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Aqueles eram tempos terríveis. As colheitas não davam nada. E já uns anos que acontecia sempre a mesma coisa. A terra estava completamente seca. Morriam as pessoas às centenas e aos milhares. O trigo e os outros cereais não cresciam. Onde havia menos fome era no Egipto. Aí, havia muitos silos abarrotados de trigo e cereais. E de toda a parte vinha gente comprar trigo ao Egipto. Havia lá um primeiro-ministro que tinha tido uma grande visão e tinha mandado construir muitos celeiros para os tempos de necessidade.
A fama desse primeiro-ministro tinha chegado a toda a parte. Incluindo à terra de Caná, onde vivia Jacob e os seus filhos. Jacob já tinha perdido o seu filho José e agora não queira deixar morrer os outros à míngua, particularmente o mais novo, chamado Benjamim...Um dia, quando já não podiam aguentar mais, Jacob mandou os seus filhos ao Egipto: «Ouvi dizer que há trigo à venda no Egipto. Acho que não temos outro remédio. Não somos lá muito amigos dessa gente, mas a necessidade aperta. Se não formos, morremos todos à fome. Ide, pois, e comprai trigo suficiente»!
E os filhos de Jacob lá se puseram a caminho. Foram todos, com excepção de Benjamim, que era ainda muito novo para viagens dessas. Além disso, os receios de Jacob eram justificados: «Eu já perdi José. Agora, Benjamim é a única lembrança que tenho de Raquel. Não, não quero perder este também!».José, que no Egipto era conhecido por outro nome, era uma espécie de governador-geral. Tinha muita gente às suas ordens, ou melhor, toda a gente, com excepção de apenas algumas. A distribuição de trigo e de outros víveres estava, pois, sob a sua orientação...
E então, depois duma viagem demorada, os filhos de Jacob chegaram ao Egipto, incorporados num grupo mais numeroso; todos vindos de Caná. Ao chegarem à presença do vice-rei, prostraram-se aos seus pés com o rosto por terra. Cumpria-se assim o sonho que ele mesmo lhes contara quando ainda vivia com eles... É claro que os filhos de Jacob não o reconheceram. Ele era agora um homem bem mais maduro. E, de resto, como é que eles iam adivinhar!? Mas José reconheceu-os a eles imediatamente. E isso explica-se, porque, quando o venderam por vingança, eles já eram homens feitos e ele não. De qualquer forma, embora lhe custasse, não se deu logo a conhecer. Quis primeiro pô-los à prova. Naquelas circunstâncias, eles eram uns pobres coitados e ele o grande príncipe do Egipto; a pessoa mais importante daquele reino, depois do faraó...
«Então – gritou José – de onde é que vindes»? «De Caná», responderam eles. «E como é que vou saber se estais a falar a verdade ou não! Desses lados... não sei! Não sereis espiões que vêm para aqui espiar o nosso país?! Quem me diz a mim que não fazeis parte dum bando de ladrões»! «Não, meu senhor!» – respondeu Rúben – «Nós só viemos para comprar trigo. Nós somos gente honesta. Somos todos irmãos. Saímos de casa só para comprar trigo, porque senão morremos todos; nós e as nossas famílias. Nós somos doze irmãos nascidos todos do mesmo pai. O mais novo ficou em casa, porque ainda é pequeno!»...
José deu meia volta e foi lá dentro dar uma ordem qualquer... Ao regressar, voltou à carga e disse a Rúben: «Vocês, não me mintam, porque senão... eu nem sei o que vos mando fazer!», respondeu-lhe José em tom severo. «Bem, quer dizer – gaguejou Rúben – a verdade é que tínhamos mais um outro irmão. Chamava-se José, mas, infelizmente, ele já não é vivo»! «Bem, talvez estejais a falar verdade, mas que é que me diz que sim?!» – desconversou José. «É como lhe estamos a dizer! Só temos um irmão mais novo em casa. É a única alegria que restou ao nosso velho pai, depois que José se foi. E ele não o quis deixar vir, com receio de que também ele desaparecesse...».
José engoliu em seco ao ouvir falar do irmão mais novo, que não conhecia. Mas, disfarçando a emoção, disse-lhes ainda: «Não há conversas! Fica de pé o que acabei de dizer. Para me provarem que são gente de bem, têm que me trazer aqui esse vosso irmão mais novo. Um de vós vai ficar aqui na prisão como refém e só será solto quando voltardes com o vosso irmão mais pequeno». Eles procuraram explicar que o pai o não deixaria vir, mas a decisão do vice-rei do Egipto era inapelável. Não havia explicações que lhe servissem! E ameaçou-os: «Digo-vos mais: não saireis daqui sem eu ver o vosso irmão. Já que não me dais ouvidos, então, em vez dum só refém, sereis todos presos»...
E, realmente, fechou-os a todos na prisão durante três dias. Depois de três dias, José disse-lhes: «O que vos vale é que eu sou temente do Senhor Deus. Ainda tendes sorte. Seja como for, tendes que me provar que estais a proceder de boa fé. Eu vou fazer o que decidi. Um de vós vai ficar mesmo detido, enquanto os outros vão levar mantimentos para as famílias. Depois, trazei-me também o vosso irmão, porque senão... já sabeis o que acontece a quem ficar aqui preso!». Eles não tiveram outro remédio senão aceitar a decisão do vice-rei do Egipto. E foi nesse momento que talvez pela primeira vez declararam estarem arrependidos do que tinham feito ao seu irmão José, que tinham vendido a uns mercadores... E interpretavam agora o que lhes estava a acontecer como sendo um castigo do mal que tinham feito...
Quem ficou refém na prisão do Egipto foi Simeão. Os outros irmãos voltaram para a terra levando os animais carregados de trigo. Quando chegaram a casa, encontraram, no cimo dos sacos de trigo, o dinheiro que tinham pago. Ficaram intrigados e contaram tudo o que lhes acontecera ao velho pai Jacob. E contaram-lhe também que o príncipe poderoso do Egipto tinha feito prisioneiro Simeão e que só o soltaria se lhe da próxima vez lhe levassem o irmão mais novo... Jacob recusou terminantemente.
Mas a fome continuava a apertar. E tinham que ir de novo ao Egipto buscar mais alimento. E então Judá disse ao pai: «Sem Benjamim, não nos podemos apresentar ao príncipe do Egipto. Sendo assim, se não o deixas ir connosco, morreremos todos de fome, incluindo Benjamim. Portanto, escolhe»! A razão era de peso e Jacob não teve outro remédio... Partia-se-lhe o coração, mas era de facto a única solução.
O encontro com José foi dramático. Este pôs os seus irmãos à prova ainda, antes de se dar a conhecer. Mas depois não aguentou mais e finalmente deu-se a conhecer. Os irmãos nem podiam suspeitar que o grande vice-rei do Egipto era realmente José. Tinham-se cumprido os seus sonhos de jovem. Os irmãos estavam com medo que José agora se vingasse do mal que lhe tinham feito. Mas ele tranquilizou-os: «Foi o Senhor que me mandou à vossa frente para vos poupar a vida. Voltai depressa para a terra e dizei ao pai para vir para junto de mim sem demora... Ide e contai ao pai tudo o que vistes e todas as honras que tenho aqui no Egipto».
José deu-lhes carros e provisões para a viagem... Jacob nem queria acreditar no que ouvia, mas quando viu os carros que José tinha mandado, ficou cheio de alegria. E não tardaram os preparativos para a partida para o Egipto. Ao todo, foram 66 pessoas. Incluindo José, a mulher e os dois filhos, o total era de 70.