1. SAL E PIMENTA
 

 

Depois dos vários problemas em Jerusalém, Paulo voltou para Éfeso. Foi viver provisoriamente para casa de Áquila e Priscila. Um dia, sentia-se mais nervoso do que o costume. Não parava um momento. Andava o quarto dum lado para o outro sem parar. De vez em quando, saía cá para o corredor... e depois era a mesma história. Com ar de poucos amigos, com a mão a amparar o queixo, Paulo caminhava e caminhava, sem parar. A um dado momento, Áquila e Priscila não aguentaram mais: «Mas o que é, homem de Deus?». Paulo apenas lhes lançou um olhar furtivo. E continuou a andar dum lado para o outro...

 

Priscila então segurou Paulo pelo braço e obrigou-o a parar um pouco: «Está aqui em Éfeso, mas com certeza está a pensar na linda cidade de Corinto. É uma cidade interessante, não é? Pudera! Deixou lá tantos amigos! Mas, deixe-se disso! Nós entendemos isso muito bem. Ainda o outro dia falámos sobre o assunto. Pois bem, oiça uma coisa. Vou ser rude consigo, mas tenho que lho repetir: o senhor continua a pensar que as coisas não funcionam se o senhor não estiver lá! Olhe, não se esqueça do que lhe disse da outra vez: ninguém é imprescindível neste mundo!».

 

Mas, nem mesmo assim Paulo abriu a boca. Então Priscila voltou à carga, como se costuma dizer: «Pois bem! O que lhe vou dizer custa-me muito, mas acho que devo dizê-lo: se Deus quer alguma coisa de si neste momento, então é que esqueça Corinto. Aliás, eu até nem percebo esse estado de espírito em si, que sempre foi um homem que nunca se deixou levar por tais sinais de sentimentalismo! Olhe que, se continua assim, ainda acaba por rebentar!»...

 

Paulo só agora começava a olhar para Áquila e Priscila. Embora sem parar ainda, ia acenando que sim, ao mesmo tempo que levantava de vez em quando o sobrolho. Priscila achou então que tinha chegado a altura para lhe dizer mais algumas: «Eu acho (e espero que me perdoe se lhe digo isso!) deve confiar também nos outros e deve deixar que os outros o ajudem no sem trabalho. Veja, por exemplo, Apolo, que nós conhecemos. Claro que ainda não sabia tudo, mas, com a ajuda doutras pessoas, esse rapaz (aliás, esse homem, que agora já não é rapaz nenhum) é um elemento muito válido. Pois bem, eu acho que, se lhe for pedido, ele pode fazer um óptimo trabalho em Corinto!».

 

O aspecto carrancudo de Paulo ia passando a custo. Não lhe era fácil aceitar o que Priscila dizia. Mas, como era um homem inteligente, Paulo via que as suas palavras tinham sentido. «Repare também em Tito» – continuou Priscila – «Foi ele que nos preparou a estrada lá em Corinto. E, além disso, é um homem bem visto por toda a gente: pelos judeus, porque é realmente muito amigo das pessoas; e, também pelos romanos, porque ele mesmo é romano. Tem uma boa cultura e aprendeu muito sobre a vida e a obra de Jesus... De que é que tem medo, Paulo?»...

 

Priscila estava em tarde inspirada: «Paulo, tem que confiar também nos outros. Eu sei que não é fácil deixar os amigos, mas também aqueles que foram os apóstolos e viram a Jesus confiam em si, não é verdade?». Áquila, que seguia a conversa com paciência, teve uma ideia: «Olhe, Paulo! Está aqui Timóteo, que o senhor tem em grande consideração. Pois bem! Eu acho que não seria má ideia mandar Timóteo a Corinto para ver como é que estão as coisas por lá. Ele levava uma carta sua para a comunidade de lá e... pronto!».

 

O que Priscila e Áquila diziam era verdade. Timóteo era uma espécie de secretário de Paulo. Quando saía um navio qualquer para a Galácia, uma região mais a Norte, ou para Filipos, ou para qualquer outro lugar onde houvesse cristãos, Paulo, talvez à ultima da hora, lembra-se sempre de mandar uma carta com bons conselhos àquela gente. Só que, nesta altura, Paulo já sofria de muitos achaques e, além disso, tinha uma letra terrível. Por isso, era Timóteo que escrevia o que ele ditava ou chegava mesmo a desenvolver alguma ideia que ele lhe transmitia. Assim, Timóteo tinha aprendido realmente muito sobre o que Paula pregava e ensinava...

 

Todas estas ideias passaram pela mente de Paulo como um relâmpago. Por isso, de repente, dispôs-se finalmente a falar: «É verdade! É mesmo assim. Vós tendes razão. Desculpai-me, Áquila e Priscila, por não ter sido muito educado convosco. Tanto Timóteo, como Apolo e Tito podem ensinar às pessoas o que Jesus quer da gente!». E assim Paulo continuou o seu trabalho no lugar onde estava, sem necessidade de fazer viagens contínuas. Já não tinha idade e forças para andar sempre dum lado para o outro.

 

Ficou então decidido que Timóteo, Apolo e Tito fossem encarregados de percorrer as comunidades cristãs que Paulo tinha fundado durante vários anos... Uma vez, Timóteo não gostou muito da experiência que tinha feito em Corinto. Vinha preocupado. Por isso, a primeira coisa que fez ao chegar a Antioquia, foi ir à procura de Paulo. As coisas não lhe tinham corrido bem. É que em Corinto havia muita coisa que estava a dar para o torto. E Timóteo tinha que explicar o que tinha visto...

 

Em Corinto, Timóteo tinha encontrada várias pessoas, que hoje chamaríamos reaccionários, que não faziam mais nada senão dizer mal de Paulo: «Paulo? Ora, ora! Não nos digam que esse Paulo é mesmo discípulo de Jesus? Isso são histórias! Ele nem sequer conheceu Jesus! Nós, sim! Nós somos ainda da primeira comunidade. E essa é que é a comunidade legítima, reconhecida como a primeira entre todas as comunidades. Nós viemos de Jerusalém...»

 

Nessa viagem a Corinto, além de Timóteo, tinha ido também Apolo. Este falava como ninguém e as pessoas gostavam muito de o ouvir. Tinha um carácter excepcional. Mas, talvez por isso, mesmo, as coisas começaram a complicar-se. É que, como ele encantava as pessoas que o ouviam, alguns chegaram mesmo ao exagero de fazer partido por ele. Até pessoas que não entendiam muito bem o que ele dizia, se empolgavam. E assim acabou por se formar um grupo à volta de Apolo que corria o perigo de se desviar da doutrina autêntica. Ou seja, por outras palavras, os que o seguiam começavam a fazer divisões: «Assim como há os de Pedro e os de Paulo, assim também nós pertencemos a Apolo». Para eles, este novo pregador de Jesus era um autêntico profeta...

 

Timóteo tinha tentado convencer essas pessoas que não podia haver divisões; que não havia nem partidos de Pedro, nem partidos de Paulo, nem partidos de Apolo, mas não tinha conseguido. Fora esse o motivo porque viera mais depressa para falar com Paulo sobre o assunto. Acrescia o facto que Apolo, embora soubesse muito sobre Jesus, não reconhecia senão o baptismo de João Baptista... Todos esses factos fizeram com que Paulo pensasse muito bem numa carta especial para mandar aos Coríntios. E foi o que fez, mesmo antes de deixar a cidade de Antioquia.