1. NUMA ENCRUZILHADA...
 

 

Naquele dia, logo de manhã cedo, dois peregrinos seguiam o seu caminho todos tristes. Nem sequer falavam muito um com o outro. Até pareciam duas pessoas estranhas uma à outra. Parecia que só suspiravam por uma coisa: abandonar Jerusalém o mais depressa possível. Estavam a caminho da sua terra, que distava uns cerca de 11 quilómetros da capital. Eram eles Cléofas e Lucas, duas pessoas que se tinham entusiasmado com a pessoa e as coisas que Jesus dizia. Mas agora tudo tinha terminado...

 

Lucas e o seu companheiro caminhavam devagar. E, só muito tempo depois de terem deixado Jerusalém, é que começaram a conversar um pouco. Mas, mesmo assim, as palavras ficavam-lhes na garganta. Tinha acontecido algo que os tinha deixado profundamente prostrados. Não acreditavam ainda bem em todos aqueles factos que tinham sucedido naqueles últimos dias lá na cidade...

 

E os dois iam tão devagar que bem depressa um outro peregrino os alcançou. «Shalom! A paz de Deus esteja convosco!» – começou o novo peregrino por cumprimentar – «Então, vindes de Jerusalém?». Os dois não estavam com vontade nenhuma de conversar. E ficaram calados. Nem sequer olharam para o novo peregrino que se tinha juntado a eles...

 

«Mas então o que é que foi?» – insistiu o outro peregrino – «O que é que aconteceu? Então de mau humor?». «Ora, ora! Não querem ver que agora só nos faltava mais esta!» – murmurou Cléofas entre dentes – «Não me diga que o senhor é o único a não saber o que se passou em Jerusalém nestes últimos dias?! Não ouviu falar do que aconteceu a Jesus, um homem que só fez o bem e que trataram de maneira tão brutal? Como se ele tivesse feito mal a alguém! Só fez bem! Só fazia o bem!».

 

«Então... mas o senhor não sabe mesmo nada do que lá se passou?» – insistia agora Lucas – «Só quem não tenha passado estes dias por Jerusalém é que não sabe disso. Ele era nosso amigo. Nós esperávamos que tivesse chegado a altura de as coisas mudarem! Chegámos mesmo a pensar que tinha chegado a altura de estes malditos romanos desaparecerem duma vez para sempre da nossa terra! E, acredite, com Jesus, as coisas podiam mesmo mudar! Mas agora... o que é que a gente há-de fazer?...».

 

E Lucas continuou: «Ficámos todos muito chocados. Pois bem! A esse Jesus prenderam-no, atiraram com ele para uma masmorra e, depois dum julgamento sumário e vergonhoso, mataram-no da maneira mais cruel. Como se ele fosse um criminoso ou um ladrão! Aquele maldito do Pilatos mandou-o matar. Jesus, sim, ele é que poderia ser o rei que nós precisávamos! Mas agora... tudo acabou. Foi tudo por água abaixo. E é por isso que vamos embora. Já não estávamos a fazer nada em Jerusalém»...

 

Houve uns momentos de silêncio. Até que o outro peregrino perguntou a Cléofas e Lucas: «Mas esse Jesus, esse vosso amigo, gostaria de vos ver assim desanimados? De resto, não se ganha nada com isso!». «Ora, mas que pergunta mais parva!» – rebentou, já meio irritado, Cléofas. «Que é que quer que façamos?» – acrescentou Lucas – «Não nos resta mais nada senão voltar para casa!». «Então é só isso o que têm a contar sobre Jesus? Acabou tudo assim de repente?»...

 

A resposta de Lucas não se fez esperar: «Claro que temos!». E começou a contar. Contou tudo o que acontecia quando as pessoas se encontravam com Jesus: conversas, encontros casuais, curas, parábolas, o grupo dos apóstolos. Enfim, tudo o que lhe vinha à memória. E Lucas falou também das bonitas experiências que ele próprio tinha vivido. Contou como as pessoas ficavam cheias de esperança com a maneira toda especial como Jesus lhes falava...

 

Foi nessa altura que a conversa foi animando um pouco. E estavam ainda a conversar quando, lá ao longe, começaram a aparecer as primeiras casas. Estavam a chegar. Mas, antes de chegar, Lucas deu ainda mais alguns exemplos como Jesus vivia e falava com a gente. Então, parando ali numa encruzilhada, Lucas disse para o peregrino estranho: «Bom, estamos a chegar à nossa terra. A mim parece-me que é arriscado continuar viagem, porque já se faz tarde. Não quer ficar lá em casa connosco? Comemos qualquer coisa e depois podemos continuar a conversa!..».

 

Foram-se então encaminhando para casa de Lucas. Mas, antes de chegar, este teve ainda tempo de acrescentar: «Já agora, se me permite, conto-lhe mais o seguinte. Quando saíamos de Jerusalém, até tínhamos pensado que era melhor não voltar sequer a falar do que aconteceu lá na cidade. Mas acontece que, palavra puxa palavra, o senhor começou a falar e a fazer perguntas e então, olhe, viemos sempre a falar sobre isso. Não fui capaz de parar de falar dele!».

 

Os três entraram, finalmente, em casa. Cléofas foi buscar pão e vinho e puseram-se à mesa. A uma determinada altura, aquele peregrino, pelos vistos já familiarizado com Cléofas e Lucas, encheu os copos e foi dizendo: «Ora bem, vocês estavam a contar-me o que se passou com esse Jesus em Jerusalém. Do que pude perceber, e também do que sei dos livros sagrados, a mim parece-me que esse Jesus era o homem mais parecido com o Rei do qual falaram os nossos profetas...»

 

Cléofas e Lucas olharam para o peregrino com curiosidade. E então ele prosseguiu: «Dizei-me uma coisa: esse Jesus não vos falou de todas estas coisas e também como iria morrer?». «Ah, por acaso, até falou!» – respondeu Lucas – «Sim, sim! Chegou até a dizer a alguns dos mais íntimos que o iriam matar, mas que, depois de três dias, havia de ressuscitar!». «Então, e como é que vós sabeis se isso não aconteceu? Pode ser que tenha acontecido, não acham?».

 

O que o peregrino dissera era óbvio. Mas eles nem sequer tinham pensado nisso. Sim, Jesus disse que, ao terceiro dia, ressuscitaria. Como é que ele tinha chegado a essa conclusão e eles não? E então Lucas tomou a palavra e disse: «De facto, o senhor tem razão! Sim, pode ser que ele já tenha ressuscitado! E como é que vamos saber? Calaram-se durante alguns instantes. Depois, o outro peregrino disse: «No caminho, perguntaram-me quem sou eu! Pois bem! Acho que, neste momento, não é isso que mais interessa. O que importa é que vocês entenderam o que eu queria dizer. Bom, eu gostaria muito de estar aqui a conversar convosco sobre estas coisas, mas não pode ser. Tenho que me ir embora. Mas, antes disso, se não se importam, eu gostaria de agradecer a Deus o termos tido este encontro». E então, pegando no pão, deu-lho a eles e tornou a encher os copos. Depois abençoou tudo e, de repente, sem que eles soubessem como, desapareceu misteriosamente da sua presença...