1. DE VOLTA À CIDADE
 

 

Paulo chegou a Jerusalém acompanhado por Lucas, que, pelo que se contava, era um nobre médico com uma educação grega esmerada. Quando chegou, todos os irmãos o receberam com alegria. Começou por ficar em casa de alguns amigos que tinha feito quando estivera a estudar em Jerusalém. Há muito tempo que não vinha à grande cidade de Israel e era natural que as pessoas quisessem saber notícias suas e daquilo que tinha feito durante os seus anos de ausência...

 

No dia a seguir à sua chegada a Jerusalém, Paulo deslocou-se com alguns amigos a casa de Tiago, que era o bispo nomeado para presidir aos destinos dessa cidade. Os outros apóstolos andavam por fora. Dos apóstolos só Tiago estava em Jerusalém nessa altura. Em casa decorria uma reunião dos responsáveis por vários grupos cristãos. Paulo saldou-os a todos e começou a expor minuciosamente tudo aquilo de que se lembrava ter acontecido durante o seu tempo de viagens pelo mundo de cultura grega...

 

Paulo falou aos presentes também dum fenómeno que tinha encontrado durante as suas viagens. E era o facto de muitos entre os não judeus se converterem também à mensagem de Jesus. Tiago e os outros ficaram contentes ao ouvirem tanta notícia. Mas, temendo que algumas coisas fossem mal interpretadas, disseram-no a Paulo: «Também aqui em Jerusalém muitos judeus se convertem. Mas não deixaram de ser ardentes defensores da lei judaica. Ora, no teu caso, parece que as coisas não são assim. Disseram-me que ensinas aos judeus espalhados por essas terras pagãs que não é preciso seguir a Lei de Moisés. Compreendo que haja sítios em que a cultura é outra e não lhes podemos impor todos os nossos costumes. Mas peço-te uma coisa: pelo menos aqui em Jerusalém, não convém dar azo a que as pessoas pensem mal»...

 

A Paulo bem custava acatar esta sugestão de Tiago, mas, para não criar problemas, achou que devia respeitar esse desejo dele. Para Paulo, o essencial não eram essas coisas, mas fundamentalmente acreditar que Jesus era o Filho de Deus e que ele tinha vencido o poder da morte com a sua ressurreição. Seja como for, como era uma pessoa inteligente, bem depressa se deu conta que não havia problema nenhum em ser judeu com os judeus. Assim como com os gregos podia ser grego e com os romanos podia ser romano, assim também com os judeus podia ser judeu...

 

No dia seguinte, ao entrar no templo de Jerusalém, Paulo fez exactamente como os judeus; ou seja, os ritos de purificação que estavam mandados na Lei. Só que aconteceu o imprevisto. No local encontravam-se por acaso alguns judeus vindos de fora que viram e reconheceram Paulo. E então começaram logo a dizer a toda a gente que aquele homem pregava em toda a parte contra o povo judeu e contra a Lei de Moisés. Acusaram-no até de um dia ter levado gregos, ou seja, pagãos, ao templo do Senhor...

 

A notícia espalhou-se logo por toda a cidade. E então o povo não esteve com meias medidas. Foi até onde estava Paulo e um grupo de indivíduos mais atrevidos puseram-lhe as mãos em cima e conduziram-no para fora do tempo, com vontade de o linchar imediatamente. Paulo nesse momento lembrou-se logo da morte dum jovem que tinha sido apedrejado, quando ele ainda era muito jovem. Mas, felizmente, antes que acontecesse algo do género, o procurador da corte mandou soldados e um centurião para o lugar para restabelecer a ordem. A multidão, ao ver os soldados e o centurião, parou de bater em Paulo. E, para o proteger da fúria dos que berravam e exigiam a sua morte, o tribuno prendeu Paulo...

 

Mas o povo seguiu atrás deles gritando sempre: «À morte! À morte!». Então, já quase dentro da fortaleza, Paulo pediu ao tribuno para que lhe permitisse falar às pessoas. Concedida a autorização, Paulo acenou ao povo. Fez-se silêncio, sobretudo quando os presentes perceberam que ele falava hebraico. «Meus irmãos!» – disse Paulo – «Ouvi com atenção o que tenho a dizer em minha defesa. Eu sou judeu, como vós, nasci em Tarso, mas fui educado nesta cidade. Recebi a minha instrução de Gamaliel em todo o rigor da Lei dos nossos pais. E fui tão rigoroso que até cheguei a perseguir os que pertenciam a esta nova religião de Jesus, algemando e levando para a prisão homens e mulheres. Recebi até da parte das autoridades religiosas e civis mandatos de captura contra os amigos de Jesus que estavam em Damasco...».

 

«Ia já muito perto de Damasco quando, por volta do meio-dia, uma intensa luz vinda do alto me rodeou com a sua claridade. Caí imediatamente por terra e, ao mesmo tempo, ouvi uma voz que dizia assim: “Saulo, Saulo, porque me persegues?”. Eu respondei a essa voz: “Quem és tu, Senhor?”. Ao que a voz me respondeu: “Eu sou Jesus de Nazaré a quem tu persegues!”. Então eu, atrapalhado, perguntei: “Mas o que é que devo fazer, Senhor?”. E tornei a ouvir a mesma voz: “Olha, entra em Damasco. Lá alguém te há-de dizer o que deves fazer”. Então fui levado pelos meus companheiros, porque eu deixe de ver por causa da luz. Então um certo Ananias, que era discípulo de Jesus, recebeu-me e voltou a dar-me a vista em nome de Jesus. E foi ele também que me disse: “O Deus dos nossos pais predestinou-te para conheceres a sua vontade, para veres o Messias e para ouvires as suas palavras”. Eis por que estou aqui no meio de vós»...

 

E Paulo terminou o discurso à multidão da seguinte maneira: «O Messias, Jesus de Nazaré, falou comigo e disse-me que eu tinha de falar do seu nome sobretudo aos não judeus!». Quando os presentes ouviram dizer estas coisas, ou seja, que também os não judeus eram chamados a fazer parte da comunidade dos cristãos, tornou-se a ouvir um barulho ensurdecedor. E um dos presentes até se atreveu a gritar outra vez: «À morte! À morte! É preciso eliminar um homem assim!». Outros se juntaram depressa aos protestos. Outros lançavam as capas ao ar e outros, ainda mais fanáticos, deitavam terra ao ar para demonstrar a sua indignação...

 

O tribuno romano não percebia nada do que se estava a passar. Mas, por precaução, levou Paulo consigo. Já na esquadra, digamos assim, utilizou métodos não muito benignos para fazer com que Paulo falasse, porque queria saber o motivo por que as pessoas gritavam daquela maneira contra ele. O tribuno não tinha problemas de maior em tratá-lo mal, porque, afinal, não se tratava dum judeu como outro qualquer... Paulo viu as coisas mal paradas. Então, não vendo outra solução, lançou mão do último argumento que tinha.

 

E assim foi dizendo ao tribuno romano: «Por acaso o senhor tem poder para açoitar um cidadão romano, que nem sequer foi julgado? Pois bem, eu sou cidadão romano e como tal devo ser tratado!». Ao ouvir isto, o tribuno ficou com algum receio, porque, sendo assim, havia algo de ilegal. Por isso, procurou livrar Paulo das mãos dos judeus. Ainda houve alguns problemas para acalmar a multidão, mas tudo se compôs. Paulo ficou assim livre duma morte certa que os judeus já lhe tinham preparado.