SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

E COMEMORAÇÃO DOS FIÉIS DEFUNTOS

 

                                       

Temas

de

fundo

 

1ª Leitura (Ap 7,2-4.9-11): Depois, vi outro anjo vindo do Oriente, com o selo do Deus vivo. Ele gritava com voz forte aos quatro anjos, a quem tinha sido dado o poder de danificar a terra e o mar... Depois disto, vi também o número dos que tinham sido assinalados: cento e quarenta e quatro mil, de todas as tribos dos filhos de Israel. Era a visão duma multidão enorme que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Vestidos com túnicas brancas e com palmas na mão, estavam de pé diante do trono e do Cordeiro e clamavam em alta voz: «A salvação vem do nosso Deus, que está sentado no trono, e do Cordeiro». E todos os anjos, que estavam de pé à volta do trono, dos anciãos e dos quatro seres vivos, prostraram-se diante do trono com a face por terra e adoraram a Deus.

 

2ª Leitura (1Jo 3,1-3): Vede que o amor que o Pai nos concedeu é tão grande que nos podemos chamar filhos de Deus. E somo-lo de facto! E, se o mundo não nos conhece a nós, é porque não o conheceu a Ele. Caríssimos, agora já somos filhos de Deus, mas ainda não se manifestou plenamente o que havemos de ser. Agora, o que sabemos é que, quando Ele (Cristo) se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos tal como Ele é.

 

Evangelho (Mt 5,1-12): Ao ver a multidão, Jesus subiu a um monte, onde se sentou. Então, os discípulos reuniram-se à volta dele. Então Ele tomou a palavra e começou a ensiná-los: Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Felizes os que choram, porque serão consolados. Felizes os mansos, porque possuirão a terra. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu. Pois também assim perseguiram os profetas que vos precederam.

 

q  Vi uma multidão imensa que ninguém podia contar.

 

q  Agora somos filhos de Deus, mas ainda não se viu tudo.

 

q  Alegrai-vos e exultai pois é grande a vossa recompensa.

 

 

   144.000: trata-se, claramente, dum número simbólico. É o resultado de 12 (as doze tribos de Israel, que incluem a totalidade do povo de Deus) a multiplicar por 12 (a simbolizar a totalidade do novo povo de Deus) e a multiplicar por 1.000, que indica a totalidade e a perfeição ou simplesmente um número indeterminado. De resto, se houvesse ainda algumas dúvidas para sugerir a universalidade da salvação, bastaria reparar no que, no texto da primeira leitura, vem logo a seguir a isso: «Depois disto, apareceu na visão uma multidão enorme que ninguém podia contar»...

 

  • A nostalgia do futuro

   Ao princípio, a Bíblia reserva a Javé o título de «Santo», palavra que tinha o significado mais definitivo de «sagrado». E realmente Deus é o «Sagrado», o «Transcendente», o «Totalmente Outro», tão transcendente que o homem não podia pensar em participar da sua vida e santidade.

   Ora bem, Jesus assume claramente que é Senhor. E, assumindo o título de «Senhor», Jesus transmite a santidade recebida do Pai à sua Igreja e a todos aqueles que, pelo Espírito Santo, acreditam nele. É por isso que a Igreja, na linha dos escritos neo-testamentários, não hesita em chamar «santos» aos cristãos, precisamente por eles participarem da santidade de Deus.

   Por outro lado, ao celebrarmos a Solenidade de Todos os Santos, estamos, de alguma forma, a confessar uma das verdades do Credo: a chamada «comunhão dos santos». Segundo esta terminologia, todos aqueles que procuram aceitar Cristo e aderir à sua visão do mundo são «santos». Não se trata então apenas dos santos do céu, mas também dos santos que ainda estão na terra. De resto, mesmo que se restrinja a definição de santo a apenas a alguns, é óbvio que, antes de estarem no céu, eles estiveram na terra...

   Ora, bem, na história do cristianismo, os homens e as mulheres que se distinguiram – ou se distinguem – pela sua fidelidade heróica e persistente ao projecto evangélico adquirem uma importância singular, sobretudo depois da morte, quando é possível olhar para a sua vida com mais independência e objectividade.

   Ao pensarmos em solenidade ou «festa», e concretamente «de todos os santos», isso quer dizer certamente alegria, mas não nunca pode ser um motivo para nos envaidecermos e para esquecermos que essa festa é, antes de mais, um convite à santidade e que isso é um «projecto» de Deus acerca de todos, porque todos devemos ser perfeitos como Ele é perfeito. Trata-se, pois, de uma festa com um misto de nostalgia: a nostalgia do mais além, a nostalgia do futuro.

  • A santidade é mesmo para todos?

   Há vários anos que o culto dos santos está como que entre fogo cruzado por parte duma corrente de redimensionamento tendente a purificá-lo de tantos exageros e incrustações supersticiosas e até erros teológicos que um zelo mal entendido lhe tem imposto. Pode causar estranheza, mas isso não é um facto novo, pois redimensionamentos semelhantes têm ocorrido em outros períodos da história da Igreja. Basta recordar, por exemplo, os tempos do papa Pio V, em que um desses redimensionamentos foi feito. Isso não quer dizer que tejam certos aqueles cujo objectivo é apenas destruir o culto dos santos. Não é preciso chegar a tanto. Redimensionar e purificar, sim; destruir, não.

   Portanto, a santidade é possivel. E a santidade é possível também nos tempos que correm. Há muito boa (!) gente que pensa que a vida moderna não é nem bela nem fácil e que, portanto, falar de santidade é uma utopia. Estes «velhos do Restelo» serão sempre uma nota característica de todos os tempos. Partem do princípio que a santidade, nas actuais circunstâncias da vida, é uma empresa impossível, que é um assunto para privilegiados, que gozam de particulares visões ou favores de Deus. Os que defendem isto têm claramente uma noção errada do que é ser santo.

   Há outros, porém, que pensam que o golpe mais rude que jamais foi dado na fé simples e genuína do povo cristão foi precisamente o golpe «iconoclasta» de eliminar do calendário alguns dos santos. E, neste caso particular, nem sequer o papa, nomeadamente Paulo VI, escapa às críticas magoadas dos «ofendidos». Também neste caso, há uma noção errada de santidade. Para além de que, por tirar alguém do calendário, isso não signifique que um tal santo já deixou de ser santo.

   Uns erram porque identificam os santos só com os que se encontram no calendário. E então, imaginando os santos como seres desencarnados da realidade – e a culpa muitas vezes é dos exageros arroubados dos hagiógrafos – chegam à conclusão que a vida que é proposta como exemplo não oferece nenhuma atractiva para o homem moderno. Os outros erram também porque consideram os santos como seres intocáveis, muitas vezes, na prática, superiores a Nosso Senhor Jesus Cristo (salvo seja!). Na visão deles, há uma confusão muito grande e perigosa. E é o facto de estarem convencidos de que tirar um santo do calendário é a mesma coisa que dizer que ele já não é santo. A esse gesto associam a atitude de quem tira algum santo do calendário como sendo a vontade de destruir a fé e o cristianismo.

   Exagerando um pouco, eu diria que há até quem não se importaria muito que «tirassem do calendário» a Jesus Cristo, desde que lhes não tocassem no santo da sua devoção. Sim, esta afirmação é obviamente um exagero da minha parte, mas o facto é que, rigorosamente falando, o cristianismo não perde a sua «configuração» original sem este ou aquele santo. Mas agora o que já não pode existir é cristianismo sem Cristo. Isso, sim, seria uma clara contradição.

  • Não terás outros deuses

   A existência dos santos não é uma existência a se, como se duma espécie de semideuses se tratasse. Mesmo na hipótese de se tratar de semideuses (o que não é o caso), não teriam existência a se, porque seriam semideuses em comparação com algum ser que fosse Deus. Bem, mas não compliquemos as coisas. Mesmo que, por hipótese, devêssemos eliminar do calendário todos os santos (todos) como muita gente os entende, nem por isso deixaria de existir cristianismo (desde que não lhe tirassem a Cristo). Mais: o facto de terem sido tirados do calendário alguns santos (muitíssimo poucos, diga-se de passagem), não quer dizer que eles tenham deixado de ser o que sempre foram: imitadores do projecto de Deus.

   Os santos são propostos como modelos para os outros – muito mais do que como milagreiros – porque precisamente se aproximaram, na vida de todos os dias, um pouco mais do que os outros, da própria vida de Deus. Mas, como é óbvio, nem por isso deixaram ou deixam de ser criaturas. E por isso é necessário que, no culto que lhes é prestado, nunca haja desvios doutrinais. Eles não são substitutos de Deus ou de Jesus Cristo, mas apenas e simplesmente modelos intercessores. Tudo o que for mais do que isso, «vem do Maligno».

   E nós até sabemos isso perfeitamente em teoria. Mas, infelizmente, na prática, ainda se vê e se ouve muita gente dizer que vai rezar um «Pai-Nosso» ou uma «Ave-Maria» a Sto. António ou a S. Judas Tadeu ou a Santa Teresinha. Infelizmente, também se ouvem destas coisas! Será ignorância, será superstição, será inexactidão de linguagem, será pura e simples superficialidade, será aquilo que quisermos, mas é um erro grave. A oração só pode ser dirigida a Deus, embora a possamos fazer por intercessão ou por intermédio de Maria, Mãe de Jesus, ou dos santos.

  • Os males não vêm todos por mal

   Se, porventura, o problema do culto dos santos se põe, por vezes, com alguma acuidade, isso não me parece o «fim do mundo. Ultrapassar o «trauma» de ver algum santo a saltar do calendário talvez seja um processo doloroso, mas pode revelar-se positivo. Promover o culto dos santos não é endeusá-los, mas deve ser sobretudo promover o estudo da sua vida, do seu pensamento e da sua maneira de estar e agir no contexto e no ambiente em que lhes foi dado viver, para, assim como eles fizeram, podermos nós também mais facilmente chegar a Deus.

   Assim, não teremos dificuldades de qualquer espécie em chegar à conclusão de que os santos não são nem semideuses, aos quais se presta um quase culto de adoração, nem são criaturas de outros planetas cuja vida e cujos feitos nos não interessem. Eles são sobretudo irmãos que, embora já numa outra dimensão de vida, continuam, no entanto, ao nosso lado, dando-nos coragem para prosseguir a nossa caminha terrena em direcção ao Pai.

  • As leituras de hoje estão de acordo...

   Esta visão do problema, de resto, parece-me mais de acordo com o espírito da liturgia da palavra deste dia. De facto, por exemplo, a 2ª leitura diz-nos claramente que nós seremos semelhantes a Ele (Deus); sim, nós, que somos feitos da mesma «massa» de que eram feitos os santos. Por outro lado, a visão do autor do Apocalipse acaba por dissolver todas as dúvidas. Não devemos fixar-nos – como pretendem alguns «literalistas» – no estranho (aparentemente) número de centro e quarenta e quatro mil eleitos. De facto, esse número, afinal, não é senão o resultado de doze (as doze tribos que compõem o povo de Israel e, por conseguinte, o novo Israel ideal) elevados ao quadrado (12 a simbolizar os inúmeros membros do novo povo de Deus provenientes dos quatro cantos do mundo) a multiplicar por mil (que é símbolo da totalidade e da perfeição).

   Mas, mesmo que se desse o caso de que o simbolismo numérico não estivesse presente, não poderíamos, de maneira nenhuma, concluir que seja possível contar o número de eleitos ou santos. E, com efeito, para evitar qualquer dúvida, a única coisa a fazer é continuar a ler o texto em questão: «... E vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7,9a).

  • Quais os critérios da santidade?

   Por seu lado, as Bem-aventuranças traçam o perfil, digamos assim, da santidade e dos santos. Porque a santidade é algo que está ao alcance de todos; mesmo dos que não são católicos, e inclusivamente dos que nós consideramos pagãos ou infiéis. É o próprio Jesus – não o esqueçamos – que faz o panegírico do centurião (que era pagão, pelo menos oficialmente) e da cananeia, também ela considerada pagã (cf. Lc 7,9; Mt 15,28). É Ele que põe em realce o bom coração do leproso samaritano (também considerado pagão pelos pios israelitas), que é o único dos curados que vem agradecer e que Jesus apresenta como exemplo a seguir (cf. Lc 17,18). E vários outros exemplos se poderiam aduzir.

   Então, queremos saber se alguém é santo? Queremos saber se nós próprios somos santos? Eis o espelho: os pobres, os aflitos, os mansos, enfim, as Bem-aventuranças. Mas, mais do que do esforço humano, a santidade depende do amor de Deus. Jesus adopta como «critério» de salvação a ajuda que se tiver dado aos mais necessitados. Quem tenha estudado teologia, talvez esteja a protestar que eu estou a super-simplificar. Pode ser! É para contrabalançar a super-complicação de outros!

 

 

SOLENIDADE DOS FIÉIS DEFUNTOS

 

                                       

Temas

de

fundo

 

1ª Leitura (Job 19,1.23-27a):Job disse: «Até quando me atormentareis a alma com vãs palavras? Quem me dera que as minhas palavras fossem escritas e consignadas num livro, ou gravadas a chumbo com estilete de ferro, ou fossem esculpidas na pedra para sempre! Em qualquer caso, eu sei que o meu redentor vive e prevalece sobre o pó da terra. E sei também que, depois de a minha pele se desprender da carne, e sem este meu corpo, verei a Deus. Vê-lo-ei com os meus próprios e Ele não me será estranho.

 

2ª Leitura (Rm 5,5-11): Esta esperança não nos engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, que é o dom que nos foi dado. De facto, estávamos ainda sem esperança quando Cristo morreu pelos ímpios. É coisa difícil alguém morrer por um justo. Por uma pessoa boa talvez alguém se atreva a morrer. Mas Deus demonstrou assim o seu amor por nós: quando ainda estávamos na condição de pecadores, Cristo morreu por nós. E agora, uma vez justificados pelo sacrifício do seu sangue, com muito mais razão havemos de ser salvos da ira por meio dele. Se, de facto, éramos inimigos de Deus, Ele reconciliou-nos consigo pela morte do seu Filho. Então, se fomos reconciliados, com muito mais razão, seremos salvos pela sua vida. Mais ainda, alegramo-nos por causa do que Deus fez por intermédio de Nosso Senhor Jesus Cristo, que nos alcançou a reconciliação.

Evangelho (Jo 6,37-40):Todos aqueles que o Pai me dá pertencem-me. E quem me pertence Eu não o rejeitarei. Eu desci do Céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou. Ora, a vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas que os ressuscite a todos no último dia. Esta é, pois, a vontade do meu Pai: que todo aquele que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia.

 

q 

Eu sei que o meu Redentor está vivo.

 

q  Enquanto éramos pecadores, Cristo morreu por nós.

 

q  A vontade do Pai é que quem acredita no Filho tenha a vida eterna.

 

q       Job e os seus amigos

q       A vida para além da morte

q       Pedir contas a Deus?

q       A retribuição vem depois

q       Tribulações passageiras

q       O papel do reconciliador

q       A responsabilidade pessoal

q       Crer é fundamental