1. ESCREVER COM RAIVA
 

 

Paulo tinha um grande carinho pelos cristãos de Corinto. Mas, precisamente, por isso, não suportava tão facilmente os erros em que eles caíam. E, por isso, quando Timóteo lhe disse que se tinham criado várias divisões e partidos entre partidários de Pedro, Paulo e Apolo, ficou furioso. Se Áquila não o tivesse segurado nesse momento, ele teria embarcado imediatamente no primeiro barco que partisse para essas paragens: «Calma, Paulo! É melhor que Tito trate desse assunto, já que vai ter que passar por lá!».

 

Tito era bem mais calmo do que Paulo. De resto, ir a Corinto armar barulho, não ia resolver nada. Se calhar, só estraga era o que tinha sido feito durante os últimos anos. O que Áquila aconselhou a Paulo foi simplesmente que escrevesse uma carta e a enviasse às comunidades de Corinto por intermédio de Tito...

 

E assim, ainda naquela noite, Timóteo sentou-se ali num quarto que servia como uma espécie de secretaria e escreveu a carta que Tito devia levar para Corinto. Escreveu o que Paulo dizia, ou pelo menos o que ele conseguia apanhar das palavras apressadas de Paulo. Pelo interesse que essa carta representa, acho que vale a pena respigar pelo menos algumas das passagens mais importantes...

 

A carta começa assim: «A bênção de Deus esteja com todos vós. Lamento muito, mas ainda não pude visitar-vos pessoalmente, como era meu desejo. Mas talvez seja melhor assim. Senão, eu ia-me incomodar e vós também. Pois bem, o motivo principal por que vos escrevo é o seguinte: é que ouvi uma notícia muito triste. Parece que, entre vós, apareceram uns mestres estranhos a fazer discursos sem nexo e que afirmam que eu só sou cristão de segunda classe, por ter ouvido a doutrina de Cristo em segunda mão. Pois bem, se é assim, também vós vos deixastes passar por cristãos de segunda classe, porque recebestes a mensagem de Cristo por meu intermédio...».

 

«Meus amigos» – continua a carta de Paulo – «Estar a discutir quem é mais ou menos importante é tempo perdido. Já devíeis saber que não é isso que interessa. Nem é mais importante quem foi baptizado por Apolo, nem por Paulo nem por Pedro. O que importa realmente é ser baptizado em nome de Jesus... Nós somos de Cristo e é isso que nos deve bastar. Portanto, não há mais nada a discutir sobre esse assunto. Porventura terei eu que me apresentar como um grande homem, o maior de todos, para que os cristãos que se converteram por meu intermédio sejam de primeira classe? Mas isso, meus amigos, é não compreender nada do que é ser cristão! Portanto, é melhor acabar com essa discussão»...

 

E Paulo continua: «Eu não passei por Corinto ou por qualquer outro sítio para fazer propaganda por um meu partido. O que eu fiz (isso e mais nada) foi pregar o nome de Jesus. Recordo-me que vos contei factos e vos transmiti princípios que serviam para a vossa vida. O resto não me interessa nada. O que me interessa é que Jesus seja conhecido e glorificado e que nós todos acreditemos que Ele é o Filho do próprio Deus. O resto acho-o inútil e indigno...».

 

«Espero que vós, meus amigos» – continuava a carta – «me compreendais bem no essencial. Se eu fosse só um bom orador e pronunciasse palavras bonitas, mas não vos amasse, então a minha actividade junto de vós teria sido inútil. Eu teria sido como uma corneta de latão, de onde não sai nenhum som decente. Se eu fosse, sei lá, como o membro de algum clube de profetas, eu poderia passar por um homem profundamente religioso, mas não seria senão como os outros: de nada me adiantaria se não vos amasse. Eu poderia ser até o maior mártir da fé e dar aos outros tudo o que tenho. Mas, se não vos amasse, a minha vida não teria sentido. E muito menos teriam sentido as vossas discussões por causa do meu nome ou do nome doutro qualquer»...

 

«Meus amigos, vós devíeis saber que discussões do género entre vós são absolutamente estéreis. Cristo não nos ensinou a querermos ser mais importante que os outros. O que ele disse foi que quem quiser ser o maior se faça o menor. Ele disse que, para sermos cristãos (ou seja, seus discípulos) e não mais cristãos que os outros, temos que nos amar uns aos outros. É esse o distintivo dos cristãos autênticos e não pertencer ao partido deste ou daquele. Se teimarmos em usar essa terminologia, então o que podemos dizer é que o que importa é pertencer ao partido de Cristo e de mais ninguém. Mas isso são apenas palavras...».

 

É ainda da carta de Paulo aos Coríntios: «Repito, o que importa é que haja entre vós amor. O amor é paciente. O amor é prestável e vai ao encontro dos outros. O amor não é exibicionista. O amor não é malvado. O amor não pensa em si mesmo e na própria importância. O amor não abandona os outros e não deixa ninguém sozinho. Portanto, criar grupos e divisões é contra o amor. O amor alegra-se com tudo o que é verdadeiro, com tudo o que é honesto e puro. Pelo amor, podemos conquistar tudo...».

 

«Irmãos em Cristo, que estais em Corinto! Lembro-vos, mais uma vez, o Evangelho que vos anunciei. Será por ele que sereis salvos, se o conservardes como eu vo-lo ensinei. E não falemos mais nessas discussões estúpidas de quem é ou não é mais importante. Repito: é o amor que permite que tenhamos nova esperança e nova fé, pois o amor acredita e espera em tudo. Aliás, digo mais: nós dependemos do amor. Há tanta coisa que ainda não compreendemos! Se olharmos ao nosso redor, há tanta coisa sem pés nem cabeça. Mas isso um dia vai mudar. Não devemos desistir de ter fé e esperança. Quando tudo mudar, então já não será preciso mais nada senão o amor. Porque é isso a coisa mais importante...».

 

«É porque acredito que as coisas hão-de mudar que não tive nenhuma dúvida em suportar tudo por amor de Cristo e pelo vosso bem. De facto foi por isso que fui açoitado muitas vezes, fui apedrejado, passei por tempestades no mar, fui exposto a todos os perigos, sujeitei-me a trabalhos sem contra, a jejuns, a penitências. Pensais que fiz tudo isso para ser mais importante que os outros? Não, de maneira nenhuma! Fiz isso por amor de Cristo e para vos comunicar a sua mensagem a todo o custo...».

 

Paulo estava animado a ditar estas coisas a Timóteo. Por isso, este interrompeu-o dizendo: «Paulo, um momento só! As últimas coisas disse-as tão depressa que eu não eu não cheguei a perceber como é que quer que acabe a sua carta. O que é que foi que o senhor disse no fim?». Paulo parou o ficou a olhar para Timóteo... Mas, logo a seguir, ele próprio pegou na caneta e rabiscou no fim da carta uma espécie de «P.S.» que dizia assim: «Meus amigos, agora eu mesmo vos escrevo umas palavras com letra grande. Cumprimentos e saudações a todos os meus amigos! Sou muito vosso amigo. Precisamente como Jesus que também é muito amigo de todos vós. Construí a unidade entre vós, porque não amar é ficar de fora da comunidade. Apoiai todos a causa de Cristo. Abraços a todos! Paulo».