1. JOÃO, O SONHADOR
 

 

   Paulo tinha vindo para Roma e nunca mais voltou a sair de lá. Depois dele, veio também para Roma o apóstolo Pedro. Os dois acabaram por ser martirizados pelos romanos provavelmente no ano 67 da nossa hora. A causa do martírio prende-se fundamentalmente com o facto de a doutrina que pregavam colidir com a mentalidade das autoridades romanas. O imperador romano considerava-se um autêntico deus e os cristãos em geral e os seus responsáveis em particular recusavam-se terminantemente a prestar-lhe o culto que exigia. O destino de Pedro e Paulo estava, portanto, traçado.

 

   A partir da morte destes dois grandes da Igreja primitiva, a vida cristã começou a complicar-se por falta de quem ensinasse e dirigisse as pessoas. Por um lado, havia sempre pessoas, sobretudo entre os convertidos do judaísmo, que se julgavam no direito de interpretar à sua maneira o que os apóstolos tinham ensinado. E, além disso, havia os que insistiam em que era necessário respeitar certas regras do judaísmo para se ser bom cristão. Por outro lado, perante as provas a que os cristãos eram sujeitos, havia também alguns que defendiam um certo compromisso com a idolatria reinante. Com o decorrer do tempo, começou a notar-se, pois, um certo relaxamento na vida moral, mesmo entre os cristãos.

 

   Em contrapartida, os judeus ferrenhos procuravam alimentar um pouco por toda a parte o ódio contra os cristãos, que eles consideravam traidores das suas tradições. Por outro lado, havia o perigo iminente das perseguições generalizadas. O imperador Nero já tinha lançado uma primeira perseguição. Jesus já tinha previsto essas coisas, mas, de qualquer forma, era necessário preparar os cristãos para isso.

 

   Com a subida do imperador Diocleciano ao poder, as perseguições aos cristãos recrudescem. De tal maneira que só terminarão quando chegar ao trono o imperador Constantino que se converte ao cristianismo. Mas, antes dele, de facto, as perspectivas para os cristãos não são as melhores. Muitos podem ser levados a desfalecer e a desistir. É então que o último dos apóstolos vivos, João, sente que deve incutir coragem aos cristãos. As coisas não corriam bem e João procura fazer ver aos cristãos que é preciso manter a esperança...

 

   João sentia não só que tinha que consolar os seus amigos cristãos, mas também fazer-lhes ver que o que estava a acontecer fazia parte dos planos da história. Mas a perseguição estava no auge e ele não podia encontrar-se livremente com os cristãos. E muito menos lhes podia dizer certas coisas explicitamente. Foi então que lhe veio em mente utilizar uma forma especial de lhes escrever. Com figuras e símbolos (que os cristãos conheciam e sabiam interpretar e os outros não), escreveu-lhes explicando tudo de forma a eles entenderem...

 

   João começou o seu escrito da seguinte maneira: «Meus amigos, sabeis como tudo está muito difícil. A vida é quase impossível. Nem é preciso explicar isto, porque é do conhecimento de todos. Mas vou procurar contar-vos como é que eu acho que tudo deve ser quando a terra for como Deus quer. Não sei quando isso acontecerá, mas há-de acontecer. Pode ser que estejais a pensar que tudo vai de mal a pior e que não se sabe onde é que este mundo vai parar. E talvez por isso penseis que já não vale a pena combater. Pois bem, se é assim que pensais, é porque não estais a fazer tudo o que é possível para mudar as coisas...»

 

   A seguir, João escreve: «Temos de estar absolutamente convencidos de que com Deus podemos tudo, porque a Deus nada é impossível... Mas é preciso não desistir da luta, apesar das dificuldades. Se vos dissesse que não há dificuldades, estaria a mentir. Mas também estaria a mentir que o melhor é cruzar os braços... O que vos posso dizer é o seguinte: eu acho que há alguma coisa que anda no ar. Eu acho que está a chegar algo de novo. O importante é estarmos preparados para o que há-de vir. Foi por isso que resolvi explicar-vos o que vos espera. Eu vi tudo em sonhos...»

 

   «Eu sonhei que havia um portão. De repente, o portão abriu-se à minha frente. Daí a alguns metros, vi, numa espécie de altar muito bem adornado, assim como um livro. Ao meu lado, estava alguém que me ia explicando o que eu ia vendo. Foi essa pessoa que me disse que, nesse livro, estava descrito tudo o que nos espera no futuro. Mas ninguém podia abrir esse livro; nem que tivessem a força do leão e do touro ou a agilidade da águia. Por outro lado, um pouco mais em cima, ouvi uma foz forte como o som duma trombeta que me dizia assim: “Escreve tudo o que vires e envia-o às Igrejas da Ásia”. Pois bem, é que eu estou a fazer agora. Aquilo que estou a escrever é precisamente para o vosso bem».

 

   E João continua: «No sonho, voltei-me para ver de onde é que vinha a voz, mas não vi senão sete castiçais. Mas, depois, reparando melhor, vi então semelhante a um homem. Os seus olhos eram como chamas de fogo. E, no sonho, vi que ele tinha na mão sete estrelas e o seu rosto era como o do Sol quando resplandece. Quando o vi, caí por terra como morto. Mas ele pousou em mim a sua mão direita e disse-me: “Não tenhas medo. Eu sou aquele que conheceu a morte, mas agora estou aqui vivo para sempre”...

 

   «De repente, esse homem desapareceu da minha frente. E então, ao lado, vi um ser que não era nem leão nem outro animal forte qualquer que nós conheçamos. Parecia-se mais com um cordeiro. Mas, por vezes, dava-me a impressão que o cordeiro se transformava como que em homem de novo; mas desta vez era um homem que se contorcia em sofrimento. Pois bem, o mais maravilhoso que eu vi nessa altura foi o seguinte: foi precisamente esse homem que se atreveu a abrir o livro que mais ninguém tinha conseguido abrir. Só depois disso é que eu percebi que o primeiro homem, o cordeiro e o outro homem, afinal, era uma e a mesma coisa. E só depois é que descobri também que esse homem, afinal, se parecia com aquele homem com quem eu convivi aqui na terra...».

 

   João continua a descrever o seu sonho: «Então, no meu sonho, a voz que eu tinha ouvido antes, falou de novo: “Vai e toma o livro aberto. Lê e entende e comunica a toda a gente o que leres. O que leres não vai ser nada fácil de aceitar, mas as tuas palavras acabarão por ser aceites”. Eu peguei no livro e aqui estou agora para vos contar o que vi e ouvi...».

 

   E o sonho de João continua: «Nós temos que viver num mundo onde há problemas e dificuldades. E, por vezes, temos a impressão de que não há senão problemas e dificuldades. Mas isso é apenas temporário, porque no final essa figura que eu vi e que tem ao mesmo tempo a aparência de sol esplendoroso, cordeiro e homem de sofrimento sairá vencedora de tudo. Na devida altura, esse homem submeterá tudo ao seu poder e ao seu domínio... porque o império do mundo será entregue a Deus e ao seu eleito e ele reinará para sempre»...