1. INIMIZADE E AMIZADE
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Depois de derrotar o gigante Golias, David foi para o palácio do rei Saul. O filho do rei, Jónatas, simpatizou imediatamente com ele e tornaram-se grandes amigos. A amizade entre eles era tão grande que estavam dispostos a morrer um pelo outro. E foi também devido a esse facto que Saul foi encarregando David de diversas missões. Claro que a intenção de Saul não era manifestar o seu reconhecimento a David, mas prová-lo. O rei não gostava nada de David, apesar do que este tinha feito pelo povo. De resto, todos sabiam que tinha sido David a vencer o gigante Golias, e não Saul...

 

As pessoas até manifestavam a sua admiração por David em público, sem grande receio. E até comemoravam ruidosamente essa façanha. Tinha sido um feito tão grande que não se podiam calar. Antes, ninguém se tinha atrevido a enfrentar o gigante, porque metia medo a toda a gente. Até apareceu nessa altura um músico a cantar a façanha contra o gigante. A letra dessa música, no refrão principal, dizia o seguinte: «Saul matou mil, mas David matou dez mil».

 

Um dia organizaram mesmo uma espécie de festival. De todas as cidades, vieram dançarinas para as ruas de Jerusalém. Dançavam e cantavam alegremente ao som de tamborins, flautas e outros instrumentos musicais. A música de sucesso da altura era naturalmente: «Saul matou mil, mas David matou dez mil».

 

Saul estava sentado no seu palácio. Claro que ouvia o que se cantava lá na rua. «Ora, ora!» – pensava ele com o seus botões – «Querem ver que agora David já é mais importante do que eu?! É como se o rei já quase não existisse! Mas então quem é que manda neste país»? David também se encontrava no palácio. Sendo o tocador oficial do palácio, tinha obrigação de estar lá sempre. Vendo estampada no rosto do rei uma grande tristeza, pensou de si para consigo: «Parece-me que é altura de tocar alguma coisa na minha harpa. É preciso que o rei se distraia um pouco...»

 

E David não pensou duas vezes sequer: começou a tocar e a cantar para o rei. «Cala essa boca!» – berrou Saul – «Já não posso com essas tuas musiquetas»! Perante esta reacção do rei, David ficou a duvidar se devia continuar ou não. De repente, Saul deitou mão da sua lança e arremessou-a contra David. Este, rápido como um raio, abaixou-se e a lança acabou por se ir espetar na parede. Os dois assustaram-se com aquilo e ficaram a olhar um para o outro. Mas Saul foi o primeiro a desviar os olhos...

 

Foi sobretudo a partir desse episódio que David chegou à conclusão que era inevitável tomar a decisão de deixar o palácio. A sua vida corria perigo. Saul não só não o podia ver, como inclusivamente queria matá-lo... Era de noite quando Jónatas, filho de Saul, acompanhou David até ao portão do jardim do palácio. Lá ficaram os dois até altas horas da noite a conversar. «Gostaria tanto de ir contigo» – disse Jónatas – «mas não posso abandonar o meu pai. Não posso deixá-lo sozinho agora. Ele está absolutamente convencido de que Deus o abandonou. E realmente não tem mais ninguém para desabafar. Não confia senão em mim. Nem sequer em ti confia. Eu sei que tu não tens culpa nenhuma, mas... é assim...».

 

De repente, Jónatas comoveu-se. David então procurou consolá-lo: «Jónatas, acredita em mim. Aconteça o que acontecer, mesmo que o teu pai procure tirar-me a vida, eu nunca lhe farei mal nenhum. E nada impedirá que nós continuemos a ser bons amigos. Prometo». «Eu também nunca te vou trair, nunca!» – respondeu-lhe Jónatas. E os dois abraçaram-se e despediram-se. Depois, David saiu do palácio, era noite escura.

 

Saul continuava a detestar David, mas este era já um herói nacional; não lhe podia fazer mal directamente. E um dia foi readmitido no palácio. Então, para ver se se desfazia dele, Saul nomeou-o chefe de mil homens. Mas nunca acontecia o que Saul queria. David era sempre bem sucedido em tudo e os israelitas queriam-lhe cada vez mais. Saul experimenta outras formas para o liquidar. Inclusivamente um dia até chegou a oferecer-lhe uma das filhas em casamento, convencido de que isso só lhe causaria problemas. Mas não é que se dá o caso que a sua filha se apaixonou mesmo por David?! E a paixão era tão forte que o rei não teve outro remédio senão dar o seu consentimento.

 

Toda a simpatia de que David gozava por parte do povo era um autêntico insulto contra o rei. E este naturalmente pensava que era o próprio David que estava a fazer propaganda para desacreditar o rei. Todas as vezes que era mandado à guerra contra os chefes dos filisteus, David saía sempre vitorioso. E assim o seu nome ia-se tornando cada vez mais famoso. Saul não via isso com bons olhos e até chegou a combinar com o filho Jónatas maneira de matar David. Mas, como se sabe, Jónatas era amigo de David...

 

Um dia, Saul estava mesmo determinado a acabar com a vida de David. Jónatas saiu também com ele, bem como com alguns dos funcionários reais, para ir treinar para o campo com arco e flecha. Então Jónatas combinou com David um sinal: quando ele atirasse com uma flecha para bem longe, era porque o seu pai estava perto. E, nesse dia, David teve que fugir. E assim passou muitos meses escondido nas fendas dos rochedos e nas cavernas do deserto. Tinha chegado a altura de se organizar e, por isso, pouco a pouco, foram-se juntando a ele, outros que também receavam as acções do rei.

 

Entretanto, Saul não desistia do seu intento de destruir David. De resto, seria para ele uma vergonha se o não conseguisse fazer. E assim, um dia partiu à procura dele. Depois de várias tentativas, ficou cansado e então ordenou aos seus que, depois dum dia assim, era necessário recuperar as forças para o dia seguinte. E retirou-se para repousar à sombra duma caverna. Não suspeitava sequer que também David e os seus homens estavam na mesma caverna.

 

«É a tua oportunidade!» – murmuravam a David – «Aproveita. Se o matares agora, serás rei amanhã»! E, pé ante pé, David aproximou-se do lugar onde Saul estava a dormir. Levava um grande punhal na mão. Estava mesmo ao pé dele, mas não o matou. Cortou-lhe só um pedaço do manto. E saiu sem dizer nada. Quando Saul acordou, um dos soldados notou que lhe faltava uma parte do manto. De repente, ouviu-se uma voz que vinha da montanha: «Saul, porque é que me persegues? Eu sou David. Repara, cortei só um pedaço do teu manto. Mas, se quisesse, facilmente terias caído nas minhas mãos». Dito isto, desapareceu.

 

Alguns meses depois, veio a notícia: «Travámos uma dura batalha contra os filisteus. Eu tive sorte, escapei. Mas Saul, o nosso rei, morreu. E Jónatas também está morto». David ficou paralisado com esta notícia. Ficou algum tempo em silêncio. Os filisteus tinham decapitado o rei, Jónatas e outros dos seus filhos, bem como outros soldados, e espalharam a notícia por toda a parte. Levaram os cadáveres para a cidade e penduraram-nos nos muros, para que toda a gente soubesse que Israel tinha sido vencido facilmente.