1. A DEUSA ARTÉMIS
 

 

As saudades que Paulo sentia por Corinto e Éfeso eram muito grandes, mas não havia outro remédio. Tinha chegado a altura de partir. Tinha muita pena em deixar tanta gente conhecida e tantos amigos, mas era o que sentia que devia fazer. É verdade que as dificuldades não faltavam, mas a maior parte das vezes, os novos cristãos eram sinceros e generosos. Mas Paulo achava que é precisamente quando a gente gosta das pessoas que não se deve deixar prender por elas...

 

Paulo reflectiu ainda sobre se devia deixar Éfeso ou não, mas depois chegou a esta conclusão simples e triste ao mesmo tempo: «Antes que me dê conta, acabo por pensar que esta gente já não pode viver sem mim e, depois, é que é o cabo dos trabalhos! Se, ao contrário, eu me for embora, terão que resolver os seus problemas sozinhos e isso vai contribuir para que eles cresçam na fé. E isso só pode ser um bem!». E, se essa era a sua conclusão, tinha que decidir a sua partida quanto antes.

 

Fora esse o principal motivo por que Paulo partira de Corinto e agora também de Éfeso. Antes disso, porém, será bom não deixar de mencionar um episódio interessante que se passou nesta cidade. Todos os habitantes de Éfeso tinham muito orgulho na sua cidade. O que, aliás, é muito natural. De resto, a cidade era famosa. Além de muitas outras coisas, havia lá um estádio e ainda o belo templo de Artémis, que era conhecido em toda a parte. Tinha uma história gloriosa. Éfeso tinha a sua própria deusa protectora desde tempos imemoriais. Todos sabiam disso. A deusa chamava-se Artémis. E os habitantes estavam absolutamente convencidos que era graças a ela que a paz reinava na cidade. Era a deusa da sorte deles. Eles acreditavam firmemente nisso...

 

Em todas as lojas se podiam comprar pequenas lembranças com a figura da sua deusa protectora. Havia pratos de Artémis, caixinhas de Artémis... mas a lembrança preferida dos turistas era uma miniatura de prata do templo. Os joalheiros de Éfeso eram famosos por esses trabalhos de prata. Sobretudo um certo Demétrio que era um verdadeiro mestre nessa arte. Paulo é que não ligava nada disso. Paulo frequentava a sinagoga que, ao que parece, não era longe do templo da deusa Artémis.

 

E bem depressa se formou ali um grupo que discutia animadamente com ele. Incluindo não judeus que se interessavam por aquelas reuniões da sinagoga, pois o culto de Artémis não lhes dizia nada. O que Paulo dizia tinha algo de nunca ouvido. Isso, por exemplo, era objecto de perseguição, porque desviar as pessoas do culto a Ártemis significava para alguns a perda dos seus negócios...

 

Demétrio, por exemplo, era um homem que tinha um negócio onde fazia templos de prata em miniatura. Fornecia essas miniaturas a todas as lojas e bancas de recordações da cidade. Um dia, ouviu a um dos seus funcionários falar sobre uma comunidade dos tais chamados cristãos. Já tinha notado que havia gente que perguntava por Paulo, mas, até aí, não tinha feito muito caso. Mas agora tinha que tomar cuidado, porque a nova religião estava a tornar-se um mau negócio para a sua firma...

 

E, quando se começou a notar que os negócios estavam de facto a decrescer, Demétrio convocou todos os artesãos e os lojistas para uma reunião. E disse-lhes: «Meus senhores, chegou à nossa cidade um tal Paulo. A gente nem sabe exactamente de onde é que veio. Mas o facto é que ultimamente chegou ao cúmulo de vir dizer que as pessoas não se salvam por comprar as nossas obras de arte. Então... nós a trabalhar e depois vem alguém com o maior desplante dizer que não se deve acreditar nos nossos templos?! Francamente! Não me importo que os negócios baixem, mas acho que temos que defender o nome da nossa santa padroeira!»...

 

Saíram logo da reunião quase fora de si: «Não podemos aceitar que esta situação continue. Ártemis! Ártemis! Ártemis é grande. Viva a nossa deusa Ártemis!». E foram percorrendo as ruas da cidade a dar vivas à grande deusa. E acabaram por ir até onde Paulo estava, exigindo que comparecesse no estádio para uma discussão...

 

Apesar dalguns conselhos em contrário, Paulo não teve outro remédio senão ir ao debate. Aquilo foi mas é uma autêntica balbúrdia, porque todos queriam falar ao mesmo tempo. Até que se levantou um homem com boa voz, chamado Alexandre, e que por acaso já era amigo de Paulo, que se dirigiu à multidão: «Calma! A paz esteja com todos; os que acreditam no Deus dos judeus e os que acreditam na deusa Ártemis!». Mas os ânimos não se acalmaram. Aquela multidão continuou ali a berrar por mais duma hora, sem que ninguém se entendesse. Alguns continuavam a fazer manifestações e a gritar o nome de Ártemis. Outros gritavam à blasfémia, porque judeus imundos tinham desrespeitado a deusa Ártemis. E havia também os que se divertiam com tudo aquilo...

 

De repente, apareceu no local o secretário da prefeitura nomeado pelos romanos. Perante o representante da autoridade, aquela gente começou a fazer silêncio. Conseguiu acalmar os ânimos dizendo mais ou menos o seguinte: «Prezados moradores de Éfeso! Toda a gente sabe que em Éfeso existe o único templo verdadeiro de Ártemis. Ninguém duvida disso. Acalmem-se todos, por favor! Ora bem, esta gente que vós estais a apupar por acaso roubou alguma coisa do templo? E, se alguém roubou alguma coisa, Demétrio já fez ou não queixa às autoridades? Já apresentou queixa às autoridades romanas? Não?! Apresentem provas, se estes homens são culpados de sacrilégio ou blasfémia contra a deusa Ártemis!».

 

Como ninguém se atreveu a contestar as palavras do representante da autoridade romana, ele concluiu: «Se as autoridades de Roma chegam a saber que não temos provas contra estas pessoas, pode acontecer que nos acusem de insurreição e então os problemas vão ser grandes. Não havendo mais nada a tratar, declaro por encerrada esta reunião. Todos para casa!». E todos se foram esgueirando para casa. Perante esta debandada geral dos presentes e pelo facto de ela se ter dado tão rapidamente, Paulo ficou ali quase boquiaberto. Mas isso durou pouco tempo. Logo a seguir, começou até a rir-se do sucedido com os seus amigos. Mas foi também um alívio muito grande aquilo ter acabado sem nenhum incidente. Por fim concluiu: «Como é que, onde quer que falemos, há sempre gente que fica assustada com as nossas histórias?! Há algo de estranho em tudo isto!».

 

Alguns dias depois, Paulo reuniu os discípulos, fez-lhes as últimas recomendações, despediu-se deles e partiu para a Macedónia. Percorreu toda essa região exortando os fiéis. Daí partiu para a Grécia onde esteve três meses. Mas também na Grécia, para além de algum sucesso, teve problemas com as pessoas. E, por isso, decidiu finalmente voltar para Jerusalém passando novamente pela Macedónia.