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Depois da sua primeira intervenção na sinagoga dos judeus em Antioquia, Saulo foi convidado por um grego para almoçar. Enquanto Saulo almoçava, entrou um rapaz na sala de jantar. Tinha um recado muito importante a transmitir a Saulo. Pelo menos, era isso que ele dizia. É que, por volta do meio-dia, tinham chegado de Jerusalém umas pessoas que alguns diziam que eram «cristãos verdadeiros». Entendia-se por «cristãos verdadeiros» os que tinham acompanhado todas as coisas desde o princípio. Alguns deles eram aparentados com aqueles que tinham conhecido a Jesus pessoalmente.
Ao que parece, esses tais «cristãos verdadeiros» tinham alguns pontos a esclarecer. Saulo era pessoa que nunca deixava nada a meio. Quando fazia alguma coisa, gostava de a fazer bem. E, por isso, quando conversava com alguém, não reparava em mais nada. Não lhe interessava mais nada do que acontecia ao seu redor. E, por isso, quando o miúdo interrompeu o almoço e começou a contar o que se passava, Saulo escutou-o com toda a atenção. Tanto que nem se deu conta que alguns dos convivas, sobretudo judeus, começaram a desculpar-se e a ir-se embora.
O que se estaria a passar que até Barnabé, o amigo de Saulo (que, de resto, o tinha convidado para vir para Antioquia), arranjou uma desculpa para se afastar do local discretamente... O almoço estava praticamente no fim, quando chegaram esses tais cristãos verdadeiros vindos de Jerusalém. Saulo continuou a conversar, como tinha feito até aí, com todos aqueles convivas gregos. E não ligou muito ao que de estranho se estava a passar ao seu redor...
Finalmente, alguém lhe tocou no ombro e o avisou de que havia ali gente à sua procura. Eram sete cristãos de Jerusalém que tinham ficado especados ali à soleira da porta. Estavam já um pouco impacientes. E Saulo ficou surpreendido quando eles o apostrofaram do seguinte modo: «Mas será possível?! Como é que pudeste fazer isto? O que é que você julga que está a fazer? Então, você também é desses?! Que decepção! Afinal, não nos quer explicar o que se está a passar aqui nesta casa?». O seu tom de voz denotava que estavam escandalizados com Paulo.
Paulo é que não estava a perceber nada. Mas não se atrapalhou perante as perguntas dos cristãos vindos de Jerusalém ou cristãos verdadeiros: «O que é que está acontecer, dizem os senhores Então, não estão a ver? Estou a almoçar com esta gente! Onde é que está o mal?». Resposta imediata deles: «Mas como? Pense só um bocadinho! Por acaso, sabe se estas pessoas obedecem ou não às nossas leis que dizem o que podemos ou não podemos comer?! Por acaso, esta gente aqui percebe o suficiente de Bíblia para o senhor ter todas estas intimidades com eles?!»...
Saulo olhou para eles com alguma estupefacção e procurou desculpar-se dizendo-lhes: «Mas, estamos aqui entre amigos! Vá, sentem-se os senhores também aqui com a gente e comam qualquer coisa! Afinal de contas, somos todos cristãos!». Aqueles homens vindos de Jerusalém ficaram-se a olhar para Saulo com os olhos esbugalhados. E depois, despeitados, começaram quase a insultar Saulo: «Cristãos, cristãos! Todos somos cristãos? Sim, pois olhe, fique sabendo que nós levamos a religião a sério, entende?»...
Saulo era um carácter exaltado e, desta vez, ficou mesmo furioso e revoltado. Se não tivesse sido a intervenção de Barnabé, que veio pôr água na fervura, teria havido ali mesmo barulho. «Oiçam!» – interrompeu Barnabé – «numa cidade como Antioquia moram muitos que não são judeus. Então os senhores não acham que temos de lhes contar também a eles o que significa viver da maneira como Jesus quer? Afinal, não é também isso o que se faz em Jerusalém?»...
«Bem!» – insistiram os cristãos de Jerusalém – «não é bem a mesma coisa!». «Mas não é a mesma coisa como?» – interrompeu Saulo – «Então Jesus não disse aos seus amigos: “Ide por todo o mundo e fazei no meio de toda a gente discípulos meus?”. Não foi por acaso isso o que ele disse? Se é assim, então toda a gente se pode juntar a nós. O que Jesus disse não foi só para um grupo fechado. Jesus não quis nada disso. E é por isso que eu não preciso de estar a perguntar-me a toda a hora: posso ou não ficar com este sujeito? Posso ou não comer na casa de fulano ou sicrano? Não senhor, não é preciso estar sempre a fazer estas perguntas. O que a Bíblia diz é para todos»...
Nesse tempo, antes de ficar cristão, discutia-se se era preciso ou não ser judeu e frequentar a sinagoga. Foi esse um dos primeiros problemas da Igreja. E, como se tratava dum assunto importante, os ânimos por vezes chegavam a aquecer! Só vários anos mais tarde, se fez uma reunião demorada (uma espécie de Concílio) para tratar do assunto. Após muita discussão, todos os presentes aceitaram uma sugestão de Barnabé: «Escutem, por favor! É evidente que temos que estudar e respeitar os livros de Moisés e dos profetas.
O próprio Jesus não dispensou a Bíblia. Nisso estamos todos de acordo. Mas precisamos também de pessoas como Saulo que saibam falar com a gente que não pertence às nossas comunidades e não tem a nossa herança cultural. Estou a pensar, mais concretamente, nos gregos e nos romanos. São pessoas que não conhecem a nossa Bíblia. Mas Saulo tem razão: o que Jesus ensinou também é para eles...».
A intervenção de Barnabé, nessa altura, teve o condão de serenar um pouco os ânimos. Ora, eram coisas que já se tinham passado há algum tempo. Mas, pelos vistos, havia ainda cristãos que não aceitavam nada disso. E, por isso, Barnabé e Saulo tiveram que repetir as mesmas coisas a este grupo de cristãos vindos de Jerusalém. E eles não tiveram outro remédio senão engolir em seco (passe a expressão) o que eles acabavam de lhes dizer. Afinal de contas, tratava-se duma coisa em que os apóstolos tinham concordado...
Barnabé era uma pessoa muito estimada pelos apóstolos e isso teve influência na forma como as coisas correram. Mas aqueles cristãos vindos de Jerusalém não era nada fáceis de vergar. Até um dos cristãos gregos, chamado Tito, teve que intervir (de forma desajeitada, diga-se de passagem) para desanuviar um pouco o ambiente: «Se alguém não tem pelos na língua é Saulo!». Tito, por acaso, até era o dono da casa onde o almoço estava a decorrer...
Todos riram, mas Saulo é que achou pouca graça à brincadeira. Mas isso passou-lhe depressa. No fundo, aquela frase um tanto frívola, tinha realmente contribuído para os presentes se descontraírem um pouco. E, depois disso, Tito mandou encher novamente os copos de todos. E mais: tanto insistiu que os cristãos vindos de Jerusalém acabaram também por se associar... No outro dia, logo de manhã, Saulo e Barnabé embarcaram para a Ilha de Chipre. Perto do farol, ficaram muitos amigos de Antioquia que acenavam em sinal de despedida. Começava uma nova fase da Igreja...