dia seguinte, a sua casas e as suas searas arderam «por acidente». Absalão contava com certos amigos a quem pagava para fazer este tipo de serviços. E tantas fez que Joab se viu obrigado a ir ter com David para lhe expor o problema. Para evitar mais problemas a Joab, David recebeu o filho novamente no palácio real.
Novamente no palácio, Absalão bem depressa arranjou carros, cavalos e homens. Mais: com o tempo, foi preparando um plano para se apoderar do poder, pois não suportava a ideia de ver um dia Salomão sentado no trono que, em sua opinião, lhe pertencia. Costumava parar junto das portas da cidade para mentalizar as pessoas para a necessidade duma mudança na direcção do Estado.
Era o próprio Absalão que puxava a conversa por tudo e por nada. Um dia, por exemplo, encontrou alguém e perguntou-lhe à queima-roupa: «Ouve lá, para onde vais»? «Para o tribunal» – respondeu o outro – «O meu irmão quer herdar tanto como eu. Ora, eu acho que isso não está certo. Eu sou o mais velho e tenho direito não só a mais, mas a tudo». «Pois é!» – anuiu Absalão – «Tu tens razão, mas duvido que a justiça te seja feita. Os tribunais aqui não zelam por essas coisas. Ah, se eu fosse rei! Então as coisas haviam de melhorar»!
E ele tinha este tipo de procedimento com todos os que vinham procurar o rei para qualquer julgamento. Era uma campanha pouco elegante de propaganda, mas pelos vistos eficaz. Absalão aproveitava para fazer amigos entre todas as pessoas insatisfeitas. Deste modo, passado algum tempo, ele já tinha homens seus espalhados por todo país e dispostos a entrar em acção quando ele ordenasse.
Passado algum tempo, Absalão, sob pretexto de ir cumprir um voto que fizera enquanto tinha estado fora do palácio, partiu para Hebron de onde enviou cartas secretas aos seus homens. Em resumo, as cartas diziam o seguinte: «Logo que ouvirdes o som duma trombeta, proclamai a toda a gente que Absalão é o vosso rei! Quando for dado o sinal, ide para o quartel e dizei às pessoas: “agora sou general, porque Absalão, filho de David, é rei!”».
E, se bem o pensou, melhor o fez. As pessoas aderiram ao seu plano. Absalão dirigiu-se então para Jerusalém e o velho David, que foi apanhado de surpresa, teve que fugir com os seus familiares e alguns amigos. Foi um dia de grande tristeza. No Monte das Oliveiras, um pouco fora da cidade, David ainda se virou pela última vez para se despedir da sua cidade. Ao olhar para ela, comoveu-se de tal maneira que começou a chorar. Alguns então ouviram-no dizer em voz baixa: «Quem sabe, talvez o Senhor ainda tenha compaixão de mim»!
David acabou por ser derrotado pelo filho Absalão. Por isso, foi abandonado também por alguns dos seus melhores colaboradores. Mas outros houve que se mantiveram fiéis, acompanhando-o na fuga de Jerusalém. Um deles era o general Joab, seu companheiro de luta. A outros, como Cusai, David pediu para voltarem para Jerusalém: «Voltai para Jerusalém, para servir o meu filho. Fazei de conta que vos arrependestes de estar ao meu lado». Cusai e outros, embora a custo, acederam a este pedido de David e voltaram para o palácio...
Passaram-se alguns dias. E um dos traidores do rei David (usemos o termo) disse a Absalão: «Na minha opinião, o que devíamos fazer era organizar um exército e atacar já David e os seus soldados; para que não aconteça que se organizem e nos ataquem eles a nós». Não era fácil tomar uma decisão destas. Afinal de contas, Absalão não tinha experiência militar suficiente. Mais do que um militar e um guerreiro experimentado, ele era mas é um chefe de bandos armados. De qualquer forma, era preciso fazer alguma coisa para resolver definitivamente a situação que ele próprio tinha criado.
Uma vez que Cusai – um dos mais íntimos colaboradores de David, como se disse – tinha voltado para trás, Absalão pensou que também ele estava descontente com o seu pai David. Então veio-lhe à ideia nomeá-lo seu primeiro-ministro. Mas foi apenas um capricho momentâneo; até porque isso seria uma espécie de bofetada para aqueles que o tinham seguido desde o primeiro momento. Em todo o caso, nomeou-o seu conselheiro, por achar que lhe poderia ser útil. Só que Cusai continuava a ser fiel a David. Talvez tivesse sido por isso que David lhe pediu para voltar para o palácio. Estava, portanto, ali no palácio, a exercer um cargo pouco digno; ou seja, era aquilo a que hoje se poderá chamar espião.
David não queria fazer mal ao filho. De modo algum. Mas, ao mesmo tempo, não lhe parecia sensato que o trono fosse entregue a uma chusma de bandoleiros, que se aproveitavam da inexperiência de Absalão. David estava preocupado em não permitir que a unidade do país se desfizesse dum momento para o outro por causa da insensatez de alguns exaltados dementes e ignorantes das coisas do governo. Ao filho Absalão tinha que opor uma estratégia que deitasse por terra o poder de persuasão dele junto do povo. Tratava-se, no fundo, portanto, de voltar a conquistar, ele próprio, a confiança do povo.
David não ficou, portanto, de braços cruzados, apesar de ter sido apanhado de surpresa e de se ter visto obrigado a fugir de Jerusalém. Arranjou um esconderijo seguro e aí começou a montar a sua máquina ofensiva com os melhores homens que Israel possuía e que lhe continuavam a ser fiéis. Ao contrário, Absalão estava rodeado sobretudo por aqueles que, na revolta acabada de organizar, viam uma oportunidade para aumentar os seus próprios bens e para alcançar o poder que sempre tinham desejado. Mas isso eram bases que, a longo prazo, não podiam ser o fundamento dum reino estável.