IV DOMINGO DA QUARESMA - C

Temas

de

fundo

1ª leitura (Js 5,9a.10-12):  O Senhor disse a Josué: «Hoje tirei de vós o opróbrio da escravidão no Egito». Eis por que este lugar, até aos dias de hoje, continua a ser conhecido por Guilgal. Enquanto os israelitas estavam acampados em Guilgal, na planície de Jericó, celebraram a Páscoa à tarde do décimo quarto dia do mês. Foi o primeiro dia em que eles comeram dos frutos cultivados em Caná: trigo tostado e pães ázimos. No dia seguinte, o maná deixou de cair e os israelitas nunca mais o apanharam. A partir desse momento, começaram a comer dos produtos cultivados em Caná. 

 

* O povo de Deus celebra a Páscoa.

   É Josué quem preside aos destinos do povo de Deus após a morte de Moisés. Este texto, tirado do livro com o mesmo nome, Josué, assinala como tema principal não só o fim do período do êxodo, que encerra com a entrada e o início da conquiesta da Terra Prometida. Agora, tem início a promessa feita ao povo de Israel (hebreu) de que vai tomar posse duma terra «onde corre leite e mel» (cf. Dt 26,9). Tanto o início da libertação do Egito como a tomada de posse da terra prometida são marcadas com a celebração solene da Páscoa. Assim, é evidente que todo o êxodo se torna uma longa passagem (à volta de 40 anos), uma longa peregrinação, durante a qual as pessoas são mantidas em vida com maná e codornizes e com a água viva que manava do rochedo. Talvez a referência ao maná e à água, bem como a alusão à celebração da Páscoa, expliquem o motivo por que o texto hodierno foi escolhido para integrar a preparação da Quaresma. É que, transpondo isso para os «tempos definitivos» - que, afinal, são os nossos - pode-se afirmar que, depois da libertação do pecado através do Batismo (prefigurado pela passagem do Mar Vermelho), a Eucaristia é, com efeito, representada pelo maná com que é alimentado um povo que caminha rumo à posse da Terra Prometida, onde esse maná deixará, de modo definitivo, de existir. Depois da entrada na Terra Prometida, chegou a altura de celebrar a Páscoa para sempre.

 

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2ª leitura (2Cor 5,17-21):  Se alguém está unido a Cristo, é uma nova criatura. O que é antigo deixa de existir e aparecem coisas novas. Tudo isto é obra de Deus, que, por meio de Cristo, nos transformou de inimigos em amigos, proporcionando-nos a missão de fazer também dos outros seus amigos. A nossa Boa Nova é que Deus reconciliou consigo toda a humanidade por meio de Cristo. Mais: Deus não lhes lança em rosto os pecados, mas de facto reconcilia a todos consigo. Eis-me, pois, a falar por Cristo, como se fosse o próprio Deus a fazer o seu apelo através de mim. Em nome de Cristo, faço-vos o seguinte apelo: deixai que Deus vos transforme de inimigos em seus amigos, porque Aquele que não conheceu o pecado Deus fê-lo pecado, como nós, para realmente nos reconciliar consigo.

 

* Deus não nos lança em rosto os pecados.

   Este trecho faz parte duma sessão da segunda Carta aos Coríntios em que Paulo é muito afável. A ideia de severidade que, por vezes (mas nem sempre com razão), se faz de Paulo é totalmente corrigida por estas passagens que, na minha maneira de entender, põem o foco no essencial, colhendo o essencial do coração de Deus. Paulo, por feitio e devido a um excesso de «educação zelosa», talvez, em certas alturas, tivesse a tendência a ser demasisdo exigente, zeloso, e «perseguidor» dos novos crentes. Mas, bem vistas as coisas, Paulo é, sem sombra de dúvida, um arauto da bondade e da misericórdia de Deus. É certo - insisto - que, por vezes, é forte no que ele deixa nos seus escritos. Mas isso serve para contrapor uma ideia que é muito mais importante do que a forma como é exposta. E a verdade é que é muito bom saber que, para ele, o mais importante da «a Boa Nova é que Deus reconciliou consigo toda a humanidade por meio de Cristo». Já agora, e que não restem dúvidas, acrescenta logo a seguir: «Deus não lhes lança em rosto os pecados, mas de facto reconcilia a todos consigo». Ora bem, fazendo uso desta constatação, não será que, nos dias de hoje, já deveríamos ter chegado à conclusão de que é tempo de transmitir ao outros esta Boa Nova, dizendo-lhes, com uma frase cheia de vigor, que «Aquele que não conheceu pecado Deus fê-lo pecado... para realmente nos reconciliar consigo»? Ou seja, não será «ser mais papista que o papa» mandar, em vez disso, as pessoas (os outros, claro) para as profundezas do inferno? Mais ainda: não será que se deve aplica também aqui a verdade: «Não julgueis e não sereis julgados»? (cf. Mt 7,1). Repito: será que só eu estou dispensado desta forma de proceder?!

 

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Evangelho (Lc 15,1-3.11-32):  Um dia, quando muitos publicanos e outros pecadores estavam a escutar Jesus, os fariseus e doutores da Lei começaram a murmurar entre si: «Este homem convive com pecadores e até come com eles!». Então Jesus contou-lhes esta parábola. Havia um homem que tinha dois filhos. O mais novo disse-lhe: «Pai, dá-me a parte da herança que me cabe». O pai repartiu a sua herança entre os dois filhos. Uns dias depois, o filho mais novo vendeu a sua parte e deixou a casa com o dinheiro. Foi para uma país distante, onde gastou o seu dinheiro numa vida tresloucada. Depois de ter ficado sem dinheiro, houve uma fome muita grande por toda a região e ele começou a passar privações. Assim, foi trabalhar para um dos habitantes do país, que o mandou para uma das suas propriedades a guardar porcos. Quem lhe dera poder comer das alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava! Finalmente, caiu em si e disse: «Todos os jornaleiros do meu pai têm mais do que o suficiente para comer e eu aqui a morrer de fome! Vou-me levantar e vou ter com o meu pai e dizer-lhe: "Pai, pequei contra o céu e contra ti e já não sou digno de me chamar teu filho. Trata-me como um dos teus criados"». E, levantando-se, foi ter com seu pai. Estava ainda longe de casa, quando o seu pai o viu. Encheu-se de compaixão, correu para ele e lançou-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. «Pai, disse o filho, pequei contra o céu e contra ti e já não mereço chamar-me teu filho». Mas o pai chamou pelos criados: «Depressa! Trazei a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e calçai-lhe umas sandálias. Depois, ide buscar um vitelo gordo e matai-o. Vamos fazer festa! Pois este meu filho estava morto, mas agora está vivo; estava perdido, mas agora foi encontrado. E a festa começou...... (a parábola é para ler toda).

 

* Estava morto e voltou à vida.

  Eu diria que me parece quase «sacrilégio» acrescentar comentários a esta parábola, sem dúvida uma das mais belas «histórias» - se não a mais bela - do Evangelho. No capítulo 15 do Evangelho de Lucas, encontramos três parábolas sobre a misericórdia por excelência: a da ovelha perdida; a da dracma perdida; e uma exclusiva de S. Lucas, que é a do filho perdido, mais conhecida por parábola do filho pródigo e que eu pessoalmente (o que venho fazendo desde sempre) acho melhor designar por «Parábola do Pai Misericordioso». A finalidade desta parábola é - sem sombra de dúvidas - realçar, mais que o mal causado pelo pecador, a misericórdia do Pai para com aquele que decide regressar a casa. Bem, já agora, seja-me permitido salientar  algumas curiosidades muito significativas. Considero, por exemplo, algo curioso que Jesus, ao narrar a parábola, tenha deixado claro que os motivos que levaram o filho, que tinha tinha consumido tudo o que tinha numa vida tresloucada, a voltar para o pai, não foram lá muito nobres. Com efeito, ele decidiu voltar para casa sobretudo porque estava para ali a morrer de fome. É certo que esse filho reconhece ter feito asneira e não ser digno de ser chamado filho, mas é a circunstância de não ter que comer que «desencadeia» essa nostalgia de Deus e essa vontade de regressar a casa. Aliás, espero não ser levado a mal se disser que, se, por hipótese, o dinheiro não se tivesse acabado, estou convencido que, se calhar, não voltava. Isso é só uma espécie de preconceito (será?), mas acrescento que isso nos pode levar a concluir que Deus se serve de tudo o que nos acontece - até o mal - para nos chamar a Si. Sim pelos vistos, Ele só está à espera que tomemos essa decisão para nos abraçar e mandar fazer uma festa. E, mais uma vez, é claro que Deus não tem prazer nenhum em lançar-nos em rosto os nossos pecados, mas sim anseia por nos acolher nos seus braços de misericórdia... Já agora, realço uma outra coisa curiosa: o filho rebelde trata o Pai da parábola por «pai» pelo menos quatro vezes, ao passo que não se ouve da boca do mais velho o termo «pai» nem sequer uma vez. Será apenas por acaso ou uma coincidência? Por outras palavras, o evangelista - que conta a história - não nos quererá dizer mais alguma coisa?

 

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Eu tirei de vós 

    o opróbrio da

    escravidão

    do Egito.

 

Quando alguém

    está unido a

    Cristo,

    é uma nova

    criatura.

 

*  Este meu filho

     estava morto

     e agora vive;

     estava perdido

     e agora foi

     encontrado.

O PAI 

MANDOU

FAZER

UMA FESTA

POR TER

ENCONTRADO

O FILHO

MAIS NOVO.

   

   Mais uma vez, como no domingo anterior, por motivos que têm a ver com a falta de disponibilidade para redigir um comentário extra às leituras deste domingo, recorro ao que já foi feito pelos autores do «Messale dell'Assemblea Christiana», sendo da minha responsabilidade os subtítulos, a tradução e adaptação do referido texto.

 

  • Um pai espera pelo regresso do filho

   «Não é fácil aceitar-se como pecador. Tantas vezes, somos tentados a recusar essa classificação e alguns julgam que o conseguem fazer. Depois, de repente, sentimos na nossa vida e na do mundo que nos rodeia, uma misteriosa e profunda culpa: guerras e explorações, ódio racial e fome no mundo, incapacidade de sermos nós próprios, incapacidade de amar os outros sem estar à espera de nada, incapacidade perdoar o marido ou o filho. Uma história de fraqueza, de miséria, de pecado. Pecados pessoais e pecados dum inteiro povo».

   «À luz da fé, o pecado do homem aparece sobretudo como a recusa do amor, um afastar-se da corrente do amor do qual Deus é a fonte. Mas Deus demonstra-se infinitamente maior que a recusa que lhe é oposta. Ele chega ao homem até no seu próprio pecado. Perdoando, vence o ódio e dá início à história da misericórdia».

 

  • Veio à procura do que estava perdido

   «Jesus dá início a uma nova e singular história de perdão: Deus que perdoa o homem com a incarnação do Filho. O Baptista anuncia a sua chegada convidando à conversão em previsão do juízo severo que está para advir sobre toda a humanidade. Mas, quando Jesus vem, declara não ter vindo "para condenar o mundo, mas para salvar o mundo" (cf. Jo 3,17; 12,47), que veio não para os que se julgam justos, mas sim para os pecadores que se arrependem (cf. 2ª leitura)».

   «Ele vai à procura dos pecadores como o pastor vai à procura da ovelha perdida ou a mulher à procura da dracma perdida. Os privilegiados da misericórdia, os preferidos de Jesus, são os pobres, as mulheres abandonadas, os estrangeiros, ou seja, os atingidos por uma interdição ou pela recusa da sociedade. Para Jesus, o filho pródigo é alguém de quem se está sempre à espera».

   «Esta atitude provoca a admiração e o desprezo dos fariseus e de certos "justos" incapazes de ir para além da justiça: semelhantes ao filho mais velho (evangelho) que tem ciúmes da bondade do pai para com o irmão mais novo. Toda a vida de Cristo, e especialmente a sua morte na cruz, foi expressão de uma misericórdia sem limites. A história do perdão começa com Jesus, continua na Igreja, que é "sacramento de salvação". O exercício do perdão divino continua nela por iniciativa e vontade de Deus e pelo poder que lhe deu Cristo: perdoar e ajudar assim a humanidade a encontrar-se com Deus».

 

  • O irmão não queria entrar

   «Não basta ter ficado sempre em casa do pai para participar no banquete. É preciso também saber perdoar. Não basta não ter feito nada de reprovável. É preciso também esperar com ânsia  quem abandonou a casa. Não basta ter observado as leis da Igreja e do Estado, ter trabalho sempre por um mundo mais justo. Não basta sequer pedir (justamente) perdão às populações do terceiro mundo, porque, quem sabe involuntariamente, as explorámos. Devemos ser também capazes de perdoar a quem erra...».

   «Ao contrário, expulsamos de casa a filha que se comportou mal, guardamos rancor ao filho que se casou contra a nossa vontade, conservamos má vontade contra o marido que gasta na taberna o que ganha, etc. Nós julgamo-nos justos, queremos sê-lo, mas talvez apontemos o dedo a quem erra. Quando nos damos conta de que o Pai se põe ao lado de quem erra, que o tem sempre no coração, que espera por ele e faz festa quando regressa, então a nós parece-nos que isso já é demais: onde é que está a justiça do Pai? Então, com raiva, protestamos e recusamos participar no banquete... A Igreja não é a comunidade de quem não erra, de quem não cai, mas de quem, sendo pecador, quer regressar ao Pai, sem pretensões; é a comunidade de quem compreende os outros e os ajuda, se caem, a retomar o caminho em conjunto».

 

  • Assembleia eucarística: lugar de perdão

   «Uma concepção demasiado parcial do encontro entre o homem e Deus levou-nos a restringir indevidamente ao sacramento da penitência o lugar do perdão cristão. Todavia, todas as vezes em que uma comunidade se reúne e se dá uma troca de perdão entre os homens, isso é o sacramento do perdão de Deus em relação a todos nós. De facto, não nos podemos dirigir ao Pai, para que nos perdoe, enquanto entre nós houver animosidade, inveja, ódio».

   «A assembleia eucarística, em particular, é lugar de perdão do Pai. Eucaristia é acção de graças ao Pai na oferta do sacrifício do Filho. Mas tal oferta seria inútil se, ao mesmo tempo, não fosse também oferta em sacrifício de toda a comunidade inserida no único sacrifício de Cristo. Porém, é exigência fundamental e condição absoluta o perdão mútuo entre os irmãos (cf. Mt 5,23-24)».

  «Todo o tipo de rancor, todo o tipo de mau humor, todo o tipo de crítica, todo o engano, devem ser eliminados: entre marido e mulher, entre comerciante e cliente, entre colegas de trabalho, entre pároco e vice-pároco. Não podemos aceder ao encontro com o Pai comum se não estivermos dispostos a isto».