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O rei Saul era um homem melancólico. Mais, era um neurasténico. Ele sentia-se abatido pelos insucessos pessoais e por estar convencido de que tinha sido abandonado por Deus. Sempre que isso acontecia (e acontecia com frequência), David pegava na harpa e tocava. Saul então ficava mais calmo. Sentia-se aliviado e a tristeza deixava-o durante algum tempo. Um dia David não foi chamado para tocar música. A razão era simples: Saul tinha ido para a fronteira combater contra os filisteus...
O pai de David, que se chamava Jessé, ficou contente pelo filho mais novo. Mas estava triste pelos mais velhos. Infelizmente, todos eles tinham ido também para guerra. Então disse o pai a David: «Olha vai preparar o jumento e vai levar qualquer coisa aos teus irmãos. Temos aqui um queijo muito bom de que eles gostam imenso... Mas não te esqueças de levar este aqui ao capitão deles, ou ao rei, ou o que é isso. Nunca se sabe se um dia ainda iremos precisar dele. É melhor sermos educados e simpáticos quando podemos...».
Quando David chegou ao acampamento, estavam todos os soldados reunidos. E estavam sobretudo muito preocupados e desanimados. Um ribeiro separava-os dos inimigos. Estes numa colina e eles noutra. Então David, ao entrar, perguntou: «O que é que se passa?». «Olha, é que» – disse o irmão mais velho – «Amanhã temos que ir dar luta àqueles homens além e todos eles são homens muito fortes. E, entre eles, destaca-se um de nome Golias. É o homem mais forte do exército dos filisteus. É forte como um touro, tem uma cabeça enorme e uns músculos que metem medo a toda a gente...».
E, de facto, assim era. Golias tinha na cabeça um capacete de bronze e no corpo uma couraça em forma de escamas que pesava uns setenta quilos. E, no dia seguinte, todo cheio de si, ele aproximou-se das tropas israelitas. E, estando ainda do lado de lá da corrente, gritou: «Para que é que vos estais a preparar para a batalha. Podemos fazer isto por menos. Não haverá para aí alguém que se queira bater comigo? Quem tiver coragem, que apareça. Sabeis com quem estais a falar, cães raivosos?! Vós não passais dum bando de judeus errantes. Vamos então! Quem é que se atreve a lutar comigo?»...
Golias não obteve resposta imediata. E então, mais fanfarrão do que nunca, voltou a gritar: «Ah, ah, ah! Vê-se mesmo que ninguém se atreve comigo! Vá, força, vamos lá. Quem é que vem lutar comigo? Fazemos até uma aposta, se quiserdes. Se houver aí alguém que se bata comigo, me vencer e me matar, os filisteus serão vossos escravos. Se não, será precisamente o contrário!». E continuou a zombar com eles nesse tom, convencido de que ninguém se atreveria a bater-se consigo. E, realmente, no acampamento israelita, ninguém se atrevia a enfrentar o gigante Golias.
David, que estava a assistir a tudo, ficou furioso: «O quê, vós deixais-vos ofender desta maneira?». «E o que podemos fazer?» – gemeu um deles – «Então não estás a ver que ele é mesmo um gigante? Tu, diz-me lá, tu terias a coragem de lutar contra ele?». «Certo que tenho e... é isso mesmo que vou fazer». E entrou na tenda real para falar do assunto com Saul. Não se sabe bem como conseguiu convencer o rei, mas o facto é que este acabou por ceder. E talvez não lhe tenha custado assim tanto, até porque (e não compreendia muito bem porquê), não gostava lá muito do rapaz.
O rei ainda aconselhou David a experimentar a melhor armadura que tinham no acampamento. David ainda experimentou a armadura de Saul, mas não lhe servia. O capacete ficava-lhe enterrado até às orelhas e a armadura chegava-lhe até aos joelhos. Então as botas eram umas autênticas barcaças nos seus pés. «Não, isto não dá nada!» – disse David – «Convém-me lutar mas é como estou, sem armadura nem nada. Se quero vencer Golias, tenho que lutar à minha maneira e não à maneira dele». Então tirou a armadura e saiu da tenda.
David pegou no seu bordão e dirigiu-se depressa ao ribeiro que estava lá em baixo. Aí escolheu umas cinco pedras lisas, colocando-as no pequeno alforge de pastor que lhe servia de bolsa. Depois, com a sua funda, avançou em direcção ao gigante Golias. O gigante saiu da sua tenda. Finalmente, alguém do acampamento dos israelitas o tinha desafiado. Mas, ao ver o duelante e ao medi-lo bem de alto a baixo, tomou aquilo como uma afronta. Era ainda jovem, louro e de aspecto delicado: «Não é possível! Tu aí, meu rapaz, se calhar julgas que isto é uma brincadeira de garotos?! Sou eu porventura algum cão para vires assim contra mim com um pau? Mas, já que os teus te querem entregar nas minhas mãos, vem daí. Terei que dar a tua carne a comer às aves do céu e aos animais da terra...».
David ouviu em silêncio. Mas, lá por dentro já estava a ferver. E a paciência também se lhe esgotou. Não aguentou mais: «Tu vens contra mim de espada, lança e escudo, como se eu fosse um guerreiro qualquer. Mas eu não sou um guerreiro qualquer. Sou apenas um pastor. E tenho muita honra nisso. E vou contra ti não com a força das armas, mas com a fé no meu Deus. Ele vai-me ajudar a lutar sem espada, nem lança, nem escudo. Mas fica a saber uma coisa: tenho cá um pressentimento que hoje vais cair nas minhas mãos. E então veremos quem é que vai servir de alimento às aves do céu e aos animais do campo...».
O gigante filisteu olhava para ele algo assombrado e não parava de rir às gargalhadas. David parecia-lhe uma figura ridícula. Mas David não se atrapalhou: «Estou absolutamente convencido que os filisteus hoje é que vão servir de pasto às aves do céu e aos animais do campo. Então, depois disso, dir-se-á em toda a parte que só há um Deus, o Deus de Israel. E toda essa gente que está contigo (os que sobreviverem claro), saberá que não é com a espada e com a lança que o Senhor triunfa!». Nessa altura, o gigante não aguentou mais e avanço contra o jovem David praguejando. David não se intimidou. E daí a pouco também ele avançava na direcção de Golias. Este nunca tinha vista uma coisa do género na sua vida, mas ali estava David a enfrentá-lo. Todos os que o tinham desafiado no passado, ao ver que realmente era um gigante, fugiam imediatamente.
Ao ficar a uma distância que lhe pareceu ideal, David meteu a mão ao seu saco de pastor, tomou a funda e... antes mesmo que Golias tivesse tempo de puxar da sua espada, deu umas voltas com a funda. Quando a pedra saiu da funda, foi bater mesmo na testa de Golias, o qual tombou quase imediatamente com o rosto por terra. Como David não tinha espada, correu logo para o pé do filisteu, arrancou-lhe a espada da bainha e, vencendo a repugnância, cortou-lhe a cabeça dum golpe...
Vendo o seu guerreiro mais valente morto, os filisteus entraram em pânico e começaram a fugir dum lado para o outro. Então os israelitas, levantaram-se levando gritos de guerra e perseguiram os filisteus, fazendo tantos mortos que os cadáveres enchiam os caminhos e os campos. David então tomou a cabeça do gigante e levou-a para Jerusalém.