1. UM ESCRAVO COM MEDO
 

 

As condições em que Paulo tinha ficado em Roma indicavam que se tratava dum prisioneiro muito especial. Tendo alojamento próprio, era uma espécie de prisioneiro oficial do próprio imperador de Roma. Isso, em termos práticos, significava que gozava duma certa liberdade e tinha a possibilidade receber na própria casa as visitas que bem entendesse, sem que o soldado que o guardava estivesse à escuta. Era uma prisão domiciliar, como hoje tecnicamente...

 

Mas, embora o seu guarda não implicasse nada com a sua vida de todos os dias, Paulo também não se opunha de maneira nenhuma a que ele ouvisse o que ele dizia aos outros. Paulo não tinha nada a esconder. Ele falava de Jesus e, por isso, não tinha nada a esconder. Mais, por vezes, quando as pessoas eram várias, até falava cá fora. É natural, portanto, que também o seu guarda ouvisse o que ele dizia. Paulo falava das suas viagens, da sua experiência e daquilo que estava a acontecer em toda a parte em nome de Jesus.

 

Por vezes, havia discussões muito animadas, sobretudo com os judeus. Alguns deixavam-se convencer, outros não. Tudo corria, portanto, dentro da normalidade. E como Roma era uma cidade cosmopolita (como, aliás, ainda hoje é), ele tinha ocasião de falar com todos os tipos de pessoas.

 

Um dia, por exemplo, veio vê-lo um rapaz um pouco assustado e envergonhado: «O senhor é que é Paulo?» – perguntou ele olhando para todos os lados. «Sim, sou eu!» – respondeu Paulo, sorrindo. «Posso confiar plenamente em si? Posso contar-lhe um segredo?» – insistiu o rapaz, olhando outra vez para todos os lados. «Acho que sim, podes confiar em mim» – disse-lhe Paulo olhando para ele com curiosidade. O rapaz tornou a olhar para a direita e para a esquerda. E, depois, quase instintivamente, inclinou-se para a frente e começou a falar mais baixo ainda. Agora sim é que tinha a impressão de que ninguém o estava a escutar.

 

O rapaz, finalmente, encarou Paulo de frente e contou-lhe a sua história: «Olhe, sabe, a gente, como escravo, escuta umas coisas de vez em quando. E, com o tempo, chegamos a certas conclusões, entende?...». «Espera aí!» – interrompeu-o Paulo – «Ainda não entendi nada do que me disseste. Conta-me outra vez tudo. Antes de mais, diz-me quem é para ver se percebo onde é que tu queres chegar!». «Está bem! Já me ia esquecendo. Olhe, eu chamo-me Onésimo. Sou escravo dum senhor chamado Filémon»... «Ah!» – interrompeu Paulo – «Conheço esse homem. Por acaso, Filémon até meu amigo. Para te dizer a verdade, logo que entraste, eu fiquei um pouco confuso e fiquei cá a pensar comigo: Mas eu conheço este sujeito de qualquer parte! Então, agora já sei quem és, pronto!»...

 

O rapaz, já mais tranquilo, continuou: «Pois bem! Era isso mesmo. Quando eu servia à mesa, às vezes ouvia pedaços de conversa. Sem querer, é claro. Então, notei, mais de uma vez, que lá em casa do patrão falavam de si, falavam de Jesus e falavam também do vosso Deus. Ouvi-os dizer, por exemplo, que vós já tínheis o mesmo Deus quando andáveis lá pelo Egipto».

 

E o rapaz continuou: «Depois, eles diziam também que Jesus liberta as pessoas das leis, dos reis, dos imperadores e das autoridades. Não é assim? Disseram-me que o senhor também já disse estas coisas. Sendo assim, eu pensei comigo: mas isso será bom também para mim? E, ao pensar nestas coisas, uma destas noites, fugi. Eu também quero acreditar em Jesus. Não quero continuar a ser escravo. Não quero ter mais ninguém a mandar em mim. Tenho ou não tenho razão»?

 

Paulo não esperava por uma destas. E, naturalmente, assim de repente, atrapalhou-se um pouco. Refeito do primeiro espanto, Paulo respondeu então ao rapaz: «Ora, vamos ver se nos entendemos. Uma coisa é a liberdade em relação aos outros e outra, bem diferente, é o serviço que cada um tem. Para já, não acho que todos os empregados devem abandonar o serviço assim sem mais nem menos. Portanto, não se pode fugir assim sem mais nem menos da casa dos patrões. As coisas têm que ser resolvidas doutra maneira...».

 

Onésimo estava a ficar um pouco desanimado ao ouvir Paulo, mas este logo o tranquilizou: «Repara, eu não sou a favor de que haja escravos, não senhor. Mas, aqui neste país, é preciso ter cuidado. Sabia que são castigados com pena de morte os que fogem e depois são apanhados? É verdade que Deus não quer que sejamos escravos de ninguém. Foi isso mesmo o que eu disse e o que eu quis dizer».

 

Após alguns momentos de silêncio, Paulo voltou a tranquilizar Onésimo: «Escuta! Afinal, Filémon como é que foi como patrão? Ele tratava-te bem ou mal? E então porque é que fugiste?». «Ora essa! Como é que o senhor pode pensar numa coisa dessas? Não, Filémon nunca me tratou mal. Mas eu pensei: Se eu for cristão, então ele não pode pensar em mandar em mim assim como ele quer. Porque ele também é cristão». «Mas, ouve, tu não gostarias de voltar a trabalhar de novo com ele? Não como escravo, mas como... cristão?». «Mas, ele não me irá denunciar às autoridades?». «Bom, meu jovem, já sei o que vou fazer. Vou mandar por ti uma carta ao meu amigo Filémon e assim resolve-se a questão duma vez para sempre».

 

E Paulo escreveu uma carta mais ou menos assim: «Prezado Filémon. Sei que tu és uma boa pessoa. Por isso, tomo a liberdade de te pedir um favor. Trata-se de Onésimo. Ele veio ter aqui comigo. Eu soube da sua vida e dos motivos por que fugiu. Quando lhe perguntei se tinha sido mal tratado, até ficou todo ofendido, por eu lho ter perguntado...».

 

«Meu caro Filémon, eu acho que Onésimo merece uma outra oportunidade. Não sei o motivo porque fugiu nem isso interessa. Agora o que interessa é que ele vai voltar. Mas quem volta com esta minha carta é outro Onésimo. Agora ele é como um filho que gerei na prisão, é um companheiro de fé, é um amigo meu. E por isso mesmo é também amigo teu. Se, porventura, ele te causou algum prejuízo, põe tudo na minha conta. E recebe-o como se me recebesses a mim...».

 

«Sabes, Filémon! Tive a oportunidade de notar que ele acredita em Jesus e que entende muito bem o que Jesus quer de nós. Por isso, faz-me o favor de o aceitares em tua casa como homem livre. Ele vai voltar como cristão. Estou convencido que tudo isto aconteceu para que ele pudesse voltar para ti como irmão em Jesus Cristo»... «Eu bem gostaria que Onésimo ficasse comigo, porque bem necessidade tenho disso. Mas, em nome da amizade que há entre nós, eu não quis fazer nada disso sem o teu consentimento. Filémon, escrevo-te estas coisas contando com a tua compreensão e persuadido de que farás ainda mais do que te peço. A graça do Senhor Jesus esteja contigo!». Era isto mais ou menos o que dizia a carta de Paulo a Filémon em favor de Onésimo. E talvez sejam estas as últimas palavras que conhecemos de Paulo, pois não muito depois morreu como mártir da fé em Jesus.